Depois da passagem pelos FullMoonChild, Pedro Rodrigues ergueu os My
Deception, um projeto que, salienta o instrumentista, é uma banda e não apenas
seu. Quatro anos após a estreia em formato EP, Sinful Twilight aí está como uma lufada de ar fresco no cenário do metal gótico. O próprio Pedro Rodrigues
falou, de forma aberta e bem emotiva, da sua longa travessia pelo mundo da
música que culminou neste trabalho.
Viva! É um prazer conversar convosco e obrigado pelo tempo despendido. Para
iniciar, podes falar um pouco de como nasceu este projeto?
Boas! O prazer é nosso. Este projeto
nasceu em 2006, enquanto eu ainda estava na banda anterior, FMC
[FullMoonChild]. Era só um projeto caseiro, noutras afinações, mais baseado em
voz limpa. Nunca imaginei vir a ser o projeto principal e minha prioridade. Fiz
3 faixas no meu PC e estava a juntar uns trocos para gravar voz e tal... Sete
anos depois, é uma banda inteira, com membros fixos e álbum. Comecei com o
Bruno Ramos (que voltou) e outro pessoal (que nunca mais ouvimos falar). Eu
sentia a banda anterior a deteriorar-se, e como fundador da mesma, nem poder
compor uma música estava a rebentar comigo. Então saí. Mas quando saí já tinha
My Deception na mente. Seja como for custou-me bastante começar do zero. Eu já venho
das bandas de 1995/96 daqui da zona. Sou um dos poucos resistentes. O resto
desistiu tudo, casou-se, etc (fizeram bem! Isto cansa!). Entretanto, era
impossível resumir aqui tudo o que se passou com My Deception, dava um livro, e
não me lembro de metade, pois provavelmente estive bêbado o tempo todo...Mas o "novo
início" deu-se quando, após um concerto no Transmission em Lisboa (casa
cheia), dou comigo com uma banda cheia de "músicos convidados". Eu
gosto de banda unida e não pessoal que apenas quer as partes boas, e as
difíceis e a luta maior, não "estão para aí virados". Em 2010 estava
eu e um guitarrista apenas, decidi acabar. Um amigo de infância encontra me no facebook (Rui Kristo) e ficou espantado
por eu ainda continuar "com as bandas", pois ele fez parte de uma que
tive em 1998 de Blackmetal
(Crypticallium), que não durou. E virou-se para mim "Não me digas que vais
deixar um projeto destes morrer? Eu ainda toco baixo e conheço um
guitarrista...". E o novo início deu se com o Luis Correia na guitarra
ritmo (que na altura estava em Bowelism também e outros projetos e mais tarde
como músico de sessão ao vivo em Cripta Oculta, etc), e o Kristo e eu comecei a
gravar os meus teclados com baterias por cima. Voltamos a ensaiar. Depois de
estar parado cerca de 2 meses, já estava a entrar em loucura no meu quarto, a
beber mais que devia, sem futuro ou presente em vista. O primeiro ensaio, mesmo
sem baterista correu bem. Seguimos em frente e fomos metendo anúncios para
procurar bateristas, mas meses e meses sem ninguém responder, lá demos 2
concertos com o "baterista chinês". Um no Side B e outro em Cascais.
Depois tivemos alguns bateristas que se juntaram a nós um tempinho enquanto
tinham os seus outros projetos (de Gwydion teve umas jams connosco, de Thanatoschizo, e o Luis Paulino, que foi quem
esteve mais tempo). E agora um membro inicial voltou! Estamos coesos. Isto é um
resumo e mesmo assim já viste que ainda não me calei? (risos). Se contasse tudo
(do que me lembro), dava um livro. Mas em Portugal até para editares livros
tens que pagar! E eu jamais faria isso. Muita gente ficaria ofendida sem
motivos para isso. Sabes como é…”All you say, can and
will be used against you in the Court of Life”. Hmm. Acho que vou usar isto…
Desde a estreia com o EP já passaram quatro anos. A que se ficou a dever
este espaço tão longo afastado das edições?
