Um disco com o país lá dentro. Uma história contada em canções. O Coreto é o quinto álbum de Rogério Charraz, feito em
parceria com José Fialho Gouveia, que assina todas as letras, e com Luísa
Sobral, responsável pela produção musical. Depois de 4.0 voltámos à
conversa com o cantautor nacional que nos contou tudo sobre este seu
novo registo.
Olá, Rogério! Mais uma vez obrigado pela
tua disponibilidade. Novo álbum já cá fora e
a pergunta impõe-se: o que é que O Coreto traz de novo
ao percurso artístico do Rogério Charraz?
Quantas páginas tens para esta
entrevista?! (risos) Há muita coisa nova neste disco em relação aos anteriores.
Desde logo por ser o meu primeiro disco conceptual e pela omnipresença do José
Fialho Gouveia, que não só assina todas as letras, como também criou a
história que as sustenta e está presente em todas as etapas do disco. Depois é
o disco onde volto a ter um produtor (não tinha desde o primeiro), e, ao
contrário dos anteriores que tinham vários artistas convidados, este só tem uma.
Existindo uma coerência a nível de som e de identidade em relação a tudo o que
fiz até agora, acho que este disco traz muitas coisas novas.
Este
é um álbum conceptual. É a tua primeira aventura neste formato? E porque
optaste por seguir essa via?
É um desejo antigo. Desde logo
por ter sido marcado por vários discos conceptuais (a trilogia do Fausto,
o Mingos e Samurais e o Auto da Pimenta do Rui Veloso, o
projeto Rio Grande...), e depois porque há mais de vinte anos que tinha
o desejo de fazer um disco que girasse à volta de um coreto.
Já
agora, podes contar um pouco do enredo desta história?
Muito resumidamente, esta é a
história do Sebastião que, farto do ritmo alucinante e esmagador da grande
cidade, decide ir viver para a aldeia do pai. Aí, num dia de Verão, junto ao
coreto, apaixona-se pela Ana, mulher feita daquele chão. Para saber o resto,
vão ter que comprar o disco para ir acompanhando a história com os comentários
que o Zé Fialho deixou na introdução de cada canção... (risos)
O
facto de teres trabalhado em todo o álbum com um letrista extraordinário como o
José Fialho Gouveia deu-te outra confiança para avançares neste sentido?
Deu-me outra confiança, outro
entusiasmo e outra paixão porque trabalhar com o Zé é um constante incentivo a
fazer mais e melhor. Acho que este disco reflete essa nossa sinergia e o facto
de partilharmos muitas paixões, muitos interesses e até uma forma muito
aproximada de olharmos para a arte e para o mundo!
Para
além do José Fialho Gouveia, também tiveste um trabalho de estreia colaboração
com a Luísa Sobral. De que forma decorreram os trabalhos e qual foi o seu papel
no resultado final?
Ainda esta semana escrevi nas
redes sociais que o produtor musical é uma espécie de treinador de futebol. Ele
nunca chega a entrar em campo (no caso da Luísa até fez uma perninha nos
coros), mas está presente em quase todas as decisões que influenciam a forma
como a equipa “joga”. Trabalhar com a Luísa foi muito fácil porque ela, desde a
primeira conversa, demonstrou um enorme entusiasmo pelo projeto e a partir
desse momento foi sempre uma mais-valia.
Este
acaba por ser um álbum carrega um sentimento muito forte, não só em termos
musicais e sentimentais, mas também, e principalmente, pelo olhar para o
interior do país e para as suas aldeias. Nesse sentido, sentes-te de alguma
forma um cantor de intervenção?
Eu procuro sempre que as minhas
canções façam as pessoas pensar em si, nos outros, e neste envolvimento a que
chamamos sociedade. Gosto que o privilégio que tenho de chegar a tantas pessoas
seja aproveitado, não só para lhes dar prazer e divertimento, mas também para
lhes colocar questões que muitas vezes não saem do discurso político, mas que
são fundamentais para a nossa evolução enquanto pessoas e enquanto país. Acho
que a pandemia veio sublinhar esta urgência de repensarmos a forma como o país
está organizado e o tipo de vida que cada um de nós leva...
