Ópera Spectacular – todo o esplendor de óperas como La Traviata ou Carmen, valsas e Broadway, tudo num concerto brilhante, vivo e
encantador interpretado por seis cantores líricos e a Banda Sinfónica da PSP
dirigida pelo maestro Comissário Ferreira Brito. Uma organização da By The
Music Produções, com Yolanda Soares como soprano e diretora artística. O
espetáculo tem granjeado admiração ao longo dos anos e agora chegou a vez de
Via Nocturna falar com a própria Yolanda Soares, numa altura em que o
espetáculo de Lisboa ficou para trás e já se prepara o do Coliseu do Porto a 16
de junho.
Olá Yolanda, tudo bem? Para começarmos, podes explicar-nos em que consiste
este projeto Ópera Spectacular?
Opera
Spectacular é um projeto e uma marca que queremos manter. Uma exaltação
ao canto lírico e à música mais erudita abordado de forma mais popular, e ao
mesmo tempo mantendo todo o glamour
que se espera neste tipo de espetáculos. É tornar, não só a Opera, mas também o
canto lírico no geral, e a música orquestral, num concerto descomprometido de
protocolo ou regras muito convencionais do mundo erudito. Tornar tudo natural, fácil
de absorver e comunicar, criando no público a vontade de conhecer e se
interessar mais pela diversidade e ousadia dentro deste campo. Mostrar que os
tempos são diferentes e que os cantores líricos podem ser tão emocionantes como
qualquer cantor pop, ou moda do
momento. A "jovialidade" e a naturalidade com que tentamos levar
estas produções ao público em geral, num ambiente festivo e moderno atrai
outros públicos, principalmente os mais jovens que começam a rever-se na forma
de comunicar da Opera Spectacular.
Quando
e com que objetivos iniciaste este projeto?
Este projeto já acontece há uns anos. Através da
empresa By the Music Produções que
desde sempre tem levado este estilo de espetáculos ao público, nas ruas,
praças, eventos e locais improváveis. Ora com a primeira produção que aconteceu
em 2002 (Ópera Viva com Noites de Ópera em Lisboa), ora com
todas as que se seguiram desta empresa e continuam a existir. Mas sempre em
formato mais reduzido. Nunca com uma produção tão arrojada e grandiosa. Os
objetivos foram sempre os mesmos. Criar a vontade no público em geral de
conhecer mais sobre este campo erudito e fechado numa redoma quase intocável
para quem nem sabe como assistir a concertos deste género. Parece existir
sempre uma espécie de "receio" do povo ir assistir a concertos
eruditos à porta fechada. Penso que muito pela imagem que se foi criando em
torno deste género musical. Só para entendidos. Aborrecido. Sem emoção. E
muitas vezes essa imagem existe porque realmente existem produções assim. Muito
fechadas em contextos quase de uma religiosidade que quase assusta e
repele. Que à partida pretendem exatamente excluir públicos. Ou pelo
menos agradar só a quem, da cultura, espera algo, apenas e meramente, centrado
na boa execução técnica e histórica de uma obra esquecendo-se dos públicos para
os quais vão apresentá-la, e esperando que o mesmo entenda e fique tocado. Com
um código de conduta que assusta quem está muito por fora destes concertos ou
géneros musicais. Mas, e também devo dizer, hoje em dia as iniciativas
culturais já são bem mais abertas e recetivas ou populares vindas dos
considerados detentores da chancela erudita em Portugal. Já entenderam que
precisamos de nos desprender um pouco de erudição em demasia para atrair
público, senão correm o risco de ter salas apenas com convidados e programações
cada vez menos procuradas pelo público em geral. E eu penso que é assim que se
vai educando o gosto e o ouvido para este universo mais erudito. Claro que a
função de um programador cultural dentro do campo erudito é exatamente dar a
conhecer obras mais complexas, mas há que ter a consciência também da
necessidade de as levar a um público mais vasto. E para isso têm de existir
iniciativas menos complexas e justamente mais fáceis de entender. Ou então,
apoios, para que sejam de fácil acesso ao público em geral. Não me importo de
fazer esse papel também. Até porque, apesar de toda a minha base estar assente
na música clássica, tive experiências, na minha vida toda, fora deste campo.
Isso criou em mim uma visão muito alargada em termos de produção artística e
criação de espetáculos e até das diferenças de públicos. O meu objetivo,
ou o objetivo da By the Music foi
sempre em serviço do público mais eclético. Porque a By the Music não produz apenas espetáculos eruditos.
A
Ópera Spectacular tem vido a apresentar-se ao público há já algum tempo. De que forma
tem evoluído e crescido?
Já respondi um pouco a esta pergunta com a minha
resposta à pergunta anterior. Mas posso acrescentar que tem evoluído sempre no
sentido positivo. E até inspirado muitos outros a fazer o mesmo. Se ajudar a
acrescentar à cultura em Portugal mais diversidade e gosto pela diferença já
crescemos bastante.
