Entrevista: Syndone


Há cerca de três anos passaram pelo Gouveia Art Rock Festival e ficaram com vontade de voltar. Enquanto isso não acontece, os italianos Syndone pegam num tema atualíssimo, a violência contra as mulheres, e fazem um dos melhores discos de prog rock do ano: Mysoginia. O teclista Nik Comoglio fala-nos da criação deste disco e do conceito a ele subjacente.

Olá, Nik! Obrigado pela disponibilidade e parabéns pelo álbum. Numa altura em que a igualdade sexual é tão discutida, vocês trazem uma questão muito real. Foi esse o motivo de Mysoginia para título do álbum?
Obrigado! Sim, Mysoginia, ou melhor misoginia (esta é a palavra correta), foi escolhido pela forte atualidade dentro do conceito do álbum. Nós pensamos que, enfrentando um problema real como a violência contra as mulheres através da música, poderia ter sido a melhor forma de sensibilizar para esta doença social... e de facto isso aconteceu. O álbum tem tido boa receção e estamos satisfeitos porque as pessoas sentem-se imediatamente envolvidas neste problema apenas pela audição das músicas.

E olhando para os títulos, facilmente vemos que este é um álbum dedicado às mulheres. E todas as mulheres estão aqui representadas?
Claro que falamos para todas as mulheres. Todas as músicas contêm claras referências a mulheres vítimas de abuso, assédio, tortura e assassinato; até mesmo suicídios induzidos por violência psicológica perpetrado nelas. A misoginia é um problema social ainda muito atual mas que tem raízes muito antigas.

Mas a meio, existe um tema chamado 12 Minuti? Fala sobre o que?
A misoginia não é apenas uma prerrogativa masculina; muitas mulheres são misóginas sem saber e cometem violência contra outras mulheres. Na canção 12 Minuti, queríamos denunciar a brutalidade de Leonarda Cianciulli (chamada de criadora de sabonete de Correggio) que no século XIX (em Correggio, Itália) assassinou várias mulheres e depois cozinhou-as e fez sabão e biscoitos. Quando foi presa, declarou ao tribunal que demorava apenas 12 minutos para desmembrar o corpo de uma mulher.

No que diz respeito à parte instrumental, de que forma descreves Mysoginia e em que fase da vossa carreira o situarias?
Mysoginia representa um passo muito decisivo na nossa carreira. Neste álbum quis dar muito mais importância às partes sinfónicas usando apenas a secção de cordas de toda a Orquestra Sinfónica de Budapeste evitando sopros e metais. Isto para não ter muitas cores diferentes no arranjo final e obter um álbum o mais homogéneo possível. As músicas são mais distantes do tradicional formato progressivo. Na verdade, quer Woman, quer Red Shoes, poderiam ser considerados dois potenciais singles para transmitir no rádio. Outra diferença em relação aos álbuns anteriores é que decidimos cantar três músicas em inglês para nos abrirmos ao mercado internacional. Mas, acima de tudo, decidi reduzir o tempo de audição dos habituais 50 minutos para os atuais 45. Muita informação leva à perda geral de atenção. Esta escolha também foi motivada pelo facto de que Mysoginia ter sido, também, editado em vinil e, como todos sabem, este não pode ter mais do que 22-23 minutos de cada lado. O álbum é, portanto, mais curto e mais disponível mesmo para um público longe deste género e isso é muito importante porque Mysoginia, para mim, deve representar a nova maneira de conceber música progressiva, atualizando o estilo. Acho que vou progredir para desenvolver esta forma nos próximos projetos.

Quando começaste a criar esta coleção de músicas e o que mais te inspirou?
Comecei a escrever o álbum no final de janeiro de 2016 depois de um breve encontro com Riccardo (o nosso vocalista) que me propôs falar sobre misoginia como o principal tema do próximo projeto. Nos nossos álbuns anteriores abordamos temas como contos, mitos, lendas, bíblia sagrada, odisseia. Agora sentimos que precisávamos trazer uma verdadeira doença social através das letras. Eu tinha cerca de dez ou onze temas, grooves, riffs e melodias para desenvolver, mas o foco da composição começou quando li as histórias incríveis dessas mulheres. A música saiu muito espontaneamente para se tornar num filme muito marcado por todas as mulheres que morreram através da misoginia. Apenas para a última faixa queria uma melodia mais otimista, para transmitir uma mensagem positiva para as crianças no futuro e para o mundo. Assim escrevi Amalia, que neste momento, é a minha música favorita do álbum.