Tens bastantes exemplos nacionais de
pessoas que possuem meios financeiros para ter mais lançamentos a tempo e não o
fazem. Não vou mencionar que bandas são, mas que ficam 3, 4 ou 5 anos de álbum
em álbum e podiam dar outra prioridade ao projeto... No nosso caso, é este
País, corrosivo. Veio de uma geração de trabalhadores/as que não deram espaço a
sonhar, nem eles próprios puderam sonhar. É complicado, especialmente sem
ordenado ao fim do mês ou apoio de familiares para os custos de gravar/produzir
álbum (sem saber se vai ter feedback,
editora ou futuro!). Um bar ou "venue" quando te põe a tocar e dá-te
tipo 1 euro por cabeça ou menos, não sonha o que gastaste para estar ali. Os
ensaios pagam-se, as cordas pagam-se, os instrumentos pagam-se e como são de
madeira, pelo menos 1 ou 2 vezes por ano exigem manutenção (isto para quem não
conhece instrumentos). E isto tudo para um par de desempregados é complicado.
Tivemos que gravar da maneira mais low
cost possível e o produtor, Sales (Icon & Ramp) concordou em nos fazer
um preço especial, devido à nossa situação, mas com a condição de ser apenas
quando ele tivesse tempo livre. Icon a gravar álbum ao mesmo tempo que nós,
Ramp também acho que está ou esteve a gravar algo, bandas de covers, etc. Nós começamos a gravar em
2012 e era coisa para ser gravada em meio mesito,
mas ele não conseguiu pois estava muito atarefado. E nós, acreditem ou não,
houve alturas que nem gasóleo havia para ir gravar (quando ele podia). Uma das
vezes até me desfiz em lágrimas. A luta foi injusta, mas aqui está ele!
Portanto acho que a resposta a esta tua pergunta pode-se dizer mesmo que foi
meios financeiros e o Produtor demasiado ocupado. Até porque se vires bem, o
álbum é o EP remasterizado e com ligeiras alterações (o solo da Nothing Inside era de outro membro no
EP, e no álbum é outro, já feito por mim). É o EP remasterizado e
re-amplificado com mais 5 novas. Aprendi uma lição. Quando se começa a desistir
não é sinal de fim, é sinal de novo começo. Ou sinal que algo está mal.
Este acaba por ser um álbum muito pessoal em que tu assumes a quase
totalidade das despesas. Concordas?
Discordo completamente. Se não fossem
os meus irmãos, que é isto que lhes posso chamar, que estão comigo há 2 ou 3
anos (perdi a conta), me aturam e quando estou em baixo, puxam para cima e
insistem que um projeto com estas músicas não pode morrer, não...Como hei-de
dizer? Se não fossem eles, não havia sequer álbum. Havia um álbum talvez, no
meu PC, muito mal masterizado e seco de “humanidade”. Em vez de um CD inteiro,
com capa, masterizado por quem o faz melhor em Portugal (Sales aka Sean Rose).
Todos pagamos o mesmo pela gravação. Cada um dos 3 deu os seus 33.3% dos custos
totais da gravação. E a editora Ethereal Sound Works tratou dos gastos todos de
produção do mesmo, que é espantoso, se formos a ver a situação de FMC em 2004,
em que a banda suportou todos os gastos, e no fim ficou com um EP e um videoclip nas mãos. É importante
mencionar que a única coisa que este álbum tem de pessoal, para mim, Pedro
Rodrigues, são as letras que são desabafos meus e as notas. O resto, para quem
não está dentro do processo de criação, se não fosse um floreado aqui e ali do
Bruno, do Luis, do Kristo ou de outro ex-membro na altura, a música não tinha
tanta beleza. E sem a ajuda financeira cega dos mesmos, nada disto tinha
acontecido (Luís, eu e Kristo na altura, e também o Luís Paulino que nos ajudou
com uma prestação, quando esteve na bateria, que ainda lhe devemos um jantar.
Alias, vários!).
Como decorreram as sessões de gravação?
Como se costuma dizer, "sem espinhas".
