Adult Oriented Metal? Parece que sim. Alguém se
lembrou dessa definição para os Hourswill e, se calhar até têm razão,
confidencia-nos José Bonito, guitarrista do coletivo nacional que assina um dos
melhores álbuns de 2019, Dawn Of The Same Flesh. Este é um disco que
marca uma clara evolução em relação ao trajeto que a banda vinha fazendo, por
isso havia todo o interesse em conhecer o que esteve por trás desta brilhante
coleção de canções. E José Bonito, contou-nos tudo.
Olá José, antes de mais obrigado pela disponibilidade
e parabéns pelo vosso novo álbum. Para começar podes falar-nos da génese e
conceito deste projeto, Dawn Of The Same Flesh?
Naturalidade e espontaneidade
são duas palavras que definem bem a génese deste disco!!! Não era um trabalho
cuja edição estivesse prevista para tão cedo, mas, dado o desenvolvimento do
processo criativo decidimos avançar para a sua concretização. Como não nos foi
dada a chance de apresentar mais vezes ao vivo o nosso disco anterior Harm
Full Embrace, eu e o Nuno (Peixoto, baterista) demos por nós com demasiado
tempo livre para ir trabalhando ideias sobre alguns pedaços de música que já
tínhamos registado no computador do Pedro (Costa, baixista) até que um dia, o
Leonel (Silva, vocalista) chegou à nossa sala de ensaio com a ideia de fazer um
álbum conceptual!! A partir daí foi uma questão de tempo até termos o cenário
mais ou menos estruturado, com alguns avanços e recuos pois acabámos por
escrever mais material do que era necessário para este projeto, até que se
chegou à versão final deste disco que tens agora em mãos.
Em termos conceptuais, esta é a primeira vez que
arriscam um trabalho desta envergadura. Porque só agora foi possível atingir
este nível?
Aconteceu
(risos)!!! Como te disse na resposta anterior, foi natural e espontâneo!!! Para
te ser honesto, não pensámos muito nisso, nem quisemos e nem sequer nos demos
tempo para tal!!! Simplesmente, deixámos a coisa fluir!!! Nada a ver com
questões de nível!!! Apenas nos limitámos a expressar e transmitir lírica e
musicalmente o que queríamos para este novo trabalho.
Já agora podes explicar-nos em que se baseia este
conceito? De alguma forma pode ser considerado autobiográfico?
De forma
alguma é autobiográfico!!! O Leonel pegou no tema que encerra o nosso disco
anterior, Abyss Syndrome, e decidiu construir a partir daí toda a narrativa
na qual assenta o Dawn Of The Same Flesh. No tema que falei, a
humanidade, mergulhada num lodo existencial, atinge finalmente o limite e o
fundo!!! Neste novo disco é dada uma nova oportunidade à humanidade, de
recomeço, de renascer e tentar fazer bem as coisas!!! Ao longo deste novo disco
são descritas todas essas fases pela qual estas novas criaturas vão passando,
desde a descoberta dos mais variados sentimentos, à perceção do conhecimento
até ao retorno de toda a sua essência autodestrutiva e decadente!!! Creio
ser este um bom resumo do que se passa liricamente ao longo do disco e, que em
conjunto com a música que lhe dá suporte, exige da parte do ouvinte uma
dedicação especial para o apreciar, fazendo assim deste trabalho, na minha
opinião, uma obra ímpar no panorama da cena nacional!!!
De que forma todo o artwork se cruza com o conceito? Já agora, quem foi
o responsável por ele?
Sim, foi
trabalhado nesse sentido!!! Originalmente tínhamos uma ideia diferente para
este artwork, mas, depois de falarmos com o pintor Pedro Rego
(autor das capas dos nossos discos anteriores) foi-nos sugerida uma nova
abordagem para este novo disco. Assim sendo, escolheu-se uma pintura do
portefólio do pintor, juntaram-se ideias e trabalhou-se em cima da obra
escolhida!!! O Nuno sentou-se por diversas vezes com o Diogo Ramos do Estúdio
Q até se chegar ao resultado final que podemos ver e com o qual estamos
todos muito satisfeitos.
Percebe-se, então, que os Hourswill têm tido um
trajeto de crescimento e evolução. As diferentes mudanças de formação tendem a
limar arestas por forma a uma aproximação à perfeição?
Para mim,
isso da perfeição na música não existe!!! (risos) As mudanças de formação que
temos sofrido ao longo dos anos têm tido apenas, para além de algum transtorno
momentâneo, como consequência o melhoramento da nossa identidade enquanto
projeto musical e contribuído da melhor forma para essa evolução, apesar, de
achar que a nossa integridade musical permanece intacta desde o nosso primeiro
trabalho.
E, nesse contexto, qual o papel desempenhado pelo novo
guitarrista Tainan Reis?
O Tainan
entrou para os Hourswill a meio das sessões de gravação do álbum!!! Fez
todo o seu trabalho de composição e gravação em tempo recorde e ainda foi a
tempo de contribuir com uma ideia ou outra que aproveitámos para o disco. Dadas
as circunstâncias, acho que fez um trabalho notável e para além de ser um
executante muito bom é também uma pessoa excelente. Os Hourswill ficam
melhores com ele e ele está ótimo nos Hourswill.
Musicalmente, também se verifica uma evolução, se não
em termos de complexidade, pelo menos em termos vocais. Por que razão esta
diferente abordagem?
A natureza do conceito e do material
que se foi escrevendo, acho eu, talvez tenha levado a essa tal evolução que
falas!!! No caso da voz, o Leonel esteve muito mais por dentro do assunto e com
um raio de atuação maior do que no disco anterior e de estreia dele connosco!!!
