Os The Melancholic Youth Of
Jesus sempre viveram uma áurea de cult
band que se mantém (provavelmente até se acentuou) mesmo sabendo que o
projecto liderado por Carlos Santos já não lançava nenhum trabalho de originais
desde 1999. 2013 marcou o fim desse longo jejum com Gush. Atualmente radicado em Portugal, mas há muito tempo a
dividido entre este jardim à beira
plantado e o Reino Unido, Carlos Santos explicou a Via Nocturna muita da
essência de The Melancholic Youth Of Jesus.
Olá Carlos, antes de mais obrigado pela tua
disponibilidade. Este é um projecto que está dividido entre Portugal e
Inglaterra. Como tem sido a gestão desta situação?
Viva Pedro - obrigado eu. Sobre a tua pergunta, não foi fácil e deparei com
algumas dificuldades em encontrar o som que obtive e que achava adequado, de
modo a imprimir o caráter desejado aos temas de Gush - pois queria um som granulado e sujo e foi um processo longo
e doloroso que me obrigou a andar entre Inglaterra e Portugal. Cada estúdio tem
as suas caraterísticas e gostei de ter trabalhado com o Estúdio Entreparedes
(Porto), onde o Paulo Pinto nos acolheu bem, todavia optei por fazer o resto do
trabalho em Bristol no estúdio de um amigo onde não tinha de olhar a custos, e
assim, sem pressão, recorremos a técnicas de modo a sujar o som, retirando-lhe
aquela película brilhante que carateriza
o som digital, procurando assim um som mais analógico. Isso acabou por
condicionar as minhas escolhas pois tinha músicos no UK interessados em
trabalharem comigo, e músicos em Portugal disponíveis para trabalharem comigo,
porém, cheguei a um ponto onde o álbum era a prioridade, e, só aumentavam as
incertezas. Estou neste momento radicado em Portugal. Não foi fácil e estou
feliz por terminar este trabalho, mas tinha de ser feito.
E de que forma, a presença em Londres te
proporcionou outras experiências que transpuseste para MYOJ?
Não é fácil explicar em poucas palavras mas é evidente que Londres tem um
outro historial e bagagem comparativamente a Portugal. Lá gere-se uma banda
como uma empresa, enquanto aqui ainda se brinca às bandas e as realidades são
incompatíveis. Verifico que lá houve preocupação em se começar pelos alicerces,
enquanto aqui, muitos começam pela fachada e não acredito que os grupos aqui vendam
o suficiente número de discos para justificarem tanto aparato nos seus
concertos, mas, são modos de pensar, e, o facto incontornável é que o UK e USA
dominam o mercado e estão pelo menos uns 25 anos à frente, pois criaram as
bases para sustentarem esse mercado - e que contribui para o respetivo PIB destes
países. Uma noite estava em Camden e um amigo - Josh Goldberg - apresentou-me a
Amy Winehouse. Falámos das The Ronettes e fiquei espantado com a humildade
dela. Um outro amigo meu - JB Pilon (dos The Fraziers) - quis produzir o Gush mas sugeriu um estúdio onde
trabalhava - cujo dono era produtor do Robbie Williams - enfim - nunca teria
possibilidade de comportar esses custos, mas, mesmo assim eles enviaram-me uma
proposta - um pouco inferior - quando podiam perfeitamente mandar-me à merda.
Moral da história - Londres faz-me ver que existe respeito pelo trabalho das
pessoas e ajudou-me a ver a dimensão que os mYoj poderiam ter se tivessem
nascido no UK e, por outro lado, pôs-me em contacto com pessoas que partilham o
meu modo de ver e sentir a música, por isso, serviu de atestado que estava no
caminho certo - precisava apenas de repensar e reinventar algumas coisas. Posto
isto, é óbvio que me influenciou, pois, não toco de graça e não faz sentido que
sejam os músicos, que sustentam o mercado, a cederem nas suas exigências, pois isso
deixa de ser uma economia e passa a ser mais uma farsa.
E é, basicamente, um projeto individual,
embora neste trabalho tenhas contado com alguns nomes que colaboraram. Sentes-te
confortável na posição de trabalho em solitário?
