Entrevista: 2 Chamadas Não Atendidas

É um dos nomes mais curiosos do panorama musical português. E também é um dos projetos mais inovadores. Falamos do trio 2 Chamadas Não Atendidas, nascido numa aldeia do centro de Portugal, criado por um ator e que junta o piano a instrumentos como o bombardino e o oboé. Mas de tal forma este projeto é relevante que o próprio Maestro António Victorino D’Almeida o quis acompanhar, participando inclusive nas gravações de uma das composições. Foi com o pianista e ator André Louro que falamos a respeito destas duas chamadas que não foram atendidas, mas que, definitivamente não ficaram perdidas…

 

Olá André! Obrigado pela disponibilidade. Naturalmente que a primeira questão tem a ver com o vosso nome. De que forma surgiu este estranho 2 Chamadas Não Atendidas?

Obrigado, dizem as 2 Chamadas Não Atendidas. O nome surgiu de uma forma muito simples: estávamos ali a ouvir boa música e não demos pelo telefone tocar.

 

Depois, questionava-te quando te surgiu a ideia de criares um ensemble com esta tipologia de instrumentos?

Este ensemble surgiu das pessoas e não do instrumento que tocavam. Sobretudo são as pessoas que são importantes. Depois, é fazer com que os seus instrumentos consigam dialogar entre si. Aliás, a minha primeira ideia, aquele género de ideias que se tem para criar um pensamento e não para pôr em prática, seria acordeão, bombardino e piano. Depois iniciámos o processo com bombardino, violoncelo e piano, e viemos parar ao trio atual.

 

Já agora, o que é que surgiu primeiro: a ideia e depois foste à procura dos músicos certos ou os músicos e a partir daí criaram o projeto?

Surgiu de um convite para uma banda sonora para uma curta metragem, em que convidei o violoncelista João Paes para em conjunto construirmos algo. Depois, nunca se chegou a concretizar, mas gostámos do que tínhamos feito e achámos que podia ficar mais interessante em trio. E puf...apareceu um bombardino.

 

E porque estes músicos e não outros? Ou melhor, porque estes instrumentos e não outros?

Tal como já referi um pouco mais acima, tem a ver com as pessoas. Com o João Paes, já tinha tocado com ele no quarteto Penicos de Prata. É alguém de um enorme rigor e de grandes conhecimentos teóricos, que se permite a ir mais longe e trabalhar de forma mais livre. Entretanto saiu, pois, foi continuar os seus estudos na Dinamarca.  Com o Gonçalo Marques, do bombardino, também já tínhamos trabalhado juntos num espetáculo de teatro onde eu fazia a encenação e a música. O Artur Rouquina aparece pela mão do Gonçalo. Lá está, tem a ver com as pessoas e não o instrumento.

 

Por outro lado, tu és ator e não um músico. De que forma estas vertentes se conetam nos 2CNA?

Por vezes brinco e digo que isto não é um trio de música, mas sim de teatro. Procuro encontrar uma dramaturgia em cada música, de imaginar sentimentos e estados de alma para personagens, e depois pensar na música que se enquadrava para esse momento teatral. E quando faço teatro, penso na música que teria e acompanharia a minha personagem e as que me rodeiam. Tudo se mistura, pois somos influenciados por tudo.

 

E este é um projeto altamente inovador dentro da música nacional e que, curiosamente, surge numa aldeia, tendo estreado na Aldeia da Chanca. É realmente incrível que assim seja, embora seja um pouco paradoxal em relação à linha tradicional, não achas?

Se é paradoxal, fico logo contente. As aldeias e os seus habitantes, não são avessas a outros géneros de música que não o pimba ou música de arraial. O que é preciso, é que lhes chegue outros géneros de música. Não foi a primeira vez que as 2 Chamadas se apresentaram em público, mas foi a primeira em que apresentaram o repertório completo. Tínhamos um público muito variado: Habitantes da aldeia, pessoas de Penela, a sede de concelho, pessoas de Coimbra, de Israel, Austrália, Líbano, Filipinas e França. Era esta misturada toda na plateia, mas depois não passavam de 45 pessoas. Todas muito diferentes, a viver o mesmo momento. E se calhar o momento torna-se mais importante que o concerto. Claro que se o concerto for mau, o momento não será melhor. No fundo, qualquer sítio é bom para juntar pessoas. A aldeia tem a vantagem se se poder fazer isso com tranquilidade.