Sentes
que o facto de terem ido trabalhar para Alpalhão, no Alentejo, permitiu uma
maior autenticidade no registo musical e do enredo?
Foi uma ideia da Luísa, logo na
primeira conversa que tivemos, e que acolhemos com muito agrado. Acho que
essencialmente nos manteve focados neste propósito de falarmos dos problemas de
quem vive longe dos centros de decisão e dos aglomerados populacionais. Claro
que não passámos a entender na plenitude este sentimento por termos passado 3/4
dias em Alpalhão, mas foi muito proveitoso passear por aquelas ruas, ver aquele
coreto e falar com aquelas pessoas, enquanto íamos finalizando as canções.
No
entanto, sendo certo que se podem ouvir referências à música alentejana, as inspirações
para O Coreto são muito mais vastas, não é
verdade?
Tentámos ao longo do disco
contrariar a natural tendência por ir parar ao Alentejo (afinal, está lá metade
da minha família), porque queríamos que toda a gente se identificasse com esta
história e facilmente a imaginasse na aldeia dos seus pais ou avós. Por isso
musicalmente também fomos ao Minho, fomos buscar referências culinárias do
Norte e do Centro, uma convidada aos Açores... As reações que temos tido
mostram-nos que, neste aspecto, fomos bem-sucedidos, porque muita gente nos diz
que ouvindo o disco viajou para a aldeia da sua vida...
A personagem
feminina da história é interpretada pela Sara Cruz. Onde a descobriste?
Nos estúdios da RDP Açores,
quando lá fui fazer uma entrevista. A Sara estava a estagiar com a Lena
Goulart, que, antes de começar a entrevista, pôs a passar um dos temas dela.
Fiquei imediatamente apaixonado pela voz e quando cheguei ao hotel liguei ao Zé
a dizer que tinha encontrado a voz da Ana (a nossa personagem). Ele ouviu e
imediatamente concordou...
Os
trabalhos de gravação e produção deste disco decorreram da forma prevista ou
sentiste algum tipo de dificuldades?
Sim, desde logo porque concluímos
o disco poucas semanas antes de rebentar cá a pandemia. Depois porque todas as
peças se encaixaram com grande harmonia: a produtora, os músicos (Mário
Delgado, Nuno Oliveira e Carlos Miguel na base, a que se
juntaram depois muitos outros), os técnicos que captaram (Vasco Teodoro)
e misturaram (Rui Guerreiro) o disco, a convidada... Foi uma sucessão de
boas decisões que foram somando qualidade à matéria prima que trouxemos.
De
que forma a situação de pandemia te afetou e como tens tentado superar a mesma?
Principalmente está a afetar a
passagem do disco para a estrada. Acredito que, com a exposição e as reações
que o disco tem tido, numa situação normal estaríamos neste momento com o Verão
carregado de datas, e neste momento ainda estamos a negociar coisas para maio,
porque os programadores só no passado dia 11 souberam a partir de que data
podiam começar a programar. De qualquer forma, o entusiasmo com que o disco tem
sido recebido (principalmente a canção Quando Nós Formos Velhinhos) tem
sido um grande antídoto para a ansiedade e para a frustração dos dias que
vivemos.
Mais
uma vez obrigado, Rogério! Queres enviar alguma mensagem para os teus fãs?
Quero acima de tudo agradecer as
centenas de mensagens e comentários que as pessoas têm deixado nas redes sociais
e nos comentários do vídeo Quando Nós Formos Velhinhos. Temos lido coisas
verdadeiramente enternecedoras e comoventes que se têm transformado num poderoso
combustível para o que aí vem!
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