No início procurei trabalhar com outras pessoas, mas, infelizmente, os
processos e as ideias não estavam lá e optei por avançar a solo pois tínhamos
editado o single e a editora já tinha
planos para a edição do álbum. Tinha seguido a linha de que desejava - evolução
do som mYoj e não uma revolução, logo, por respeito às pessoas não fazia
sentido estas perderem o seu tempo a reproduzirem fielmente as minhas ideias,
quando, eu próprio podia fazer isso. Depois, tinha de ter os custos em linha de
conta e o budget que tinha não me
permitia subsidiar estilos de vida fictícios, quando as mesmas pessoas não se
mostraram disponíveis a investirem - a troco dos devidos dividendos de quem
arrisca. Posto isto, e como já tinha feito a pré-produção sozinho, não senti
dificuldade em assumir os trabalhos e gostei, pois conhecia os temas muito bem,
fiz o meu trabalho de preparação e gravei tudo quase ao primeiro take.
Já agora, quem te acompanhou na gravação de Gush?
Sempre tive acompanhamento de pessoas com quem mantinha conversas e
partilhava as demos e ouvia as
opiniões das mesmas. Ricardo Dias (Heavenwood) gravou o Detroit comigo, foi espontâneo e foi feito numa tarde - com muito
riso à mistura - pois algumas ideias que eu tinha não resultavam e ter uma
pessoa como Ricardo (com os pés bem assentes no solo) ajudou a limar os
excessos - e a focar no importante. Por mim teria feito o álbum inteiro com o
Ricardo Dias, pois dá opiniões que não são descabidas, mas, não as impõe e ouve
sempre e dá valor às ideias de quem cria as canções, pois, ele próprio é
compositor e líder. Reconhece o valor da sinceridade e, nesse aspeto, sempre
que trabalhei com Ricardo (que nos acompanhou numa tour em 98/99), o trabalho avançava e não se perdia tempo com
"doutrinas de manipulação"; tudo sempre foi claro e objetivo, com o
devido gozo à mistura e isso para mim é imperativo, caso contrário, mais valia
ir trabalhar para as obras. Lamentavelmente - mas ainda bem para ele - ele
estava cheio de trabalho com os Heavenwood, por isso, estou feliz por ter este
registo de uma amizade musical e pessoal que eu valorizo imenso. Depois houve
um bom trabalho de A&R de Gonçalo João (Ethereal Sound Works) e de Rui
Sousa (Rui Sousa Artworks - Nosso Art
Director), que contribuíram para a composição final do álbum, deixando-me
assim livre para focar somente no Gush.
Contei ainda com João Rodrigues e Nelo Silva (que eram antigos membros dos mYoj
e aceitaram o meu convite), além de Paulo Barreto e Luís Ferreira, que me
acompanharam em várias alturas.
Serão estes os músicos que te têm
acompanhado/acompanharão em estrada?
Espero um dia poder convidar o Ricardo Dias (Heavenwood) a tocar o Detroit ao vivo, porém, decidi virar a
página e ficou patente nas gravações de Theme
For Ambition que os projetos futuros para os The Melancholic Youth Of Jesus
requerem uma injecção de sangue novo
- e isto sem qualquer intenção de atingir ou desvirtuar todos os que tem
dedicado imenso tempo, carinho e amor à banda - pois a esses só reservo
gratidão e reconhecimento.
O primeiro single deste trabalho, precisamente Theme For Ambition já havia surgido em 2012. Porque tanto tempo
entre o single e o álbum?
Theme For Ambition foi objeto
de 2 edições, o que obrigou nos obrigou (nós e editora) a repensarmos a
estratégia. Não tínhamos previsto esta demora, mas, temos de assumir que a
ideia inicial era o Theme For Ambition
ser um ep, depois, achou-se por bem partir para um álbum e, tendo eu perto de
30 canções, esteve-se a analisar as várias possibilidades de modo a chegar ao
estúdio e ter-se um plano de trabalho - pois a editora tinha um catálogo predefinido,
que coincidia com o seu décimo aniversário.