Neste
início de maio e, mais tarde, em junho, tens outras apresentações. Explica-nos
de que forma é que consegues conjugar a ópera com o fado?
Quem me conhece ou conhece os meus trabalhos desde
2002, sabe que sempre uni o Fado ao canto lírico e à música clássica. Sabe que
sempre fui arrojada o suficiente para fazer as fusões estilísticas que me
agradam. O Fado em união com a "Opera" é a minha imagem de marca
desde 2006 com o projeto com que me dei a conhecer ao público, como artista a
solo. O Musicbox, Fado em Concerto, onde uni (eu e o arranjador musical deste projeto, Abel
Chaves) o Fado à música barroca, clássica e ao canto lírico. Eu própria cantava
tudo. Fado e canto lírico num só espetáculo. Eu vejo a música, em termos
criativos como uma linguagem sem fronteiras estilísticas. Como ver a
diversidade do mundo através de um telescópio. Fica mais unida e não tão
dispersa. Parece interagir bem num pequeno espaço e fácil de observar e
entender. Também não consigo colocar muros entre estilos se de repente perceber
que se conjugam e convivem bem em determinados pontos e criam em mim, e no
público. uma emoção elevada. Os muros não só excluem como não deixam margem
para a evolução. Claro que daí advém algumas consequências, mas fazem parte de
experiências, como em qualquer outro campo, e que eu considero não serem de
forma alguma destrutivas ou impeditivas duma evolução saudável.
Para este espetáculo verdadeiramente
grandioso acontecer, quem te acompanha em palco?
Uma equipa de artistas incrível , ou seja, os cantores
deste projeto. Além de mim são eles: Patrycja
Gaabrel, Inês Madeira, Bruno Almeida, Tiago Sepúlveda, o convidado para o elenco deste ano, o
conhecido e incrível barítono Luís
Rodrigues e o convidado (do campo da música mais pop) do ano passado que se manteve para este ano, o Bruno Correia (vencedor do Rising Star). A
excelente Banda Sinfónica da PSP.
Uma equipa técnica e de produção de confiança e extremamente eficaz e
profissional dirigida por Carlos Vicente, meu sócio e CEO da By the Music Produções. A acrescentar a
tudo isto vieram as nossas convidadas deste ano que foram uma escolha minha
certeira pois eu não tinha qualquer dúvida do sucesso que iriam fazer dentro
deste estilo de produção. Primeiro, a grande Diva e Sra. Dona Elisabete Matos que aceitou este meu
desafio de homenagem a Montserrat
Caballé, trazendo a esta produção não só a magnitude da sua prestação como
um emblema de qualidade suprema dentro do erudito com a vantagem de que
consegue ser, em termos de atitude de uma modernidade e atrevimento
surpreendentes. Depois, a voz de Katia
Guerreiro e toda a emoção que vem dela. Há na Katia um "je ne sais quoi", como já tive oportunidade de
lhe dizer, que não se explica. Sente-se. Ela consegue imprimir em qualquer
género musical uma profundidade muito densa, a tocar o romantismo da ópera. E
isso agrada-me demais, ou não teria feito eu o Royal Fado (inspirado nas "Operas de Amália") em 2016 em
que uni o romantismo da Ópera ao romantismo de alguns Fados Amalianos. E como
acho que tenho alguma intuição nestas coisas, sabia que ela iria ser como a
cereja do Fado em cima do bolo da Opera Spectacular (risos).
Como
foi a adaptação da Katia e a interação dela contigo, com os outros cantores e
com a orquestra?
Foi Spectacular! Natural. Como se fizesse
parte do elenco desde sempre. A Katia é uma intérprete.
Quanto a Montserrat Caballé, de que
forma esta diva influenciou o teu percurso musical?
Eu fui influenciada por muitas Divas, da Callas à mais recente Anna Netrebko (no campo lírico). Mas
tudo foi acontecendo mais tarde na minha vida, e já após ter terminado o curso
de canto no Conservatório de Lisboa. Exatamente quando começo a assistir a este
arrojar estilístico. À ousadia dos que à partida eu sentia como os mais
conservadores nas suas visões artísticas e musicais eruditas. Isso voltou a
despertar a minha atenção, principalmente para o canto lírico (porque a música
clássica já me inspirava bastante). O conservatório já o teria feito, mas de
uma forma muito técnica que não entrava bem dentro do meu coração, das minhas
emoções da altura. Nem escolhas. A Montserrat
Caballé é aquela Diva que tendo dedicado toda a sua vida ao mundo erudito
não viu qualquer problema em "embarcar" nestes desafios de se unir ao
Rock de Freddy Mercury e emprestar a sua voz noutros campos fora do estilo
a que estava habituada. E fê-lo de forma brilhante. Porque tinha essa
capacidade interior de se desapegar de atitudes muito convencionais e
conservadoras. Porque é preciso ter essa personalidade senão soa a falso e não
resulta. Talvez, também, por estar perante um dos maiores e mais visionários
cantores e intérpretes do mundo que certamente a inspirou de tal forma que
tornou irresistível este passo fora do caminho até então traçado. Tal como
mencionou a Sra. Dona Elisabete Matos
durante o nosso espetáculo, Montserrat dedicou toda a sua vida à sua arte. Uma
autêntica mestre no canto e na entrega.Toda esta força (também inerente à nossa
Diva Elisabete) influencia-nos e inspira-nos a pensar mais alto. E quando se chegam a nós então e entram também no nosso
mundo, criam uma espécie de trampolim de esperança de que somos capazes. De que
devemos lutar pela melhor qualidade possível dentro do que nos comprometemos a
fazer. Porque elas o fazem assim na sua área. Sem reservas. Com todo o
profissionalismo e técnica do mais alto nível.
