É bem verdade: não é todos os dias que se entrevista um
Deus Vilão... mas nós tivemos essa oportunidade e não a desperdiçámos. O
misterioso projeto nacional God Villain tem o álbum Down To Earth a circular. E tem um
plano para gradualmente o ir apresentando. O Halloween foi um bom
pretexto para um tema que nem faz parte do álbum, mas a estreia ao vivo,
prevista para fevereiro, promete ser algo inesquecível. Vamos ver o que este
Deus Vilão tem para nos dizer.
Olá, tudo bem? Antes
de mais, em que consiste este misterioso projeto intitulado God Villain? Podes fazer uma breve
apresentação e falar dos objetivos que nortearam quando iniciaste esta
caminhada?
Olá, Pedro. Antes de mais, muito
obrigado pela entrevista. Não é todos os dias que se entrevista um Deus Vilão
como eu. Os outros têm sempre demasiado tempo de antena. E ao dizer-te isto
estou, de certa forma, a apresentar-me. Eu sou o God Villain e tudo
surgiu em 2019. Eu tinha parado de fazer música, completamente desiludido com a
Humanidade e com a minha própria existência, repleta de sonhos desfeitos e
doses cavalares do same mistake over and over again. Mas sabia que se um
dia voltasse, voltaria lúcido, mais down-to-earth,
sabia que iria abordar esse meu caminho todo sem filtros, usando-o para
transmitir uma mensagem positiva. A falta de empatia num planeta com 8 biliões
de seres-humanos é uma das razões para eu voltar, "descer à Terra",
voltar a fazer o que eu amava fazer antes deste mundo cruel me corromper
completamente. O primeiro objetivo, antes de qualquer desenvolvimento do projeto,
era provar a mim mesmo que ainda era capaz, e isso só foi possível graças a uma
mudança, uma revolução mental que foi bem trabalhada a nível pessoal e
espiritual, que me deu a força necessária para me tornar no God Villain,
uma entidade intocável e indomável, que chega aqui para inspirar quem precisa
de inspiração.
Antes de God Villain já tinhas tido outras experiências
musicais? Que know-how
trouxeste para esta nova aventura?
Sim, estive em vários projetos ao longo
dos anos e o que essa experiência toda me trouxe foi, acima de tudo, sabedoria.
Ter a perfeita noção do que não quero. Não quero pessoas tóxicas à minha volta,
não quero amigos da onça, não quero fazer o que gosto rodeado de gente que fala
mal de mim pelas costas e que cara a cara me diz "És o maior! És uma rock star!". Porque um dos pontos
fulcrais de God Villain é exatamente não permitir que me vilifiquem mais
do que eu quero ser vilificado. É como uma daquelas histórias do Iggy Pop,
em que ele estava num bar, alguém queria oferecer-lhe uns socos e ele começou a
dar socos a si próprio. A pessoa, a partir desse momento, perdeu qualquer
satisfação/propósito em querer magoar o Iggy Pop. Se tirares a
satisfação à violência, ela perde o propósito, é apenas um ato vazio. Então, um
dos truques God Villain é esse. Eu não me deixo atingir mais do que
quero ser atingido. Isso ajuda-me a manter o foco no que realmente interessa,
que é a música e a mensagem positiva camuflada numa aparente mensagem negativa.
Isso tudo se reflete na música, então, até o ato de tocar e gravar se tornou
mais wise.
Down To Earth é a tua primeira aventura musical com
God Villain e já está disponível desde junho. Como têm sido as reações?
