A
celebrar o seu vigésimo aniversário e depois de um hiato de seis anos, os
Primitive Reason estão de regresso aos lançamentos originais com Power To The People. Reconhecidos pela
fusão de sonoridades e pelo experimentalismo da sua música, são hoje um dos
principais nomes do panorama alternativo português e com base mais uma
excelente proposta fomos falar com Guillermo de Llera Blanes.
Viva! Obrigado por perderem algum do vosso tempo a
responder a Via Nocturna. Power To The People é já o vosso sexto trabalho, seis anos depois. O que se passou para
estarem tanto tempo afastados das edições originais?
Viva Via Nocturna,
e é um prazer estar aqui a responder às vossas perguntas. Para responder à
vossa pergunta posso adiantar que a razão de tanto tempo afastado não é simples
de explicar e é totalmente mea culpa
já que fui eu quem deu início a este hiato das gravações fonográficas. Poucos
anos após o lançamento do nosso 5º registo, o Pictures In The Wall, decidi que era hora de dar um passo atrás,
não na carreira, mas na forma de viver, perspetivar e encarar o nosso percurso
até a data. Considerei que eu, particularmente, precisava de sangue novo, ou
seja, de voltar a encontrar no meu mais profundo interior aquela fonte de inspiração
e ideias tão criativas. A minha opinião, nesse momento, era que me tinha
tornado demasiado profissional e adulto no meu próprio estilo como compositor e
que tinha que encontrar a ‘criança interior’ outra vez. Por isso apelei aos
restantes membros da banda e expliquei que precisava de uma paragem a título
pessoal que permitisse essa busca e que quem estivesse disposto a esperar que
eu ‘voltasse’, metaforicamente falando, teria um lugar assegurado ao meu lado
na nova fase Primitive Reason que surgisse no futuro. E cá estamos,
precisamente nessa fase, com um som que tem muita da magia que se encontra no
nosso primeiro registo mas também com a maturidade e experiência servindo de
apoio às nossas composições de agora em diante.
Face ao vosso passado, como classificariam esta nova proposta? Ou
seja, consideram que segue o vosso legado inicial ou preferem entrar em campos
diferentes?
Eu prefiro
sem sombra de dúvida considerar que ‘voltámos a casa’ e de lá voltamos a
iniciar uma nova viagem. O Power To The
People foi idealizado com todo o carinho e respeito pelo nosso legado
inicial como muito bem o descreves. Foi uma reverência consciente que escolhemos
fazer, uma ode moderna aos velhos tempos.
A mistura do álbum foi feita por Bob Brockmann. De que forma é que o
dedo experiente deste norte-americano mais se nota na sonoridade de Power To The People?
O Bob surpreendeu-me
deveras com a sua abordagem ao nosso estilo. Acho que ele surpreendeu a todos
na sua leitura da essência do som Primitive e do espírito que o eleva. Brockman
não só é um mestre da sua arte, mas mostra também uma sensibilidade e
capacidade de leitura muito acima do comum. Ele serviu o Power To The People de uma forma extremamente corajosa, generosa e
sábia porque foi ao encontro do disco, em vez de fazer a música ir ao encontro
do estilo dele e dos seus canons até
a altura. Acho que com o Power To The People
o Bob Brockman também ganhou muito no seu léxico pessoal porque teve toda a
liberdade de ser tão experimental como nós somos.
Um dos aspectos mais salientes da vossa música, na minha opinião, é
a riqueza estilística e o à-vontade que demonstram na conjugação de diferentes
estilos. È fácil esse trabalho ao nível da composição? Como funciona isso no
seio dos Primitive Reason?
Essa é a
parte mais fácil e natural dos Primitive Reason.
E como surge toda essa confluências de influências?
A composição
parte muito de mim e a minha história pessoal é um sem fim de influências
externas de naturezas muito variadas e experiências pessoais muito
internacionais e multi-culturais. Sempre o procurei. Como tal, todos os membros
originais dos Primitive Reason também sofriam do mesmo mal, de ser um cidadão
do Mundo sem amor pelas limitações culturais. Desde o início que ficou patente
que nós iriamos absorver e reciclar tudo o que nos interessasse sem termos de
nos identificar com nenhum estilo em particular, decisão esta que por vezes
trabalhou contra a nossa carreira por nos tornar nuns outsiders sem sítio onde encaixar, mas que foi sempre a maior fonte
de liberdade artística e criativa. Depois, todos os membros que entraram nos
Primitive Reason desde o início foram e são pessoas em perfeita sintonia com
esta forma de ser e ver o mundo.
