Entrevista: Medusa

Depois de uma experiência com os Common Fluid, Bruno Martins está de regresso com um novo projecto, desta feita cantado em português – Medusa. Um nome que, para surpresa dos próprios músicos, tem vindo a granjear bastante reconhecimento no Reino Unido. Voltamos a falar com Bruno Martins para perceber o porque de tantas mudanças na sua carreira artística e, já agora, aproveitamos para olhar um pouco para o que há-de vir no que aos Medusa diz respeito.

Olá, Bruno, tudo bem? Podes apresentar-nos este novo projeto Medusa?
Viva! Medusa é uma banda de rock pesadão a puxar para o metal com uma influência muito grande do progressivo e com uma preocupação em criar uma voz melódica que contraste com o peso e o lado sombrio instrumental.

Quando sentiste a necessidade de fazer algo novo e diferente dos Common Fluid?
Talvez quando comecei a perceber que cantar em inglês já não me satisfazia. Ou pelo menos não me dava a sensação de escape necessária para a criatividade. E associada a isso a necessidade de fazer um som de guitarra mais forte, com mais enfase nos riffs e com leads mais minimalistas. Queria criar uma parede de som com as guitarras e por isso resolvi fazer as coisas em formato de power trio. Ou seja, sem ter uma segunda guitarra à procura de espaço. Basear a composição instrumental na guitarra ritmo, baixo e bateria numa maior coesão. Todos os leads e até mesmo os teclados foram criados já depois das músicas estarem praticamente terminadas nas gravações. Escutámos cada uma delas do ponto de vista do ouvinte e não do músico e decidimos depois onde ou se haveria lead naquela parte ou teclado noutra. Esta forma de trabalhar agrada-me imenso pois assim temos a certeza que estamos a trabalhar para o bem da música e não para ter de pôr mais uma guitarra só porque sim.

E quem te acompanha agora nesta nova aventura?
O João Gonçalves na bateria (Common Fluid) e o Nuno R. Silva no baixo (Madcab, Zella, So.ma) formam comigo o núcleo da banda. São os dois melhores músicos com quem alguma vez toquei. O João não só é um excelente baterista como também tem um sentido de canção pouco comum aos bateristas. Ele sabe o que encaixar e como encaixar na perfeição. E a complexidade do seu trabalho é igualmente acompanhada pela sua originalidade; o Nuno tem um talento incrível para tornar uma música numa canção. Tem um excelente ouvido analítico sem o qual o EP não seria a mesma coisa. E o seu trabalho de baixo é no mínimo brilhante. Tendo em conta que gravei guitarra lead e teclados no EP, e para ter a certeza que ao em concerto não se perde o ambiente e a fieldade das composições, na segunda guitarra e teclados temos um músico ao vivo a acompanhar-nos, o Tiago Mendonça (Vice Versa). Ele tem a tarefa hercúlea de apanhar as músicas em dois instrumentos e de os tocar nos concertos. E talvez até disparar alguns samples de orquestrações. Não é nada fácil conciliar todas estas tarefas ao vivo, mas ele fá-lo como o excelente músico que é. Tenho uma relação musical muito grande com estes três músicos.

Fala-me da capa, verdadeiramente espetacular. Quem foi o responsável e de que forma capta a essência do que se ouve em Monstrologia (Lado A)?
Muito obrigado! Foi uma responsável, a artista visual/pintora Sandrine Bringel. A história da capa é muito interessante. Eu pedi-lhe para criar uma pintura que tivesse a personagem mitológica da Medusa, por ser o nome da banda, que fosse sombria para fazer jus ao nome do EP. O que a Sandrine criou captou por completo a essência do EP. É sombrio e assustador, parece que te vai petrificar com o olhar mas no entanto tem uma beleza incrível, uma atenção aos detalhes fenomenal e não consegues deixar de admira-lo. Quando vimos o trabalho terminado ficámos boquiabertos e pensámos imediatamente que ia ter um impacto visual muito forte onde quer que aparecesse. Disse que a história era interessante porque a criação da capa foi documentada em time lapse e transformada em vídeo para o nosso primeiro single. O que vêm no vídeo a aparecer ao longo dos três minutos e meio, é o original da capa a ser desenhado pela Sandrine enquanto era filmado. Um processo que levou mais de 72 horas até ser terminada a pintura, maior do que A3. Tudo à mão.

Em termos musicais, como defines este novo passo?
É mais arriscado para já. Porque é mais pesado e mais escuro. No entanto é muito mais melódico vocalmente e acho que esse é o grande hook para um possível mainstream. O ouvinte em geral está muito mais atento à voz do que á instrumentação. É a primeira coisa que salta ao ouvido, passo a expressão. Com uma melodia vocal cativante consegues ultrapassar facilmente qualquer estigma que haja em qualquer estilo musical. Do mais pesado ao mais pop. É também curiosamente mais trabalhado a nível de produção. Digo curioso porque apesar de começar com uma base minimalista (guitarra, baixo e bateria) o EP acabou por ser enriquecido com imensos apontamentos melódicos quer seja no trabalho de guitarra lead, nos teclados e até mesmo nas orquestrações que compusemos e gravámos para a Menino Cão. É um projeto ambicioso e ficámos muito satisfeitos de estarmos à altura do que nos propusemos fazer.