Apenas demorou em agendamento de datas no estúdio, nada mais. Assim que lá
estávamos, era num ápice gravar cada instrumento. E baterias de 4 faixas já lá
existiam, portanto foi só equalizar. Entretanto como estava sem o Bruno, gravei
eu a Ode to Nothingness, Sinfull Twilight e Sacrifice. Se repararem tem menos pormenores/floreados das influências
jazz/funk do Bruno Ramos. Mas se nos
forem ver ao vivo, ele já encaixou lá os seus floreados mágicos. Eu toco
bateria mais "seca”. A Ode ao vivo está com mais pormenores. Eu cingi-me
ao básico. Queria era vê-la gravada. Porque para mim é uma faixa muito pessoal,
um desabafo forte..."I need more...Then this. I really do.". Isto só
foi assim porque senão, não havia álbum. Ou havia só daqui a 2 ou 3 anos. Próximo
álbum já vai ser normalíssimo, com "cada um no seu instrumento".
Eu sei que isto dá uma "double entendre" para mentes mais
perversas (risos).
Como escolheste os músicos que te acompanham?
Eles escolheram me a mim (risos). Eles
escolheram aturar o bêbado solitário (risos). A música chamou-os. Isto não é um
projeto de "Pedro e os músicos". Eu dei apenas inicio, mas o comboio
precisa das 4 carruagens. Sem elas não se pode chamar comboio. E já nos
"fundimos" musicalmente. Todos os Domingos (ou quando calha ter tempo
de ensaio) tocamos um set de 10
faixas como se já tocassemos juntos há 10 anos. Bem... Eu já me aturo a mim
próprio em garagens há mais tempo que isso (risos).
Como mencionei em cima, não é um
projeto a solo meu. É uma banda sólida já há 3 anos. Não se
chama "Pedro & os Animais" nem "Pedro e os
MD". Lá por eu ter mantido o projeto vivo, não faz disto banda a
solo. Apesar de ter nascido há 6 anos, mas não tenho culpa de as pessoas entrarem
e saírem. Já me vieram mandar bocas "deves ser insuportável, porque
nunca manténs o pessoal! Não vales nada!" Ah... Espera, esta parte
não era para aqui (risos)... Eu nunca disse a nenhum ex MD "vai te
embora". Eles é que me disseram a mim "vou me embora". Não
aparecendo, não querendo investir em gravar, ou dando prioridade a outros projetos
deles. Ou a uma vida pessoal muito ocupada. Eu apenas mantive o barco (uns
meses sozinho até), porque não tenho mais nada na vida. O Bruno Ramos por
exemplo, andou aí pessoal a dizer que saiu porque o mandei à m***a, e coisas do
género. Não! Ele foi Pai! Sabem o que é isso neste país, para um Português?
Rouba todo o dinheiro possível e tempo! Ele até vendeu a bateria para viver. E
por coincidência, ontem acabou de comprar uma de novo. Uma bela Dixon que vai
trovejar por aí mal seja possível! São fases da vida, em que o destino diz
"não podes ficar aqui". Estive também com pessoas que insistiam que
eu parasse, até que elas determinassem certas fases da sua vida pessoal... E
eu? Ficava aqui a olhar para as paredes do meu quarto, enquanto outros se
casavam e envelheciam a sorrir juntos “I am no Last Resource friends…”? E SE
CALHAR decidiam voltar a tocar? Ninguém tem o direito de me pedir isso, acho
injusto. Quem me conhece sabe que não tenho mais nada, sou péssimo na vida
social, tenho poucos amigos e nem o meu CV aceitam em lado nenhum. Até já tive
entrevistas de trabalho em que foram achar a banda, sei lá como (escondo-a do
CV) e dizerem "Pois... Pessoal das bandas não nos interessa
muito...". O "pessoal das bandas" também precisa de trabalhar e
pagar contas ao fim do mês. Mas essa gente dos Recursos Humanos parece ser
mesmo ignorante. Estou há 4 anos à espera de alguma/um com mente aberta e que
não esteja presa na idade média e me contrate, porque tenho todos os dias da
semana para isso. E sábados.
É verdade que preferias que este lançamento tivesse ocorrido no Inverno?
Porquê?
Uau. Pensei que tinha apenas pensado
isso. Tenho que beber menos... Sim, porque nasci no Inverno, nos dias mais
frios de janeiro e porque no Inverno... Sei lá. Acho uma altura inspiradora.