 

E como é que a tua aldeia recebeu este projeto?

De formas variadas. Tive um vizinho, que quando chegámos ao fim, fez um poema com todos os nomes das músicas. Não lhe faltou um, foi incrível. Outros que sempre me cumprimentaram com um sorriso, entraram e saíram em silêncio, e com um sorriso continuaram a cumprimentar. Outros agradados pois nunca tinham ouvido, visto, sentido, nada assim. No fim, todos iam ficando, entre um copo de tinto, chouriço e afins, conversando e rindo uns com os outros, mesmo os que não se conheciam. Fiquei com a ideia de que mesmo os que não gostaram, que os há e ainda bem, soube-lhes bem.

 

Como foi a criação dos temas que apresentam neste primeiro álbum?

Variada. Havia músicas que já existiam, outras que foram existindo, e outras criadas expressamente para o trio. Mesmo a forma de composição e arranjos foi diferente de música para música. Na Bruxa, por exemplo, criei para piano apenas e depois o bombardino ficou com a mão esquerda, e o oboé com a direita, e eu criei uma nova pauta para piano. Claro que não é assim tão preto ou branco, teve as devidas mexidas e ajustes. Outras foram criadas propositadamente para os instrumentos.

 

Um conjunto de temas com alguns títulos bem curiosos. O que vos inspira a escolher um título sendo que a música é instrumental?

Porque se intitula assim ou assado determinada música, não sei bem explicar. Elas foram ganhando os seus nomes e eles foram sendo aceites por quem os usa. Outros foram adaptados, a Triste Agonia, logo no início da sua criação, chamava-se Agonia da Galinha. A música Aquário, quando ainda não tinha nome, estava a ser trabalhada num estúdio muito particular, pois o piano vertical onde eu tocava tinha um aquário lá dentro, com água e peixes e plantas. Estes nomes de músicas funcionam como as alcunhas: ou pegam ou não pegam.

 

Um dos mais curiosos é Porreiro, Pá. Como é que o antigo Primeiro Ministro surge aqui?

Essa música foi construída quando eu tinha 14 anos e nunca a larguei. Logo, até por motivos de idade, é um pouco apatetada. Achámos que batia certo.

 

De que forma esse ilustre Maestro que o António Victorino D’Almeida surge num tema vosso? Como se proporcionou esse contacto?

O Maestro Victorino D’Almeida é alguém que já conheço há uma série de anos, e com quem partilho aquilo que vou fazendo. E ele, com a sua paciência, lá vai ouvindo o que faço.  Foi uma das pessoas a quem mostrámos o nosso trabalho quando ainda só tínhamos 3 ou 4 músicas, até um pouco para perceber se era para continuar ou parar por ali. Daí até ao convite e à efetiva participação dele, foi um pequeno pulo.

 

Um convidado que acaba também por projetar um pouco mais este trabalho. Sentem isso?

Sentimos que o enriqueceu. A tarde de gravação com ele irá ficar-nos na memória e foi muito interessante ver como ele abordou, num instantinho, aquela música que tantos dias nos demorou a fazer. Veio acrescentar uma nova cor às que já havia no cd.

 

Sentes que todas as ambições e objetivos que tinhas para este lançamento foram plenamente atingidas?

Vão sendo. As ambições serão sempre maiores do que aquilo que se atinge para nos obrigar a trabalhar ainda mais. Sabíamos que não era música de massas, mas também não fizemos isto em busca delas. Sabemos que podemos chegar a qualquer ouvido, e a quantos mais chegarmos mais se atinge os objetivos. Vão sendo.

 

Já há ideias para continuar com este projeto e com mais criações/álbuns ou, eventualmente, para outro tipo de incursões musicais?

Sim, ideias há sempre muitas. Só temos de perceber quais são as boas.

 

Obrigado. Queres acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado nesta entrevista?

Sim, toda a equipa nuclear que para este trabalho contribuiu. O incansável João Hora que tratou do som; o criador daqueles seres que estão na capa, o Rui Silvares, dono de uma grande mestria; a Ana Taipas, que fez o design e foi a pivô deste triangulo que é a Música, Desenho e Público; o Eduardo Jordão/CultLabel, que quis fazer parir este trabalho com a edição. E a Via Nocturna por se ter interessado pelo nosso trabalho. Um abraço e obrigado por nos terem atendido a chamada!

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