Para já, as reações têm sido poucas, mas
boas. Tem acontecido tudo exatamente como eu previ: pouca gente se pronuncia em
relação ao álbum, mas as pessoas que se pronunciam usam expressões fortes como
"Este álbum está incrível, obrigado por isto.”. As pessoas, neste momento,
precisam de uma injeção de boa música como precisam de sentir que há esperança
e que o melhor da vida delas está por vir. Por outro lado, não atentam ao que é
novo, porque nos dias de hoje, em que tudo é descartável ninguém se interessa
por álbuns complexos, pois, por mais que as canções sejam simples é preciso
perder tempo a ouvir para assimilar tudo o que envolve a obra. À primeira
impressão, este álbum oferece demasiadas opções, 13 canções distintas, a
balada, o rock ‘n’ roll, a acústica,
o dark rock, funk, dance rock... É normal
que demore a entrar. Acredito que o álbum ainda vai ser muito falado e muito
ouvido, estamos apenas no início de uma longa viagem, tudo acontece de forma
gradual, tudo o que tem valor tem de ser assimilado de forma gradual. Não quero
ser vítima de um sucesso instantâneo, não quero ser como aquele vilão do cinema
(ficcional, mas que representa o vilão real), que promete criar um império, mas
que depois morre sempre no final. Nessa lógica, prefiro ser como um Deus,
omnipresente, que as pessoas evocam em momentos de "procura de boa
energia" - ouvindo a minha música hoje, ou daqui a 50 anos. Eu já não
penso daquela forma arrogante e utópica de outros tempos, de "querer mudar
o mundo enquanto God Villain", mas espero fazer aquela pequena
diferença que cada um de nós deveria querer fazer, na vida. A minha satisfação
é plena ao saber que influencio a vida das pessoas em apenas 4 minutos. As
pessoas identificam-se com certas mensagens e sentem que não estão sozinhas na
batalha mental que travam todos os dias. Dá-lhes força, alento. Se toco o
coração de apenas 2 pessoas, my job is
complete. Continuarei a minha viagem musical sempre, não consigo existir de
outra forma.
Todo o projeto está envolvido numa certa áurea de
misticismo. Qual é o conceito por trás do projeto e, naturalmente, subjacente a
este disco?
Existem vários conceitos dentro do
conceito, mas acima de tudo tem a ver com querer passar uma mensagem muito profunda
de forma muito simples: neste mundo feito para vilões, o homem íntegro é visto
como a ameaça. Então, é rotulado de vilão. Será que as pessoas conseguem ver
para além desse rótulo que lhe é imposto? Será que ainda conseguimos usar a
Consciência, não no sentido moral do bom/mau, mas no sentido espiritual, de
sabermos que temos dentro de nós algo que nos transcende, e que a verdade é
profunda... mas está flagrantemente à nossa frente? Será que ainda conseguimos
passar uma rasteira às Ilusões que tentam desviar-nos todos os dias do que
realmente interessa? Isso tudo está presente neste álbum, mesmo quando parece
que estou apenas a cantar sobre um amor perdido. Cada um decide o que quer ver,
ou quão profundo está disposto a ir. Daí God Villain ainda não ter uma
cara, uma identidade visual. O objetivo é fazer pensar e dar espaço para as
pessoas chegarem a vários sítios, sem a influência de uma imagem estereotipada.
Nos dias de hoje, a falta de uma cara associada à música cria uma certa
confusão e até desinteresse do público, mas é aí que quero chegar: todos nós
acabamos por ser, de uma maneira ou de outra, um God Villain. Basta cada
um pensar no seu dia-a-dia, para perceber que não faz 10% do que gostaria de
fazer na sua vida. As nossas vidas são anuladas para servirmos os interesses de
"outros", e ainda somos agredidos de todas as maneiras por isso. Eu
tenho as minhas razões para me sentir vilificado, tu tens as tuas. Eu escrevi
as canções, mas sinto que as canções foram escritas por toda a gente, estando
todos na mesma condição - a humana - eu apenas canalizo esses sentimentos nas
canções e "trago-as para a Terra".
De alguma forma pode também ser considerado um
álbum/projeto pessoal ou mesmo autobiográfico? Em que sentido?
O álbum é autobiográfico, mas sempre com
uma mensagem universal. Canções como Euphoria Fuss e The Villain Song
estiveram na prateleira durante anos, e foram incluídas no álbum precisamente
porque fazem parte dessa longa jornada até à minha "libertação
mental". Se as escrevesse hoje, as letras seriam completamente diferentes,
por exemplo. Eu reestruturei o que faltava para as canções estarem prontas para
serem lancadas neste disco. Por vezes as canções precisam de ficar em standby, se eu não lhes consigo dar
sentido num determinado momento, espero que o sentido vá de encontro a elas, e
tudo se torna fácil, por ser um processo natural. Será sempre um projeto
pessoal, um projeto a solo porque sou eu que crio as canções, eu sou “o God
Villain”. Já apanhei algumas situações em que partilharam algo meu, a dizer
"aqui estão os God Villain". É normal, nesta fase de mistério, as
pessoas acharem que é nome de banda. Soaria igualmente bem, na minha opinião!