Não são propriamente músicas de verão, na minha humilde opinião. A Cold Life até chuva tem. Mas, isso não
se escolhe quando se depende de tanta gente. Alias, ele esteve
"quase" terminado no início do ano.
Nota-se bastante entusiasmo à volta deste disco. De certa forma contavas
com isso?
Não contava com nada disto. Estou a
ter reações nada esperadas. Sou sincero. Desde estar num bar à noite e passar
uma faixa nossa e a seguir alguém me por uma cerveja na mão e dizer
"grande som o vosso". Ficas completamente, perdoa o meu
"Francês", encaralhado. E
tivemos uma grande sorte de um dos DJ´s mais conhecidos de Portugal ter gostado
da música (Nothing Inside) ao ponto
de nos contactar e pedir autorização para passar no 2001 no Estoril. Uma discoteca de grande dimensão e de grande nome.
É uma honra brutal. Que me foi trazida pelo Brother Luis Correia, da outra guitarra.
Estou contente. Continuo pobre, mas contente!
Sei que tinhas algumas cópias autografadas. Como foi a aceitação desse
produto?
Olha, foi um pequeno erro! Porque
todas as pessoas que nos vêm comprar a nós em vez de irem à loja, acabam por
pedir assinatura, portanto, não era nada de novo. E ainda tive que enviar 4
cd´s que perdi o lucro nos portes. Enviar um CD a pagar no destinatário tem de
momento o custo de 5 euros e 30 cêntimos. Para enviares CD´s por correio ou
pedes 15 euros pelo CD ou então não compensa nada. Zero lucro e ainda metes 30
cêntimos do teu bolso. Ah! Portugal. Tudo tão baratinho que mete impressão... Para
alguns, claro.
Fiz um com imagens do 2001 Catedral do Rock, está no youtube, e imagens de ensaios da Nothing Inside 2013. Mas o Oficial
estamos em negociações e a escrever guião. Em princípio, decidiu se ontem ser a
Infernal Temptation. Mas, não te
posso adiantar muito mais, estamos em negociações com a equipa de vídeo. Com
quem já trabalhei anteriormente em FMC. E se na altura eram bons, imagina
agora...
Como será a apresentação ao vivo deste álbum?
Devido a todos os atrasos e isto sair
em pleno epicentro do verão, dessa época em que os outros Humanos podem ter a
sorte de largar tudo e irem divertirem-se para esquecer o calor horrível, tudo
se atrasa, a transportadora para as lojas, etc, decidimos não marcar o destino.
Este lançamento foi meio "parto a ferros", por isso, não há
lançamento oficial. Estamos no entanto a antecipar o segundo álbum, para que
não haja mais surpresas destas. 4 baterias já estão gravadas. Estamos a captar
ao pouco e sem pressa, pois não há "fundos" para ir já a correr para
estúdio, nem interesse em lançar dois álbuns no mesmo ano. Portanto, este ano
conta-se apenas com concertos e possível venda de CD´s ao vivo. Lá para
setembro/outubro deve haver datas. Se ninguém entretanto sair da banda, por eu
ser um canalha bêbado!
A terminar, queres acrescentar algo mais que não tenha sido abordado nesta
entrevista?
Com algo importante! Dizes no site que o line up tem 2 baixistas e só temos um. O Rui Kristo. No CD, o João
Participou nas faixas porque foi o baixista antes do Kristo, mas o line up FIXO é agora: o Kristo no baixo,
Bruno na bateria, eu (Pedro) na voz/teclas/guitarra e Luís na guitarra (não é
só ritmo, faz melodias e alguns acústicos). O João Cavalheiro foi um excelente
baixista durante 4 anos, e dos melhores nacionais na minha opinião, e continua
um amigo, daí meter o nome dele no trabalho. Esta entrevista NÃO foi feita de
acordo com o novo acordo Ortográfico, da nossa parte. [NE: no entanto, foi
convertida para a sua publicação online].
Se puserem LIKE em MyDeception no facebook recebem as notícias. Em princípio,
primeira data deste ano, 7 de setembro, Republica da Música, Alvalade. Mas, não
garanto já! Cheers mates.
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