Depois de muitos anos ligado ao blues, Narciso Monteiro achou por bem criar algo completamente novo
e avançou para os Heylel. O primeiro resultado é surpreendente e intrigante e
chama-se Nebulae. O disco (onde a
música e a componente visual artística) atingem níveis pouco vistos entre nós)
sai em junho, mas nós já o ouvimos e fomos falar com o principal mentor.
Olá Narciso! Obrigado pela tua disponibilidade. Para
começar, quem são os Heylel?
Olá Pedro e desde já
obrigado pelo convite. Os Heylel são um projeto musical que surge no final de
2012, como resultado de uma série de ideias que eu tinha e achei estar na
altura de converter em algo sério. Tudo isto nasceu muito calmamente, fomos
compondo e gravando sem qualquer pressão, simplesmente deixamos fluir e no
final avaliamos se devíamos dar o passo seguinte, que era lançar esse trabalho
para o mercado. Ficamos bastante satisfeitos com o resultado e decidimos
avançar.
O que te motivou a criar um projeto como este? Que
necessidades sentiste de criar algo assim?
Estive tantos anos ligado ao
blues, que acabei por deixar na
gaveta todas as ideias que tinha e que eram fruto da minha influência base, que
é o progressivo. A dado ponto, decidi que tinha de deixar a criatividade fluir
sem barreiras, desprendida de estilos e de sequências quase obrigatórias como
acontece incontornavelmente no blues.
Poderemos considerar este essencialmente como um projeto
pessoal? Como foi que descobriste os músicos que te acompanham?
É sobretudo um projeto de
autor, é uma visão minha que está a ser partilhada por outros músicos. No
entanto, gosto de assumir os Heylel como uma banda, até porque acho que com o
evoluir do projeto e com o aumento de ensaios e concertos vamos solidificando a
nossa colaboração e naturalmente acabamos por fazer mais criações conjuntas. Eu
já tinha trabalhado com a Ana e o Filipe nos Gama GT e fiz-lhes o convite porque
já tinha idealizado os temas também tendo em conta as características deles. O
Sérgio aparece mais tarde, já o disco estava gravado e procurávamos alguém para
executar o baixo.
Exatamente, no álbum tu assumes o baixo, mas parece que
agora o Sérgio de Meneses que fez alguns backing
vocals já é o baixista efetivo do coletivo. Confirma-se?
Sim, a partir do momento em
que os Heylel se tornaram uma realidade e com o intuito de realizar espetáculos,
sabia que precisava de um baixista permanente para conseguir executar este
trabalho ao vivo. O Sérgio demonstrou todo o interesse em participar, ensaiamos
algumas vezes e rapidamente saltou para o efetivo.
Porquê a escolha de Heylel? Este é um termo hebraico,
não é? Qual o seu significado?
Eu quis escolher um nome que
representasse a minha filosofia de vida, que conseguisse de uma forma fácil
transmitir que sou inspirado e movido pela ideologia luciferiana, que assenta
essencialmente no desenvolvimento e na busca constante pelo conhecimento, mas
que simultaneamente não fosse agressivo
ou nos transportasse para uma imagem mais hardcore.
Heylel vem do hebraico Hellel, e é
referido inicialmente na bíblia cristã como alusão à queda do Rei da Babilónia
(Isaías 14:12) e que mais tarde viria a ser incorretamente conotado com
Lucifer. Nós pegamos em toda esta mitologia e achamos que Heylel conseguia
reunir os requisitos que procurávamos para um nome.
Quais são as tuas principais influências?
O progressivo clássico é a
mais pertinente, cresci a ouvir Pink Floyd, King Crimson, Genesis e por aí
fora. Isto mistura-se depois com as minhas preferências mais pesadas e mais
contemporâneas, sobretudo Anathema e The Gathering.
Nebulae é a tua estreia e acaba
por ser um trabalho arriscado em termos de conceito. Concordas? Era essa a tua
intenção?
Se por um lado é um risco
ser um trabalho muito próprio e fora do vulgar, pelo outro também vejo isso
como um benefício. Acho que estou a propor algo que é realmente novo e isso é
perfeitamente intencional. O Ummagumma
dos Pink Floyd é um dos meus discos de eleição, isto deverá dizer muito sobre o
que considero ser uma obra fora do normal.
Face a esse risco assumido, se te pedisse para
descreveres Nebulae, como o farias?
Nebulae, como bem o
descreveste, não é um disco fácil. É a compilação ordenada da introspeção que
tive sobre as fases da vida, convertida numa forma literário-musical. Eu penso
que este disco traz duas possibilidades ao ouvinte: ouvir a música pela música,
pelo puro prazer de audição, ou aprofundar todo o conceito e tentar compreender
as ideias e mensagens que são transmitidas. É também um disco de conteúdo
bastante abstrato, o que permite que cada ouvinte possa ter uma interpretação
muito própria e pessoal.
O facto de teres sido aluno da Escola de Jazz do Porto de alguma forma influencia ou influenciou o
teu trabalho criativo em Heylel?
Certamente, mas penso que no
sentido em que qualquer instituição académica influencia, ou seja, ensina as
técnicas que depois vão permitir que aquilo que vai na nossa cabeça seja
transferido para um instrumento. No caso da Escola de Jazz, o ensino a que tive
acesso era de elevadíssima qualidade e isso no mínimo tem grande influência na
capacidade de execução das ideias. Aproveito para mandar um abraço ao Humberto,
que foi lá meu professor.