Toda a criação musical, lírica e de conceito está
centrada em ti. Sentes-te confortável nessa situação?
Sinto, porque o intuito é precisamente o
inverso, ao ser God Villain e ao escrever sobre experiências minhas,
estou a representar um lugar comum, estou a representar muita gente, estou a
representar um ser que passou por dificuldades, que está sempre a ser posto
para baixo, mas que ao longo desse caminho todo vai conseguindo, aos poucos,
encontrar a porta para a sua Consciência, onde pode ser ele próprio, entendendo
tudo o que está à sua volta de forma bastante lúcida, emancipando-se de tudo e
todos os que sempre lhe fizeram mal. Podes ouvir e sentir isto no tema final, Thalamic Gate. Este álbum é precisamente
uma viagem de batalhas mentais, do primeiro ao penúltimo tema e, no último, a
conclusão de que não é mais necessária essa turbulência toda, e que precisamos
de unfuck ourselves, aceitar e
abraçar o que é bom e perdoar o que há ou houve de mau. Está tudo ligado, a
piada toda da obra é que há sempre algo por descobrir, porque as ligações
líricas, visuais e musicais estão muito bem pensadas e executadas, de forma
muito simples e subtil. Nos dias de hoje é tudo fácil, não existem mais enigmas para
desconstruir, não se deixa nada para a imaginação. Eu quero continuar a
contrariar isso. A nível do processo criativo propriamente dito, não é nada
confortável ter essa responsabilidade toda em cima de mim, porque depois começo
a viver só aquilo e a minha mente torna-se ainda mais caótica. Mas eu não quero
estar confortável. Se quisesse, não teria descido ao planeta Terra. Ou subido.
Podes falar dos vídeos que foram feitos a partir dos temas
de Down
To Earth?
Sim, os vídeos têm um papel fundamental
porque, como te digo, também eles têm as suas ligações, mas é preciso analisar
muito bem... é tudo feito de forma a não dar respostas “de mão beijada”,
perderia o interesse. A ideia é veres os vídeos vezes sem conta até perceberes
o mundo e o estilo God Villain, ou até dares o teu próprio sentido
àquilo tudo. Todas as canções do álbum têm um lyric video, que vou lançando gradualmente. Ainda faltam 5. Mas
esta importância dos vídeos começou a ganhar forma com a gravação do videoclipe
para a Far Gone Youth em Marrocos. Eu
queria captar uma cultura e uma realidade completamente diferentes da nossa, para
expressar que somos e agimos todos da mesma forma, estejamos onde estivermos,
temos as mesmas esperanças e as mesmas ilusões e interagimos com genuína alegria
uns com os outros quando estamos ligados pelas mesmas leis universais: amor e
música. E, no fundo, a ida a Marrocos foi a minha procura por uma viagem
espiritual, por uma catarse, ou por uma esperança renovada na Humanidade, a
inspiração que eu precisava para me tornar mais down-to-earth, e sair de lá com outra força para embarcar nesta
longa viagem que será God Villain. O segundo videoclipe é da Trick Or Treatment, o 1.º single
oficial do disco, que conta com a Liliana Garcia, uma artista de dança
que já esteve para trabalhar comigo há uns anos, e agora a oportunidade ideal
surgiu. A canção fala sobre uma mulher que quer estar contigo pelos teus
talentos, mas depois vai-se revelando uma mulher sem conteúdo, vivendo de clichés, que só te quer moldar à maneira
dela, vivendo na constante Ilusão, então a ideia para o clipe era
simplesmente ter uma mulher a fazer uma performance sem coreografia
especifica (sem conteúdo) mas a responder ao meu sarcasmo... com sarcasmo,
através das expressões corporais e faciais. Foi tudo feito assim, sem script nenhum, e visualmente muito
inspirado no Death Proof do Tarantino.