Como foi o processo de gravação? Tudo como planeado?
Fomos a Bolonha ao estúdio Fonoprint, nos dias 2,3 e 4 de janeiro de 2017 para gravar a secção rítmica – foi aí que tudo começou! Depois, em fevereiro, fomos para a Hungria para gravar a Orquestra Sinfónica de Budapeste conduzida pelo Maestro Francesco Zago (Yugen). Depois de Budapeste simplesmente fechamo-nos no meu próprio estúdio em Turim, durante cerca de três meses. Aí gravamos todos os pianos, órgãos hammond, moogs e todos os teclados necessários. Esta fase de gravação de teclados é bastante delicada porque é aqui que o som típico de Syndone sai! É um momento muito importante porque é onde o álbum ganha a sua forma! O passo seguinte foram as partes vocais: quando Ricky coloca a sua voz forte na música, tudo muda. A voz com as letras e com a sua melodia leva o álbum para novos horizontes e a música realmente descola. Depois das sessões vocais e da sobreposição dos convidados (Vittorio De Scalzi dos New Trolls, Viola Nocenzi e Gigi Venegoni da Arti & Mestieri) voltamos a Bolonha, aos Fonoprint, em junho para misturar e masterizar todas as faixas gravadas.

Como uma das principais forças no cenário prog rock italiano, como vês a nova geração de bandas prog no teu país?
Bem, por aqui não há muitas realidades com originalidade. Entendo que a maioria das bandas italianas está presa à imitação dos métodos antigos de composição e isso acontece porque a forma da música prog dos anos setenta ainda é amada por um enorme público nostálgico que é devoto aos antigos grupos. Portanto, centenas de jovens bandas de tributo surgem todos os dias e fazem muitos espetáculos, com sucesso, por toda a Europa, tocando música de Genesis, ELP, Yes, Pink Floyd e assim por diante. Isso é bom, mas não para a música como uma forma da arte porque leva a uma falta básica de originalidade. Felizmente uma pequena percentagem das novas bandas sentem a necessidade de ir mais longe, tentando ser o mais original possível e escrevendo a sua própria música, o que é ótimo porque a “música” precisa sempre de originalidade. Infelizmente, hoje em dia, essa é a maneira mais difícil de conseguir trabalho e tornar-se famoso e apreciado. E os músicos sabem disso!

Prontos para irem para palco? O que têm planeado para os próximos tempos?
Sim, de facto! Já tivemos dois grandes espetáculos: um em Milão (na Casa di Alex em 27 de outubro) e o outro em Turim (no Teatro Piccolo Regio, no passado dia 25 de novembro). Iremos reiniciar a tournée em março próximo (7 e 8) nos teatros de Milão e Piacenza (porque transformamos Mysoginia num espetáculo teatral), em seguida, Bolonha e Paris (ainda a ser confirmado). Depois, a 16 de março tocamos no San Donà del Piave, um festival prog perto de Veneza. No final de abril, vamos participar num grande espetáculo em Castiglione del Lago (um lugar agradável perto de Perugia), abrindo para uma banda histórica britânica cujo nome ainda não posso revelar. E em maio estaremos no Giardino Club (perto de Verona) a abrir para a banda de David Jackson e David Cross. Estamos, também, à espera para saber se os Syndone farão parte dos Crescendo Prog Festival e ProgSud Festival, na França. Em breve saberemos algo a este respeito. Esperamos que outros concertos possam surgir em 2019.

Muito obrigado, Nik! Queres deixar alguma mensagem ou acrescentar mais alguma coisa?
Obrigado pelas tuas perguntas. Apreciamos que tenhas gostado da nossa música e do nosso último disco Mysoginia. Gostamos muito de ter tocado em Portugal em 2015 no Gouveia Art Rock Festival, de modo que esperamos ser convidados novamente em breve. É um lugar mágico para se tocar!

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