Essa talvez possa ser a principal diferença!!! Para além, do facto, de nos Hourswill
poder explorar certos territórios musicais que não lhe são familiares noutros
projetos que tenha ou teve, liberdade essa que acaba por enaltecer a sua
qualidade, ao ponto, de ter sido considerado pela vossa publicação o melhor
vocalista do género em 2019!!!
Verifica-se, também, que não impõem limites no
processo de criação. É assim? Como é que funciona a composição nos Hourswill ou
particularmente como funcionou para este álbum?
Basicamente é isso, sim
(risos)!!! Não temos esse tipo de limitação em termos criativos no que toca a
géneros musicais!!! Como gostamos de tanta coisa, o que se possa escrever, que
seja do nosso agrado e que possa soar bem, normalmente, acaba por aparecer
nalgum lado!!! O nosso método é o mesmo desde que decidimos criar os Hourswill
e neste disco novo não foi exceção!!! Eu vou escrevendo uns pedaços de música que
vão sendo trabalhados em conjunto com o Nuno até chegarmos a qualquer coisa que
possa ser considerado como um tema. A partir desse momento, entram em cena as
ideias que os restantes elementos da banda possam ter e vamos trabalhando até
se dar por concluído todo esse processo de construção.
O press release afirma que vocês se podem considerar adult oriented
metal. Concordam?
(risos)!!! Foi uma definição,
que até acho engraçada, que a nossa editora inventou para nos catalogar
musicalmente!!! Em vez do progressive qualquer coisa, eles apareceram
com esse termo depois de ouvirem o disco. Se calhar...até têm razão!!! Tendo em
conta a fusão de géneros e os caminhos que a nossa música percorre ao longo
deste álbum novo penso que até se acaba por adequar. Acho também que poderá ter
a ver com algum imediatismo que se instalou no meio ouvinte e consumidor
musical dos dias de hoje… não sei (risos)!!! Creio que aquilo a que chamam de
progressivo hoje em dia pouco tem a ver com a nossa proposta musical, por isso,
acho que apesar de estranha, é uma definição que nos assenta bem e que acresce
qualquer coisa ao meandro.
Neste disco contam com vários convidados que imprimem
um colorido diferente. O que motivou a escolha destes músicos e como se
proporcionou a sua participação?
O Fernando Matias
(produtor) e o João Paulo Farinha (guitarrista de Thragedium) são
já repetentes!!! Já figuravam na lista de convidados do nosso disco anterior. O
Fernando aparece neste novo trabalho com as suas habituais texturas e
ambiências e o João, que tinha gravado guitarra acústica num tema do Harm
Full Embrace, com teclados. A Neide Rodrigues (vocalista algarvia em
bandas de covers rock) era conhecida do Nuno e como para este trabalho
necessitou-se de uma voz feminina, para dar corpo a umas partes da história do
Leonel, não hesitámos em convidá-la para a gravação. Entretanto, já nos
acompanhou também umas vezes nas apresentações ao vivo que já fizemos. O Mario
Ayres (guitarrista de Bruto & The Cannibals) aparece porque
necessitávamos de uma coisa diferente para o final do tema A Beauty In Bloom
e eu como o considero um dos melhores no género dele fiz-lhe o convite. Convite
esse que gentilmente aceitou e cujo resultado final ficou muito interessante,
dentro daquela onda meio southern rock e que acrescentou algo de
diferente ao tema. O Agostinho Lourinho (saxofone) trata-se de um amigo
meu de longa data, excelente músico e grande pessoa!!! Era uma daquelas
participações que já estava apalavrada entre mim e ele aos anos em sessões de
convívio alcoólico no Alentejo profundo (risos)!!! Felizmente a coisa
alinhou-se logo quando achei que o tema Hanwi seria o ideal para o
consumar dessa colaboração. Esta situação dos convidados nunca está realmente
definida no início do processo, vai acontecendo e proporcionando-se da forma
mais natural possível e consoante a disponibilidade e vontade das pessoas.
Onde gravaram e como decorreu todo o processo?
Voltámos a utilizar os The
Pentagon Audio Manufacturers do Fernando Matias!!! Já lá tínhamos
estado a registar o nosso disco anterior e voltar a trabalhar com o Fernando
novamente era algo muito importante para nós, pois, no que toca ao trabalho do
fazer acontecer em termos sonoros aquilo que é a nossa visão e proposta musical
o Fernando é essencial. Foi uma gravação que se iniciou de forma descontraída e
muito fluída até que começaram a surgir os problemas com a saída de um elemento
da banda a meio do processo!!! Isso desnorteou o nosso trabalho e tivemos
momentos complicados e difíceis até que a cena voltou a ganhar forma e aí o
Fernando foi muito importante, não só como excelente profissional na sua área,
mas, também como pessoa e amigo!!! É um tipo com uma paciência descomunal,
especialmente, para me aturar a mim, que sou muito chato com determinadas
questões em estúdio (risos)!!! No final, acabou por correr tudo bem e estamos
satisfeitos com o resultado final do trabalho.
Há previsões para uma tour de promoção deste álbum?
O disco saiu a 1 de novembro
e desde aí temo-nos mantido ocupados!!! Tivemos datas imediatas e nos meses
seguintes, por isso, acho que nesse aspeto de promoção a coisa está a correr
melhor do que era esperado. Ainda estamos a trabalhar em mais uma ou outra
apresentação ao vivo que anunciaremos assim que se confirme.
Obrigado. Querem acrescentar mais alguma coisa?
O nosso agradecimento à Via
Nocturna pela oportunidade e pelo apoio. Bem hajam!!!
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