Porque o desenvolvimento do álbum em 4 atos? Existe
alguma componente teatral ou conceptual em Nebulae?
Existe. Nebulae percorre o ciclo de vida de uma estrela, foi a metáfora
utilizada para representar uma introspeção sobre a vida e a morte, daí a
separação dos temas em capítulos. Estamos a preparar intensamente o nosso espetáculo
ao vivo e esse terá uma forte componente visual e teatral, precisamente para
enquadrar a música em todo este imaginário.
E apresentas duas versões de temas dos King Crimson.
Depreende-se que esta será uma banda importante para ti enquanto músico. De que
forma estes temas surgem aqui enquadrados e que motivos te levaram a
escolhe-los?
Permite-me só uma correção,
uma das versões, apesar de também ser cantada pelo Greg Lake, é dos Emerson,
Lake & Palmer. Eu sou um aficionado do progressivo da década de 70, e quer
os ELP quer os Crimson fazem parte das minhas preferências. São dois temas que
gosto imenso e sempre quis homenagear e acabei por conseguir encaixá-los na
estrutura do disco. O conteúdo literário aplica-se perfeitamente ao conceito de
Nebulae.
Penso que o álbum ainda não estará no mercado. Quais são
as tuas expetativas?
Ainda não, sai no dia 30 de
junho, físico e digital. Prever o mediatismo de um lançamento, sobretudo
independente, é muito difícil. Da nossa parte, estamos a preparar tudo da forma
mais profissional possível, com todo o planeamento e estrutura montados. Temos
trabalhado muito nisto e da nossa parte tem todo o empenho, a projeção que
poderá ter, ainda vamos descobrir.
Como funciona o processo de composição nos Heylel?
Como já deves ter percebido,
Nebulae é inteiramente composto por
mim. Eu escrevi os temas e defini os arranjos mas quando transmito o conceito à
Ana e ao Filipe eles aplicam as influências deles e a sua própria
personalidade, e isto acrescenta sempre valor às músicas, apresentam-me
cenários que eu não tinha pensado.
Como decorreu o processo de gravação?
Nós saltamos da composição
para o estúdio, sem passar pela casa partida e sem receber 2000 escudos. Quando
referi aquela troca de ideias que tivemos, isto ocorreu já durante a gravação.
Temos os nossos próprios estúdios, o que permitiu uma grande simultaneidade de
composição e gravação.
Para além de uma forte aposta em termos criativos
sonoros, verifica-se o mesmo em termos gráficos. A embalagem do CD está
fantástica - parabéns por isso. Quem foi ou foram as mentes criativas
responsáveis por esse excelente trabalho?
Obrigado. Eu sempre quis que
este disco não fosse um trabalho apenas musical, queria juntar mais artes e
incluir isso no conceito. Conheci muito recentemente uma artista chamada
Mafalda Cruz, especializada sobretudo em filme e teatro, e lancei-lhe o desafio
de representar graficamente Nebulae.
Ela desenvolveu o artwork da caixa do
disco e também todas as composições gráficas que decoram o nosso website e que também são fantásticas. Já
o livro que vem dentro da caixa é da autoria do Filipe Braga, lá podem
encontrar a sua visão fotográfica sobre cada fase do disco. Eu sou um grande
apreciador do trabalho dele e até posso dizer que tenho uma versão gigante de
uma dessas fotos a decorar uma parede de casa.
E é também aqui que se enquadra o vídeo para The Prophet? Porque a escolha deste
tema? Há planos para mais algum vídeo?
Foi uma escolha muito
difícil, queríamos uma música forte e que demonstrasse um pouco de cada
vertente dos Heylel. Acabamos por fazer uma votação com os ouvintes mais
próximos e essa foi a escolhida. O vídeo também é da autoria da Mafalda Cruz,
vem exatamente no mesmo seguimento do conceito de unir várias vertentes
artísticas. Além deste, temos também vídeos do Filipe Braga para o Deeper e o The Sage e vamos certamente continuar a fazer mais. O conceito
inicial até era criar um DVD com um vídeo para cada música mas trabalhar vídeo
demora muito tempo e requer meios muito dispendiosos, é uma ideia que poderá
ser utilizada no futuro.
Projetos para os tempos mais próximos? O que têm em
vista?
Com o lançamento do disco,
vai ser intensificada toda a área promocional e de divulgação. O resultado
disso vai acabar por definir um pouco os passos seguintes. À parte disso,
estamos a finalizar a preparação dos espetáculos ao vivo e vamos saltar para os
palcos brevemente.
Já agora: qual o ponto da situação dos The Gama GT Blues
Project?
Os elementos base dos Gama
GT fizeram um investimento pessoal muito grande e que não deu os resultados que
procurávamos. Acabamos por nos cansar e até deixar de acreditar no projeto e
isso causa uma desmotivação inevitável. Está totalmente suspenso mas não diria
morto, com a oportunidade certa pode perfeitamente ressurgir. Curiosamente,
ainda hoje imensas pessoas perguntam pela banda e pedem-nos espetáculos.
Obrigado. Queres acrescentar mais alguma coisa para os
nossos leitores ou para os vossos fãs?
Agradeço mais uma vez o
convite e felicito os responsáveis e seguidores do Via Nocturna. Como muito
tenho referido, projetos emergentes precisam destas iniciativas de qualidade e
esta é uma excelente via para qualquer um ter acesso ao que existe de novo.
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