Em
termos de temas, o projeto não se limita apenas a apresentar temas de ópera, pois não? Que outros géneros podemos ouvir?
A uma grande diversidade que inclui Opera, Broadway, Zarzuelas, Napolitanas, Canção Mexicana, Canção Popular Portuguesa,
o Fado, Pop, Techno e Rock. É de tal
forma diversificado que não existe tempo para quem quer que seja fechar os
olhos, a não ser que os feche para sentir a emoção de tema para tema.
Já há registos gravados destes
espetáculos? Se não, há previsões para uma lançamento desse género em CD ou
DVD?
Existem
registos em vídeo que estão no youtube
do espetáculo do ano passado. Mas vamos fazer os possíveis por conseguir outro
este ano. Se algum canal de televisão nos ajudasse neste campo com os meios
necessário de imagem e gravação de audio seria ouro sobre azul porque como
podem imaginar, os custos de uma produção destas vão além do usual e para se
conseguir um registo de imagem e som à altura do projeto e com qualidade para
um vídeo, DVD, ou até mesmo, um CD, são necessários muitos meios técnicos que
neste momento não conseguimos senão através de algum patrocínio que possa
aparecer para este espetáculo no Coliseu do Porto.
Para além deste projeto, está envolvida
em mais algum?
Sim, bastantes. Eu sou a criadora e diretora artística
de todas as produções feitas pela empresa ByThe Music desde o seu começo. Mesmo daquelas em que decido não cantar
e vou buscar outros colegas para o fazerem. Mas posso desvendar que tenho
projetado mais um trabalho meu. Pelo menos um single já deve sair este ano. Se forem ao website da minha empresa podem ver todos
os espectáculos que temos e aqueles onde estou envolvida.
Muito
obrigado, Yolanda! Dou-te a oportunidade de acrescentares mais alguma coisa se
assim o desejares…
Deixo uma frase de Fernando Pessoa, que espelha
bastante aquilo que sou e o que faço, e que para mim tem muito para além do que
se tira dela quando se lê da primeira vez. A frase é "... Só disfarçado é
que sou eu...". Quem me conhece e conhece os meus trabalhos percebe que a
boneca que conheceu no Fado em Concerto,
ou a guerreira do Metamorphosis
espelham exatamente de forma artística o que sou e penso interiormente. Nunca
foram ou são meramente imagens e capas vazias de conteúdos. E é isso que faço
em todos os meus trabalhos em CD e não só (que foram todos conceptuais). O que
se vê nunca é e nunca será vazio de conteúdo ou mensagens que pretendo passar.
É na imagem e no disfarce que me encontro e encontro a razão de estar aqui. Eu
sou bem simples no dia a dia e não pretendo ser mais que isso, a não ser na
arte que faço. Na arte que faço quero toda a complexidade que veio comigo desde
que nasci e que fui absorvendo da vida no meu crescimento e experiência. Na
"arte do disfarce" sou aquilo que não se vê no dia a dia. Portanto, e
isto para dizer que dou imenso valor à imagem porque a vejo com olhar artístico
e de uma ferramenta de comunicação de todo um conceito. Assim o tento fazer
também com a Ópera Spectacular. Toda
a imagem de grandeza e beleza deste espetáculo quer comunicar a grandeza e
beleza deste mundo mais erudito. Mas tento-o fazer com toda a qualidade que me
é possível, tentado apresentar, até nesse campo, o melhor que temos no país (o
caso da nossa criadora dos vestidos Susana
Agostinho, que nos tem apoiado desde sempre). Mas aquilo que faço, ou o
valor que dou a determinados pormenores não tem de ser aquilo que está certo.
Pelo contrário. Para mim tudo está certo desde que seja verdadeiro e com o cuidado
necessário procurando o melhor sem se deslumbrar ou camuflar de forma banal. E
um disfarce pode ser muito verdadeiro também.
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