Uma
vida inteira dedicada à música nas suas mais diversas formas! Mas sempre com
uma postura inovadora e arrojada capaz de criar os projetos mais desafiantes.
Vinte anos depois de Terra, o último álbum desse nome
maior do rock progressivo nacional que foram os Tantra, Manuel Cardoso
regressa com um novo e excitante projeto: Artnat. The Mirror Effect é o
nome do primeiro álbum e foi o ponto de partida para uma conversa com o
criativo músico. Ponto de partida, porque a conversa deu imensas voltas… como
num bom tema de prog rock!
Olá, Manuel! Obrigado pela
disponibilidade. Artnat é o teu novo projeto. Quando sentiste necessidade de
voltar às sonoridades progressivas e iniciar uma nova entidade musical?
Olá, Pedro. Bem, eu sou fundamentalmente, no que toca á
música, duas coisas. A primeira é um amante incondicional e apaixonado de toda
a boa música. A segunda é que sou fundamentalmente um progressive rocker.
Embora devido ao meu espírito aventureiro, que se reflete na minha carreira
musical, tenha composto tocado e gravado vários estilos, tenho uma tendência
inata e um gosto enorme em voltar à música e ao rock progressivo. E digo
música e rock porque o que os Tantra faziam e os Artnat
fazem não é só rock... é fundamentalmente música progressiva. A criação
desta nova identidade foi um processo natural que aconteceu nestes últimos 5
anos. Quando criámos os PSI eu e os músicos do grupo queriam fazer um rock
alternativo psicadélico. Com o correr das jams, das composições e
gravações dos dois CDs começámos a notar uma tendência para a evolução de
alguns temas para um rock quase progressivo, o que não era a área e
identidade dos PSI. Foi aí que decidimos separar as águas e formar os Artnat
com a inclusão do André Hencleeday que nos ajudou com a sua excelente
colaboração a completar o ambiente progressivo.
Até olhando para o nome da banda, Artnat,
que é Tantra lido do fim para o princípio, pode considerar-se este projeto como
a continuação lógica dos Tantra?
Sim, para mim o espírito e a meta são os mesmos. Obviamente
a época é outra e os músicos, com exceção do Gui da Luz, não são os
mesmos e por isso o resultado não é igual. Mas também não pretenderia que
fosse. Nada mais natural que a evolução da composição e da sonoridade. No
entanto manteve-se o gosto de compor estruturas complexas, melodias arrojadas e
belas e as jams inspiradoras.
Nesse sentido, porque não continuaste com
o nome Tantra, que é, afinal, um nome com tanta história?
Bom por várias razões. Por um lado, a forma de trabalhar e
os condicionalismos dos nossos tempos. Também a necessidade de me libertar do
nome dos Tantra e valorizar o nosso eventual sucesso apenas pelo valor
da nossa música. O que sendo um risco é também libertador e nos obriga a um leap
of faith e a assumir uma maior responsabilidade composicional e de
personalização da banda. E finalmente por respeito aos fantásticos álbuns e músicos
que fizeram dos Tantra um grupo reconhecido internacionalmente como de
excelência.
Mas as ligações entre os Artnat e os
Tantra não se ficam por aqui. Por exemplo, para a capa recuperas essa figura
meio alienígena que já havia aparecido nas capas de Humanoid Flesh e Terra...
Sim, claro. E não esquecer o ambiente da capa que é a
recriação atualizada em 3D da capa do Mistérios e Maravilhas. E sim, no
meu espírito somos a continuação no seculo XXI da linha deles. Mas sem querer
copiar ou reproduzir. Liberdade criativa total!
E depois tens um tema intitulado Return To OM, que, suponho, esteja
conectado com o OM presente em Holocausto, de 1978?
Foi de facto uma viagem minha ao passado. Senti uma
inspiração e revivi toda aquela época e saiu-me aquele tema que para mim é
muito especial e tem mesmo muito do que eu sou.
Entre o último álbum dos Tantra e este,
passaram cerca de 20 anos, sendo que não estiveste parado. Queres fazer uma
breve resenha da tua atividade ao longo desse período?
Bom, depois do Terra iniciei um projeto a solo de chill
out progressivo, Naked Traveler, em que toquei em festivais de transe
e que gravei em CD - Joyland. Depois estive à morte com uma bactéria ultrarresistente
e depois de me salvar quase milagrosamente decidi editar uma compilação de
todos os meus trabalhos e bandas até aquele momento. Foi uma Box Visions Of A
Lifetime com 3 CDs e um DVD. No DVD tinha quase tudo, áudio e vídeos, que
tinha feito desde o início incluindo gravações ao vivo dos Tantra, do Frodo,
maquetes e bandas em que toquei- Samurai, Frodo & The Scattered Bodies,
True Jam etc. Os CDs eram um de temas nunca publicados dos Tantra,
outro de canções minhas e o outro de temas progressivos e experimentais meus. Depois
criámos os PSI, fizemos dois CDs, ReEvolution e Undercover.
