As Moçoilas são um dos
mais carismáticos projetos nacionais. Bebem na ruralidade da Serra do Caldeirão
as suas maiores influências e recriam-nas de forma atual, respeitando sempre a
origem quer dos versos, quer das melodias, quer, até, do linguajar. Atão Porque Não? é o terceiro registo numa carreira que já
conta 25 anos de trabalho e vem confirmar a importância social, histórica e
antropológica de um projeto desta natureza. Assim, as três Moçoilas juntaram-se
numa muito interessante conversa com Via Nocturna.
Olá Moçoilas! A vossa carreira
já vai nos 25 anos, por isso, podíamos começar precisamente por aí: como tem
sido vivido este quarto de século?
Com muitos desafios! O
primeiro de todos foi quando começamos a concretizar a ideia de gravar o
terceiro CD, Atão Porque Não?. Depois veio um desafio gigante, por parte do
Teatro das Figuras/Município de Faro, para sermos Artista Figuras 2019, o que implicaria a realização de 3 concertos
distintos. Neste contexto, o primeiro momento aconteceu em abril, com a
apresentação do novo disco Atão Porque
Não?, no qual contámos com a presença de outros músicos da Região; o
segundo concerto foi em setembro, no Festival
F, com um projeto que mistura o canto do sul (nas vozes das Moçoilas) com o canto improvisado de Maria João (jazz) e outras sonoridades jazzísticas
e tradicionais dos músicos João Frade,
João Farinha e Quiné Teles; no dia 30 de novembro, no Teatro das Figuras, realizamos
o terceiro concerto, integrado neste conceito, e com uma estreia absoluta, Moçoilas e Galandum Galundaina. Na base deste projeto está a intenção de
juntar, misturar, ligar a música tradicional dos dois extremos do país.
O que vos motivou a
trabalharem esta faceta da música popular? Estiveram sempre envolvidas na zona algarvia ou já trabalharam com a música tradicional
de outras regiões?
A identidade das Moçoilas é territorial. Queremos
continuar a soar e a ressoar à Serra do Caldeirão. As nossas cantigas são na
sua enorme maioria daí oriundas, recolhidas por nós ou por outros, aí foram
“achadas” (sim, porque as cantigas populares viajam muito e não sabemos o seu
percurso até ao lugar do “achamento”). No entanto por vezes fazemos uma
incursão ou outra noutras serras, noutras cantigas tradicionais porque nos
seduzem... e tornamo-las nossas. Amoçoilamo-las!
Há também umas cantigas de autor que gostamos de integrar no conjunto.
Qual foi o percursor
que vos despertou para começarem a trabalhar no disco Atão Porque Não??
Este disco trás consigo duas tournées em dois invernos diferentes,
nos quais regressamos à Serra. Aqui fomos beber das suas raízes, das suas
vivências, das suas histórias. Fomos vivenciar a saudade desse lugar, da
surpresa, dos cheiros e das conversas. Daqui surgiram as fotos que ilustram o boocklet deste CD. A necessidade que
sentindo, constantemente, de nos recriarmos, de buscarmos novas melodias,
outras histórias que significam para nós a possibilidade de criarmos novos
contextos sonoros. Também o público que vai seguindo o trabalho das Moçoilas ao
longo destes 25 anos também já nos iam perguntando por novidades.
De que forma foi feita
a recolha destas canções e como foi o tratamento dado pelas Moçoilas?
As
canções que representam o coração deste CD, se assim podemos dizer, são
provenientes de uma cassete antiga, guardada no baú das Moçoilas. Foram
essas que nos inspiraram, em primeira instância, a iniciarmos este trabalho de
gravação. Depois também a vinda à Serra, como referimos anteriormente, nos
trouxe outras histórias e outros versos, que sentimos que mereciam a nossa
atenção. A primeira vez que ouvimos aquela cassete estávamos
cheias de curiosidade, tomámos atenção ao timbre da voz das pessoas que em
tempo cantaram as canções que a habitam. Tentámos recrear o espaço onde foi
gravada… Depois veio a segunda, a terceira a quarta escuta, aí a atenção vai
para os versos, o que transmitem o que nos contam, a emoção que é colocada nas
palavras. Ouvimos a mesma canção vezes sem conta, até que ela seja nossa, que
saibamos onde surge cada respiração, como cada palavra é pronunciada, que nos
fique a rodar na nossa cabeça noite e dia. Nessa altura estamos prontas,
prontas para a cantar e recrear à nossa maneira, (mas sempre com o respeito por
quem as cantou). Ouvimos com cuidado a forma como as palavras são ditas,
respeitando a fonética desta pronúncia do sul. Depois vamos arriscando nas
harmonias, uma voz para cima, outra para baixo…
Para além da recolha,
apresentam algum tema original vosso?
