Entrevista: Marenostrum


Vinte e cinco anos de carreira fazem de qualquer banda tornar-se uma referência no seu estilo. É o que acontece aos Marenostrum que cantam o sul – e particularmente o Algarve – como ninguém e que são capazes de cruzar todas as tradições dessa região com outras vertentes mais rock e prog. Dez anos se passaram desde o último álbum e, por isso, Rua do Peixe Frito era aguardado com muita expetativa. Uma expetativa que foi superada naquela que é uma sentida homenagem à rua e à cidade que viu nascer Zé Francisco. Foi com o lendário membro dos Marenostrum que falamos a respeito deste regresso, do novo disco, da sua cidade e dos marcantes espetáculos já dados.

Olá Zé Francisco, antes de mais, obrigado pela disponibilidade e parabéns pelo vosso novo álbum. Este que é o vosso quarto álbum presta homenagem à tua terra e a uma rua em particular, não é verdade?
Olá Pedro, antes de tudo muito obrigado! De certa forma sim, eu nasci e cresci nesse ambiente fantástico de irmandade entre as pessoas e famílias, infelizmente essa e outras ruas do peixe frito, num futuro próximo vão desaparecer não só nas aldeias do litoral como nos meios urbanos onde cada vez mais se vai perdendo esse património valiosíssimo da verdadeira relação e convívio humano, para não falar da descaraterização física desses mesmos sítios. Acho que só nos fica bem prestar uma mais que merecida homenagem a esta gente que me viu crescer com o privilégio e dádiva dos seus ensinamentos...O título Rua do Peixe Frito já andava às voltas na minha cabeça há bastante tempo, senti que faria todo o sentido acontecer com Marenostrum.

Quando começaram a trabalhar neste disco e durante quanto tempo trabalharam nele?
Começámos em setembro de 2018 a preparar e escolher qual o reportório para iniciarmos as gravações no início de 2019, foi durante um período de mais ou menos 10 meses.

De que forma trabalharam no processo de composição deste novo álbum?
O mais difícil foi fazermos esse desafio a nós próprios, juntarmos para tocar um dia e ver se estávamos com vontade de traçar um novo rumo e voltar a navegar em busca de novos portos, outras tentativas foram feitas e a coisa não aconteceu, a principal razão era estarmos ambos envolvidos noutros projetos a juntar a isso o facto de estarmos demasiado tempo sem gravar e tocar juntos. Depois de ultrapassada essa etapa começamos por fazer uma recolha das canções, instrumentais e algumas ideias que tinham ficado para trás até mesmo esquecidas durante todo este percurso, feita essa seleção eu fui mostrando uma a uma  algumas novas canções que tinha guardadas a fim de mostrar ao  outros músicos para que com a sua criatividade os fizessem soar e encaixar naquilo que viria a ser o conceito deste disco. Houve a dificuldade de não gravarmos juntos porque não foi possível, mas com algum sacrifício, persistência e a ajuda das novas tecnologias conseguimos lá chegar.
Sendo certo que desde sempre misturaram imensas coisas na canção algarvia, o que é que desta vez surge com maior destaque?
Este é um disco verdadeiramente do Sul, não só pelas canções com cheiro a mar e serra com muito corridinho, mas com a particularidade de viajarmos pelos sons, paisagem e histórias através de uma total entrega e criatividade de todos nós.

E porque este espaço de dez anos sem gravações?
Não era nossa intenção parar durante tanto tempo, mas aconteceu assim, tivemos uma necessidade natural de parar por algum tempo para podermos refletir acerca do futuro da banda depois de um percurso com muitos concertos, ensaios e gravações, que coincidiu com os 25 anos de existência da banda. Tudo bem, cá estamos nós de volta!

Rua do Peixe Frito já teve duas apresentações – uma no Seixal, na Festa do Avante e outra em Tavira… Qual das duas apresentações foi mais especial, se é possível escolher?
Foram os dois especiais cada um no seu contexto e por diferentes razões. Em Tavira por voltarmos após um longo interregno sabíamos que as pessoas que nos abordavam durante todo este tempo iriam lá estar desejosas de nos ouvir, no entanto tenho de admitir que o mais especial, digamos assim, foi o concerto na festa do Avante, talvez por ser o primeiro da nova aparição, foi um grande concerto à Marenostrum!

Podes falar um pouco dos convidados que colaboram em Rua do Peixe Frito. Como se proporcionou a sua participação e que papel tiveram eles?
Não foram muitos, mas muitos especiais. A Federica, moça da Sardenha, cantora de formação Lírica, parceira e companheira do técnico onde gravei as vozes, pedi-lhe se ela queria fazer umas vozes e funcionou muito bem. O Paulo Temeroso, moço de Trás-os-Montes, um músico brilhante que fez parte da formação dos Marenostrum, participou em vários concertos, gravou alguns dos saxofones e clarinete. O Vítor Correia, ator, moço da terra, gravou umas falas fantásticas. E a participação muito especial do pessoal dos ranchos de St. Estêvão e Luz de Tavira num dos corridinhos com um sapateado Algarvio e os ferrinhos do mandador João Rodrigues.

Com uma carreira de 25 anos, como vês a evolução da música em Portugal desde a altura em que começaram?
Somos um país pequeno com um potencial enorme, todos anos aparecem excelentes músicos, novos talentos, não é fácil, porque temos um mercado muito pequeno para tanta oferta, alguns conseguem fazer carreira lá fora e ainda bem, só depois serão reconhecidos cá dentro. Outros não terão essa sorte e sujeitam-se às vicissitudes do sistema. Muita coisa mudou, por um lado as coisas se tornaram mais fáceis no diz respeito à comunicação, produção, divulgação, etc. tudo se passa a uma velocidade enorme, o que facilita no imediato mas por sua vez nos torna reféns desse mesmo facilitismo, se não acompanharmos a evolução das coisas depressa nos deixamos ultrapassar. No que diz respeito à divulgação da música Portuguesa as coisas não mudaram assim tanto, continua tudo na mesma, tudo muito bem controlado e manipulado de forma com que o que chega aos ouvintes e a quem compra concertos, ou seja, as pessoas continuam a consumir apenas o que lhes é dado de bandeja.

E particularmente quanto aos Marenostrum, como vês a evolução da banda ao longo destes anos?
Foram 25 anos em que crescemos muito musicalmente. Somos hoje uma banda com uma maturidade acrescida, fruto dessa experiência através de um percurso em que cruzámos com muitos outros músicos e diferentes públicos, o que nos ajudou a crescer como projeto musical e seres humanos e que de certa forma também nos encorajaram a chegar até aqui.

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