Entrevista: Bruno M. Miranda


Bruno M. Miranda já tem trabalhos efetuados com coro, orquestra e piano e na sua obra anterior, Adagio Lamentoso, prestou tributo ao seu compositor favorito, Gustav Mahler. Agora, em It May Not Always Be So, troca a música pela literatura e cria um disco completo em torno de um dos seus poetas favoritos, E. E. Cummings. Via Nocturna falou com o pianista para ficar a saber mais deste passo inovador na sua carreira artística.

Olá Bruno, como estás? Apesar de só agora tomarmos contacto com o teu trabalho, sei que tens um passado bem recheado. Podemos começar por aí? Queres falar um pouco da tua carreira?
Olá! Obrigado pela oportunidade para esta entrevista! O gosto pela música é algo que está presente na minha família, a minha avó materna foi cantora lírica, o meu avô materno tocava violoncelo (embora não o fizesse profissionalmente) e da parte do meu pai tive um primo que era professor de composição nos Estados Unidos. Foi através da minha avó materna (que ainda é viva, tem 96 anos!) que me iniciei no mundo da música, foi ela que me ensinou solfejo e me deu as primeiras aulas de piano. Uns anos mais tarde, inscrevi-me na Academia de Amadores de Música tendo depois pedido transferência para o Conservatório Nacional, e foi aí que desenvolvi um gosto enorme pela composição. Além das aulas regulares, e para aprofundar os meus conhecimentos nessa área, tive aulas particulares com o Jorge Machado e com o Sérgio Azevedo e de orquestração com o Paulo Brandão.
Além da música sempre tive uma grande paixão por cinema, e comecei cada vez mais a apreciar a música para cinema de compositores como John Williams, Jerry Goldsmith, James Horner, e por isso decidi candidatar-me, quando me faltavam penso que 2 anos para terminar o Conservatório, ao curso de Film Scoring (composição de música para cinema) na prestigiada Berklee College of Music, em Boston nos EUA. Para a candidatura decidi escrever a Hollywood Suite, uma obra orquestral dedicada à música para cinema. Com essa obra fui admitido em Berklee embora, com muita pena minha, acabei por não poder ir. Este era um curso extremamente caro, a universidade atribuiu-me uma bolsa de estudo e para complementar essa bolsa concorri também a uma bolsa de estudo da Gulbenkian mas não a consegui obter. Lembro-me que na altura fiquei triste com esta situação mas continuei a apreciar este tipo de música e a estudar as partituras dos compositores de referência de música para cinema.
No que respeita à música clássica propriamente dita, há vários compositores que me influenciaram bastante, como por exemplo Beethoven, Schumann, Dvorak, Richard Strauss, mas sem dúvida alguma que o compositor que mais me influenciou, quer a nível harmónico, melódico e principalmente a nível de orquestração foi Gustav Mahler. Esta minha paixão pela música de Mahler levou-me a escrever o que considero a minha obra mais intimista, o Adagio Lamentoso, uma obra dedicada a Mahler. Além de música orquestral gosto também bastante de escrever para coro e claro, sendo pianista, para piano. Posso dizer que o meu estilo de composição é variado, sempre dentro da música tonal e tanto gosto de compor obras mais ligeiras em que se enquadra o estilo de música para cinema, ou então num modelo mais clássico, ou ainda juntando mesmo estilos de música diferentes. Acima de tudo o que gosto de fazer é compor e abraçar novos projetos.

O piano tem sido sempre o teu instrumento de eleição? E que abordagens, em termos estilísticos, tens tido nos teus lançamentos anteriores?
Sim, o piano sempre foi o meu instrumento de eleição pois foi o instrumento em que tive formação e além disso acho que é dos instrumentos mais completos. Até este álbum tenho tido uma abordagem mais clássica mas quis desta vez experimentar algo diferente. Este é um álbum composto num estilo mais minimal, uma linguagem musical que eu ainda não tinha experimentado noutras obras e que tinha bastante vontade e curiosidade em explorar.