Sim,
este CD contém 3 temas originais. O tema Arrimadinha,
que já era cantado pelas Moçoilas há
muitos anos, que surgiu durante uma viagem, num despique…. Os outros dois temas
surgiram de uma participação nossa numa peça de teatro sobre a história da Catarina Eufémia, que estava a ser
encenada pela ACTA (A Companhia de
Teatro do Algarve). Todo o texto da peça é da autoria do Jacinto Lucas Pires e o nosso desafio foi musicar 3 textos/partes
dessa peça. Neste caso, constam do índice deste CD, apenas dois desses
momentos: Grito e O País.
Quando compõem, que matrizes procuram preservar nas
vossas próprias canções, quer em termos musicais quanto linguísticos?
Quando compomos fazemo-lo inspiradas nas sonoridades que já
transportamos e a partir daí deixamos que as nossas vozes em harmonias e
exploração de ritmo e melodia sigam uma ideia, um conceito ou apenas um
fluxo... A linguística é a da serra do Caldeirão e até, de maneira mais ampla,
o linguajar ao Sul.
Este disco traz, como já referimos, um regresso à
Serra do Caldeirão. De que forma a Serra de hoje é semelhante ou diferente do
que era no passado?
Canta-se menos na Serra… na
verdade, canta-se menos em todo o lado… Há menos movimento na Serra. Sente-se a
falta das crianças, dos jovens, dos adultos… Sente-se a falta da energia
humana, do calor e dos cheiros dos “ranchos” de gente que trabalhavam em
conjunto. As máquinas (ainda) não conseguem substituir a alegria das pessoas, a
euforia das conversas e dos despiques… Temos os mais velhos que ainda nos
avivam a memória e nos contam as histórias de outros tempos. Temos, nalgumas
localidades do interior da Serra, os fins-de-semana, o verão, as festas e as
feiras que continuam a atrair as famílias (que se houveram deslocado para o
litoral, por motivos de estudo e de melhores condições de trabalho) e outros
olhares curiosos e que, de alguma forma, vão mantendo a serra muito viva e vão
criando alguma nostalgia e (alguma) vontade de regresso. Há na serra todo um
odor e um tempo que apetece…
As Moçoilas trazem, através da música, um Algarve de
canções com forte ruralidade, muito diferente do Algarve turístico. Como vêm
essa dualidade?
Não vemos dualidade mas sim uma complementaridade. O Algarve
turístico inevitável neste Sul destinado a essa indústria e às consequências
desta venda descontrolada, por vezes, vai fazendo o seu percurso sem que
ninguém saiba ou preveja muito bem para onde vai... A ruralidade, a serra,
algum barrocal e campina vão mantendo alguma genuinidade (e outras não), a
teimosa identidade, o sentimento de raiz. Nós gostamos de estar aí... Isso
faz-nos sentido, faz-nos sentir!
Têm tido oportunidade de levar a vossa música do sul
ao sul, nomeadamente à serra? Ainda há público, essencialmente jovem, motivado
para estas sonoridades?
Têm acontecido algumas
curiosidades nesse sentido. Nalgumas localidades fomos abordadas por jovens
que, para além de terem ouvido o nosso concerto na íntegra e de forma
entusiasta, vieram falar connosco no final e compraram o CD (o que nos deixa
ainda mais surpreendidas, uma vez que já tudo se ouve online. O formato físico já não é uma opção para esta faixa da
sociedade). Muitos jovens músicos têm misturado também a sua musicalidade com a
tradição, o que tem sido recorrente nos últimos anos.
Quando não são as Moçoilas, em que é que as três
estão envolvidas em termos artísticos?
Este projeto junta-nos, às
três, em termos artísticos. Depois, individualmente, vamos tendo outros
percursos, nomeadamente, projetos ligados à infância, ao canto coral, aos
clássicos da música brasileira, aos standards
do jazz, ao Rock, ao teatro
Obrigado, Moçoilas. Querem acrescentar mais alguma
coisa?
Apenas acrescentar que este
CD trás a vivência do espaço estúdio (os outros dois álbuns tinham sido
gravados ao vivo). Não um estúdio qualquer, um espaço também ele na Serra do
Caldeirão construído com as suas pedras. Gravar em estúdio trás uma nova
complexidade de preparação, com novas competências e experiências que bastante
nos enriqueceram.
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