Clandestinos foi o tema escolhido para apresentação da banda. Single e vídeo, não foi? Porque este tema?
Foi. A Clandestinos foi escolhida por dois motivos principais: primeiro, musicalmente falando, é aquela que tem um pouco de tudo. Tem um início avassalador e pesado, depois passa para uma estrofe calma e ambiental onde a voz tem imenso espaço para realmente sobressair, tem momentos de tensão que explodem no refrão que é poderoso e orelhudo na voz, e tem obviamente toda uma secção instrumental progressiva, aquilo que nos carateriza. Para primeiro contacto musical achámos que esta incorporava todos os elementos. E segundo, a nível lírico. A letra é uma espécie de ode aos artistas quaisquer que sejam as suas artes. É um tema que me é muito querido. O facto de partilhares a tua arte com os outros artistas, a química que se gera quando quatro músicos estão na sala de ensaios, ou a simbiose entre dois artistas de artes diferentes quando criam para o mesmo fim, como por exemplo a capa de um álbum ou um vídeo para um single. A sensação de seres clandestino na viagem da criação e de encontrares os outros clandestinos pelo caminho e das experiências partilhadas. Depois de tantos anos a tocar, gravar e partilhar palcos com outras bandas e artistas, achámos que esta era uma excelente forma de nos dar a conhecer liricamente.

Já agora, porque o subtítulo Lado A. Pressupõe-se a existência, para breve de uma Lado B?
Sim. E és dos poucos que fez essa pergunta! Esta é a primeira metade de um duplo álbum planeado. O paradigma da indústria musical mudou. Embora eu adore o formato álbum, hoje em dia as pessoas preferem ouvir entre uma e cinco músicas do mesmo artista no máximo até mudarem de playlist no iPhone. Por isso se fores uma banda pequena mais vale editares um EP e deixares o público a querer mais, do que lançares um álbum de 12 músicas sabendo que provavelmente ninguém o vai ouvir seguido até ao fim. É uma opção estratégica mas também para valorizar as músicas. Podemos trabalhar mais tempo em apenas seis composições e ficar completamente satisfeitos, do que lançar algo à pressa porque temos o prazo a apertar e ainda faltam misturar cinco temas. Por isso sim, haverá um “Lado B”.

Outras das grandes diferenças para o teu trabalho anterior é o facto de agora cantares em português. O que esteve na origem desta mudança?
Voltando ao que disse antes, quando percebi que cantar em inglês já não me preenchia. Eu preciso de me desafiar a mim próprio e comecei a escrever em português para a primeira musica que escrevi em Medusa, a Queima. Pensei que seria difícil visto estar habituado a escrever em inglês que é a língua mais musical do planeta. As palavras quase que derretem na boca quando cantas em inglês. O português requer desafio constante para encontrar as palavras certas que metricamente se colem com a música. Apesar de sempre escrever poemas em português, nunca o tinha feito para uma música. Mas quando comecei a entoar as primeiras palavras por cima do riff bruto da Queima e tudo pareceu fluir bem, deu-me a confiança necessária para o continuar a fazer. É um processo constante no sentido em que, como em qualquer arte, quanto mais a fazes melhor te tornas a fazê-la. Outra coisa que acho um ponto muito positivo é que para cantar algo melódico em português tens mesmo de puxar pela tua veia criativa. O facto das palavras serem difíceis de musicar num estilo anglo-saxónico (rock/metal), obriga-te a criar melodias originais. E essa é uma mais-valia para a banda. Pode marcar a diferença no padrão daquilo que o ouvinte em geral está habitado.

Sei que da Inglaterra têm chegado solicitações para este EP. Está a ser bem aceite por lá, suponho?
Está, curiosamente! Tivemos muito boas críticas ao EP. Ficámos surpreendidíssimos com o facto de nos pedirem CD’s para reviews, tendo em conta que canto em português! Aliás, desde o início que nunca pensei internacionalmente. Nem preparámos biografias ou promo CD’s em inglês. O João até me perguntou uma vez “Mas não vais fazer a bio em inglês” e eu “Não man! Ninguém vai querer saber de nós lá fora.” Estava enganado! Na realidade foi preciso começar a cantar em português para a imprensa britânica mostrar interesse. Tivemos de fazer novos promo CD’s e press releases em inglês para lhes enviar. E estamos a passar em algumas rádios nacionais do Reino Unido. Apenas sei porque nos mandam as playlists por email.

É o início de um processo de internacionalização. Estava nos vossos planos ser já logo no primeiro EP?
É o início de algo muito pequeno para já. Não estava nos nossos planos de forma alguma. Ou por outra, não a curto prazo. Talvez a longo prazo pudéssemos pensar em Espanha, Itália, até talvez França, mas mais pela proximidade geográfica e da língua. Já Reino Unido foi de facto surpreendente. Mas recebemos o desafio de braços abertos e de sorriso nos lábios! É bom saber que o trabalho que demoraste um ano a criar e ao qual te entregaste com suor e sangue é reconhecido e recebido com boas criticas.

Este EP foi apenas disponibilizado em formato digital. Há previsões para uma prensagem física?
Para já teremos para venda nos concertos o EP em CD de edição limitada. Ou seja apenas poderão ser adquiridos nos concertos. Mas temos planos para no futuro, após o lançamento digital do “Lado B”, compilar ambos os EPs num único vinil que será também de edição limitada.

E para o novo ano, que projetos estão previstos para os Medusa?
Neste momento estamos a preparar-nos em estúdio para os concertos. Acertar todas as pontas soltas e ter a certeza que estará tudo pronto para a estrada. Não temos datas específicas para anunciar por enquanto, estamos a tratar disso e será para breve. A tour passará também pelas Fnacs. E entretanto estamos no processo de storyboard do vídeo do próximo single que queremos ter cá fora em meados de fevereiro. Também queremos no fim do ano começar a gravar o “Lado B”.

Mais uma vez obrigado. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Obrigado nós! Devo acrescentar que esta é segunda vez que me entrevistas e que as tuas perguntas são sempre das melhores que me fazem! 

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