Fiz ainda um CD com o excelente pianista de jazz Emílio Robalo, COOL,
só de piano, sintetizadores, guitarras elétricas e acústicas. É algo entre o jazz
e a cool music.
Uma vez que foi uma fase em que tiveste
diferentes abordagens musicais, qual ou quais te deram maior prazer fazer?
Ui... É quase impossível de
escolher. Têm sido todos apaixonantes e maravilhosos. Se tivesse que escolher mesmo...
talvez os Artnat.
Relativamente a The Mirror Effect, quais foram os músicos
de que socorreste? Alguma estreia a trabalhar contigo ou tudo pessoal que já
vinha de outras aventuras musicais?
O Gui da Luz já vinha da formação dos Tantra
de 2000 do Terra. A Sara, o Paulo e o Samora vêm dos PSI e o André
Hencleeday é uma entrada nova.
Mas é um conjunto de músicos com
tendências muito diversificadas. Foi importante essa
diversificação para criar a sonoridade Artnat?
É verdade e tem sido muto interessante. A Sara e o Samora
vinham do metal, o Gui da música cósmica e experimental como sintezista,
eu do progressivo e de muitas outras, o Paulo da música alternativa e gótica e
o André da música erudita e eletroacústica. Uma combinação fantástica. É claro
que todos nós tivemos experiências fora destes campos também. E essa combinação
resultou num som muito personalizado. Não somos parecidos com nada nem com
ninguém.
É notória a importância das jams nas tuas criações musicais. Para
este álbum onde é mais notório esse aspeto?
No espírito das interpretações e na composição das
melodias e rítmicas dos instrumentos individuais. Grande parte das malhas
de todos os instrumentos vieram de improvisos que escolhemos como definitivos.
Como produtor tive influência nisso pois gosto de ver os músicos improvisarem e
depois escolhermos o melhor e então trabalhá-lo. Aliás, como também faziamos muito nos
Tantra.
Curiosamente, acabaste por colocar
algumas dessas jams como faixas
bónus. Qual foi o objetivo para esta opção?
Foi o de as pessoas ouvirem a jam original que se
transformou no tema e perceberem tanto a evolução do tema até ao resultado
final, como da própria importância dos improvisos na criação musical. É não só
uma curiosidade interessante, mas também uma proposta de análise de arranjo e
produção.
De que forma surge um excerto de Fernando
Pessoa em A View From Above?
O álbum embora não tenhamos feito alarde disso é um concept
album. É uma viagem entre o astral e a visionária de um ser em que cada
tema é uma visão e uma experiência extrassensorial ou multidimensional. No View
From Above o ente viaja pairando sobre um universo em que nos vê, os
humanos, na nossa vertigem existencial e na nossa verdadeira pequenez e
grandiosidade. Eu desisti de tentar escrever a letra e fui ter como mestre da
insaciabilidade da alma humana e pedi-lhe ajuda... e claro que ele respondeu.
Para além desse excerto, todas as letras
foram escritas por ti e pela Sara. Que temáticas são
abordadas?
A busca... o equilíbrio no desequilíbrio... a
transcendência e a escuridão... o sofrimento e o amor... a sublimação e a
dualidade... No fundo a
existência humana e a sua complexidade.
A pandemia acelerou o teu regresso aos
discos ou nem por isso? De que forma te tem afetado e como tens superado essa
situação?
Não senti grandes diferenças a não ser a ausência frustrante
de ensaios e jam sessions. De resto continuo a ter uma vida normal, pois
tirando os períodos em que estou com os músicos estou normalmente no estúdio a trabalhar.
Como tenho um espírito positivo não me tem criado problemas. É claro que estou
impaciente por voltar ao normal, mas sem me criar inquietações.
Obrigado, Manuel. Queres acrescentar mais
alguma coisa que não tenha sido abordado nesta entrevista?
Apenas que deveria existir um maior apoio de todos à música
underground e independente em Portugal. E não me refiro a nós, mas a
todos os trabalhos dentro dessas caraterísticas. Hoje em dia é muito fácil
fazer likes e pôr emojis simpáticos, mas os músicos precisam mais
de apoios reais que de simbologias. Não há uma contracultura sólida em Portugal
porque não levamos a sério o compromisso prático de a apoiar. E isso devia mudar pois sem contracultura a
evolução é lenta e de tendência monolítica. E a evolução é o perfume da vida...
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