Com um título como Power To
The People pretendem transmitir alguma mensagem política, numa altura em
que até a Grândola Vila Morena tem
sido recuperada…
A nossa
mensagem com o Power To The People
não só vai de encontro à situação actual e forma de pensar de muita gente hoje
em dia como também é, na sua essência, ‘mais do mesmo’ dos Primitive, visto que
até no Alternative Prison se encontra
a mesma dialética. Por outro lado com o Power
To The People visamos introduzir uma nova camada na interpretação da
situação social-económica que se vive no país e no mundo hoje em dia, que não é
mais do que a noção de que todos temos uma parcela de culpabilidade da situação
que vivemos ao permitir que quem nos governa se comporte da forma que se
comporta e defenda interesses diferentes dos nossos. O povo sempre teve o poder
consigo. O indivíduo é responsável pela sua própria felicidade. A passividade
perante o abuso claro dos seus direitos e a incapacidade de se motivar para se
defender a si e aos seus não é forçado pelo governo, é um problema de cada um.
Procurar desculpa fora de si não passa mais disso mesmo, procurar desculpas, e
procurar desculpas por perder é de quem já desistiu. A luta tem sempre que
continuar.
Em termos de sopros, Power To
The People está soberbo. Para além do vosso saxofonista, contam com a
colaboração dos elementos dos Burning Spears, certo?
Sim, membros
da secção de sopros dos Burning Spear que também fazem parte individualmente
dos The Easy Star All-Stars, The Toasters, The Scofflaws e dos grandes New York
Ska Jazz Ensemble. O Bufodr O’Sullivan, que compôs as partes da secção de
sopros tocou com Primitive Reason em Nova Iorque quando lá morávamos entre 1998
e 2001. Logo veio a gravar connosco no Some
Of Us... e no The Firescroll.
Para além destes tem mais algum convidado a colaborar convosco?
Sim, tivemos
o eterno Mark Cain da formação original e tocar no tema Door Nr.5 e o João Gomes dos Orelha Negra, Cool Hipnoise,
Spaceboys, e Cacique 97 gravou teclas em várias canções.
As sucessivas alterações de line
up têm sido uma constante no vosso percurso. A situação está mais estável
agora?
Sim, está
bastante mais estável. Na realidade nunca foi inestável, já que os músicos são mesmo assim, tocam em várias
bandas e seguem o seu percurso como mais lhes convém de acordo com as
oportunidades que surgem. Só as mega-bandas
de alto sucesso comercial podem dar-se ao luxo de manter membros quase a
contrato. É um luxo que quem anda na guerra de fazer música original e fora do mainstream não pode ter.
Como foi a experiência de viver e tocar nos Estados Unidos?
Foi
fenomenal. Fomos e voltámos cento e tal concertos depois cheios de novas
experiências e vontade de trazer a Portugal o que aprendemos por aquelas
terras.
Desde que regressaram dos Estados Unidos que os vossos álbum têm
sido lançados pela vossa própria editora. Sentem que há falta de apoio para o
tipo de música que praticam por parte das editoras?
Sim, sem
sombra de dúvidas. Money talks...
Participaram recentemente no Sem
Palheta da RFM. Que tema recriaram e como foi a experiência?
Recriamos o I Need A Dollar do Aloe Black. Foi uma
aventura muito divertida e interessante que nos deixou com vontade de fazer
outras versões “adulteradas”.
Como surgiu a ideia de relançar a vossa estreia, Alternative Prison? Têm tido uma boa
adesão a esse produto?
O Alternative Prison é um clássico
internacional. Se tivesse tempo para contar em quantos cantos perdidos do
planeta já encontrei gente de outros países que me diz: “Primitive Reason? Adoro
o Alternative Prison, é um épico!”
ficaríamos horas à conversa.
Como vai ser 2013 ao vivo para os Primitive Reason?
Tocaremos ao
vivo sempre que tivermos as condições certas. Não quero entrar em grandes
análises da situação da música em Portugal, porque as coisas são como são e só
aceita quem quer. Da nossa parte a atitude é sempre a mesma, quando é para
tocar, é para fazê-lo bem e de bom grado, e tornar a experiência memorável.
A terminar, querem acrescentar algo mais ao que já foi abordado?
Só queria
desejar a todos os fãs Primitive tudo de bom. Sem o vosso apoio não seríamos
nada, e vamos continuar a fazer música para vocês. Lembrem-se que a música e a
arte precisam do apoio das pessoas e a cultura define o estado do país. Sem
música tudo é mais cinzento, por isso apoiem os vossos músicos locais e
dêem-lhes força para continuarem a fazer boa música.
Próximas
datas:
06 de julho - FNAC Cascaishopping |
22h00
30 de julho - Norfest, Mondim de
Basto
23 de agosto - Summers Groove Fest - Vila Real de Sto. António
23 de agosto - Summers Groove Fest - Vila Real de Sto. António
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