Em termos de álbuns de originais é preciso
recuar até 1999, com One Life Ain’t
Enough. Não são muitos anos?
Concordo, mas, não foi planeado - foi acontecendo - e só quando comecei a escrever
os primeiros temas de Gush senti
vontade em voltar. Escrevi muito material, mas, não era o som dos The
Melancholic Youth Of Jesus. Foi necessário permitir um tempo para recarregar
baterias, e voltar-me para o som da banda, como se veio a verificar.
Com tanto tempo passado, o Carlos Santos de
hoje ainda tem alguma coisa a ver com o desse tempo ou não? Como sentiste a tua
evolução enquanto músico e pessoa ao longo destes anos?
Não sinto diferenças, sou a mesma pessoa e músico - apenas retocado pelo
passar dos anos. As vivências não tiraram ou acrescentaram o suficiente à minha
personalidade para afirmar que houve uma mudança profunda - isso não seria verdade.
Aprendi muita coisa - porém continuo rebelde e rejeito utilizar essas
ferramentas para exacerbar a minha carreira, e sou talvez mais sincero, pois não
preciso recorrer à fantasia para me sentir bem na minha pele - sinto-me bem
naturalmente, pois não tenho de olhar para trás para me sentir feliz, pois gosto
do que vejo no presente, e sinto-me ansioso pelos tempos futuros.
Tens vindo a disponibilizar as mYOGENIc Sessions. Em que consistem?
Quem quiser aceder a estes materiais o que deve fazer?
Quando entreguei o master do Gush à editora (Ethereal Sound Works),
ficou acordado não se prolongar o nosso vínculo e quis atualizar o que se tem
feito nos bastidores, daí, surgiram as mYOGENIc
Sessions. Ou seja, os interessados podem todos os meses ouvirem e fazerem o
download gratuito deste material
menos conhecido dos The Melancholic Youth Of Jesus, que, caso contrário, nunca
teriam acesso, e, assim, permite também à banda focar no seu novo som, livre de
pressão, e experimentar algumas ideias, obtendo o feedback do seu público, mediante o interesse em algumas dessas
ideias. Sempre fui um colecionador de raridades e lados B e sempre entendi que
as bandas nestas alturas libertavam-se da pressão comercial e isso originou
esta ideia e tem-me dado imenso gozo. Sugiro que as pessoas nos acompanhem no Facebook, pois divulgámos sempre as mYOGENic Sessions com os devidos links e em exclusivo. https://www.facebook.com/myojofficial
(NOTA: no Reverbnation do projeto já está disponível o novo single - um duplo lado A Scom os temas Volcano e Supernova bem como a mYOGENIc
Session relativa a abril que contém os temas When The Night Falls, Skyline
e Shame - Out-Takes do Gush) http://www.reverbnation.com/themelancholicyouthofjesus
Desde o início que os The Melacholic Youth
Of Jesus têm mantido uma áurea de cult
band. Ainda sentes isso atualmente?
Se não houvesse esse culto à volta da banda, confesso que não faria sentido
regressar. Ou, se o fizesse, seria com outro nome. Sinto-me lisonjeado e grato
aos que fizeram isso possível. Neste momento a banda é mais importante que eu e
pertence aos fãs, e foi isso que me motivou a fazer o Gush, pois continuo a receber mensagens de pessoas que seguem a
banda. Creio que o facto de nos mantermos fiéis aos princípios da banda teve
peso, e isso foi algo que eu tive de batalhar internamente, pois, se não o
fizesse, estaríamos hoje a cantar temas do 25 de Abril ou a comentarmos
futebol. Nunca procuramos o mediatismo, logo, os que gostavam de nós, ainda
hoje gostam, apesar do passar dos anos, e os que nos seguiam quando estávamos
na moda, hoje seguem x e no mês que vem seguem y. Logo, de início detetei esse
comportamento e procurei não sucumbir a essa pressão, pois as pessoas se
gostam, compram os discos, e com um mercado tão limitado, seria impensável
jogar pelo seguro, pois, corríamos o sério risco de sermos esquecidos
facilmente. Felizmente, o nosso público-alvo entendeu a nossa proposta e essa
força superou as minhas expetativas mais optimistas.