Quando surgiu a ideia de musicares, ou pelo menos, criares música a partir dos poemas de E. E. Cummings?
O meu primeiro contacto com a poesia de Cummings foi há uns anos atrás através de um livro, que a minha irmã mais velha me ofereceu, com uma seleção dos seus poemas mais conhecidos. Ao ler esses poemas, imediatamente pensei que seria um projeto aliciante e desafiante musicar aquelas poderosas e, ao mesmo tempo, delicadas palavras. Naquela altura tinha outros projetos em andamento por isso só no final de 2017 comecei a trabalhar no álbum.

Porque a escolha específica de E. E. Cummings?
Excelente pergunta! Já li obras de vários poetas mas os poemas de Cummings são aqueles que mais me tocam. Além disso, penso que são poemas que se prestam a ser musicados, não sei explicar mas foi algo que senti quando comecei a explorar a obra de Cummings.

Para uma empreitada desta dimensão, qual foi o teu maior desafio?
O primeiro desafio para este projeto foi escolher os poemas para os quais eu queria escrever a música já que a obra deste poeta é muito vasta e são vários os poemas que eu realmente aprecio, mas penso que o maior desafio foi como transmitir todas as emoções subjacentes aos poemas e como descrever, através da música, todos os sentimentos que esses poemas evocam.

Sei que fizeste uma pré-escolha de doze poemas, dos quais apenas nove aparecem no álbum. O que esteve na base da seleção – os próprios poemas em si ou as versões musicadas?
Para o álbum escolhi os meus poemas preferidos de Cummings e os que apresentavam um tema comum, neste caso, quase todos são poemas inerentemente românticos.

Para te acompanhar está um soberbo ensemble de cordas. São teus acompanhantes habituais?
Foi a primeira vez que tocámos juntos! Eu já conhecia o Joaquim Caineta (violoncelista) há algum tempo e tinha grande vontade em tocar com ele mas nunca tivemos oportunidade de o fazer, por isso, quando decidi avançar com este projeto não tive qualquer dúvida que gostaria de o ter a bordo. Os restantes elementos foram sugeridos pelo próprio Joaquim que já os conhecia por terem tocado juntos. Tive ainda o privilégio de trabalhar com o violinista António Barbosa que se juntou ao projeto mais para o final para substituir a Débora.

Este ano parece ser um bom ano para os pianistas. Só assim de repente temos, para além do teu álbum, excelentes trabalhos de Rui Massena e Hélder Bruno, entre outros. Na tua opinião isso ficará a dever-se a que? Achas que os pianistas estão a conseguir atingir o mainstream?
Penso que hoje em dia há cada vez mais gente, inclusive em faixas etárias mais jovens, a gostar deste tipo de música, que podemos chamar de “música clássica moderna” e nalguns casos, de música minimal. Isso faz com que o nosso trabalho tenha uma maior visibilidade e seja partilhado por mais pessoas. É uma tendência que se verifica a nível mundial em que temos compositores como por exemplo Max Richter ou Ólafur Arnalds (que em março irá tocar no Coliseu de Lisboa), também eles pianistas, que fazem imenso sucesso com um tipo de música que mistura uma componente mais clássica com um tipo de música mais ligeira e até eletrónica. De facto, torna-se um ciclo virtuoso em que ao vermos que a nossa música é apreciada nos faz ter vontade de continuar a compor e a apresentar novos projetos.

Tens preparadas apresentações ao vivo deste trabalho?
Sim, no dia 8 de março irei fazer um concerto de apresentação do álbum no Museu Nacional da Música.

Obrigado, Bruno! Queres acrescentar mais alguma coisa?
Gostava de dizer que este foi um projeto muito interessante a vários níveis. Por um lado, a composição das músicas permitiu-me explorar novos territórios musicais, por outro, a produção do álbum, embora trabalhosa, foi uma experiência enriquecedora e gratificante. Sendo este um projeto que, pessoalmente, me diz muito, gostava de vos convidar a estarem comigo no próximo dia 8 de março no Museu Nacional da Música.



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