De regresso a Gush, como descreverias este teu novo trabalho?
Gush é um diário sobre a
cultura de clubes em que me encontrei
inserido e foi fácil sentar-me e escrever sobre coisas que eram agradáveis, e o
próprio nome indica isso; foi um álbum que brotou sem esforço - porém - o mais
difícil foi dar o colorido sonoro de modo a manter-se fiel ao som dos The
Melancholic Youth Of Jesus. Um amigo descreveu bem o que eu pretendia - ou seja
– disse que só depois de várias audições se consegue desfrutar do gozo patente
no álbum e não é por acaso que os temas não excedem na maioria os 3.30 minutos
- há ali uma concentração de muitas emoções com o objetivo de repetir o clímax
vezes sem conta. Depois, há aquela combinação de colorido com ambientes negros,
e isso foi algo que sempre me apaixonou na música dos anos 60. Shangri-Las, The
Ronettes, Phil Spector, faziam canções pop,
mas eram pessoas muito escuras. Procurei transportar isso para o álbum e isso
está patente na letra do Ultrasound
onde repito "You are (..) that inner light that keeps my dark side
bright".
Poderemos dizer que as influências de hoje,
e que vão surgindo nas tuas novas composições, são as mesmas do início, ou
também foste introduzindo novas nuances no teu som/escrita?
Sem dúvida, mas devemos ver quais eram as minhas influências. O meu pai é
músico, a minha mãe também, todos na família tocámos vários instrumentos, o meu
sobrinho é músico, e muito talentoso apesar dos seus 14 anos, os meus primos
são músicos, as minhas sobrinhas adoram música e adoro vê-las a vibrarem com a
música que elas gostam. Ou seja cresci e vivo num ambiente onde a música nunca
foi tabu. Desde novo acompanhava os concertos do meu pai e minha mãe, por
isso, a música foi algo que sempre me acompanhou e a minha primeira guitarra (uma
Hag Strom - que até agora só vi
Bowie, Franz Ferdinand e The Kills com o mesmo modelo), é mais velha que eu.
Cresci a ouvir a música dos anos 60, 70 e nos anos 80, apaixonei-me pelos Hugo
Largo, 4AD e mais tarde é que conheci os The Jesus And Mary Chain, através do
meu irmão, e gostei da forma como eles coloriram aquele som antigo e vintage e
trouxeram de novo à vida aqueles grandes momentos da música - para mim.
Subitamente estava a recordar Leonard Cohen, Ronettes, Ramones, Phil Spector,
Velvet Underground - no mesmo disco. Motivou-me pois pensava que estava perdido
no tempo, e deu-me aquele empurrão para escrever canções, pois não estava a
ver-me a escrever música do tipo dos Wham, e passei a gostar mais dos The
Stooges, Pistols e Jimi Hendrix, também da coleção do meu irmão, pois não era easy listening, mas transportava uma
enorme carga emocional. Moral da história, entretanto conheci novas bandas,
novos sons, mas volto sempre, após um ciclo, à minha coleção de música e
redescubro novas coisas nos meus álbuns favoritos.
E projetos para os tempos mais próximos? O
que tens em mente realizar?
Neste momento tenho um novo álbum dos mYoj prestes a sair - gosto muito
deste trabalho - e Gush faz a ponte
para este outro universo sonoro embora se mantenha a alma dos mYoj. O primeiro single já está disponível para audição e
compra no nosso site da Reverbnation.
Obrigado. Queres acrescentar mais alguma
coisa que não tenha sido abordado nesta entrevista ou deixar alguma mensagem
para os vossos fãs?
Gostaria de agradecer à Via Nocturna por terem seguido e apoiado o nosso
trabalho, e estender esse agradecimento aos que acompanham os mYoj e agradecer
as palavras de carinho e incentivo que nos chegam diariamente pois é-me difícil
encontrar palavras por esse apoio, sobretudo quando nesta altura existe tanta
oferta. Abraço a todos!
Comentários
Enviar um comentário