Senti que precisava de algo simples, para contrastar com a complexidade toda do
que tenho vindo a lançar, e do que ainda vou lançar. Está a ser preparado um
terceiro videoclipe para 2022, para completar a trilogia. Falarei dele na
altura certa!
Para além de ti, quem colabora neste projeto/álbum?
Tive comigo os Rock Gods Gonçalo
Salta (Jimmy P, The Acoustic Foundation) na bateria e Pedro
Santos (Clã, Miguel Araújo) no baixo, eles gravaram o álbum
comigo. Os melhores no seu instrumento, que entendem bem a minha linguagem
musical, nem foi preciso discutir muito sobre a abordagem das músicas, simplesmente
gravámos. O sound design do álbum
ficou entregue a Pete Bedeville, um homem de Reading (UK), que se recusa
a viver para o mainstream, gosta do som cru, e de estar fechado a
trabalhar... O artwork foi criado por
Travis Ballard, de Londres, um artista visual habituado a ver de tudo,
mas que prefere sempre ir pela simplicidade de uma imagem com mensagem forte,
como se pode ver nos vídeos que produziu. Muito inspirado pela zona de Dalston,
em Londres. Um sítio que parece muito cool,
artístico, mas à medida que vais andando pela rua começas a ver a decadência
toda a surgir gradualmente. É essa sujidade/grão no ar de Dalston Kingsland que
se pode ver nos vídeos. Pete Bedeville e Travis Ballard são os
meus heterónimos, que têm vida própria, mas fazem parte de mim. Pode dizer-se
que são os meus outros lados artísticos. Quando eu produzo música tenho um mindset um pouco diferente do de músico;
quando penso o artwork ou o cenário
de um vídeo estou noutro mindset;
isto requer que eu esteja mais sensível ou alerta para outros pontos, outras
atenuantes. Esses mindsets vêm todos
da mesma pessoa, mas sou um ser que usa vários chapéus e tenho esta tendência
de criar personagens, porque agrada-me mais o conceito de equipa do que o
conceito de one-man-show.
Simplesmente sabia que tinha de ser eu a tratar de tudo para que as coisas
andassem para a frente no timing pretendido, e para certificar-me que God
Villain nascia exatamente como eu o tinha concebido na minha mente. Eu
sabia, também, que não podia ter um primeiro álbum melhor do que o segundo,
então fiz questão de me desviar de qualquer big
production, a pensar cirurgicamente no segundo álbum. Portanto, a ideia é,
daqui para a frente fazer tudo com o máximo de colaborações possível, para God
Villain subir mais um degrau.
Ainda agora lançaste o tema Hellelujah, que tem a
particularidade de ter sido o primeiro gravado por God Villain. Porque não foi
incluído no álbum?
Surgiu a oportunidade de ir gravar uma
música no Estúdio Elétrico em 2020, uns dias depois de eu voltar de
Marrocos e acabei por escolher essa por ser de fácil execução, para quebrar o
gelo entre mim e o processo de estúdio, porque eu já estava a montar o projeto God
Villain nessa altura em segredo, mas não gravava num estúdio havia algum
tempo, então quis voltar à rotina, aproveitando para começar a trabalhar com o Gonçalo
Salta, que poucos meses depois gravou as baterias todas do álbum. Sempre
menosprezei a Hellelujah por achar
que tinha uma mensagem demasiado in your
face e que não encaixava bem com as 13 canções do álbum. Mas, como em tudo,
às vezes, é preciso afastarmo-nos do que criamos para perceber o que nos levou
a fazê-lo, e na verdade a Hellelujah
fala flagrantemente do que é sermos a ameaça num mundo que está construído por
e para vilões. A canção tem toda a ver com God Villain, apenas não se
encaixou no Down To Earth pelo approach vocal que tem. No álbum, tenho
13 temas muito diferentes uns dos outros, mas que fazem todo o sentido juntos.
Pareceu-me bem guardar esta para uma ocasião especial e, às vezes não temos
ideias, mas as ideias vêm ter connosco, então o Halloween pareceu-me o contexto
ideal para lançá-la da forma sarcástica que tanto adoro.
E porque a escolha do Helloween para este lançamento?
Porque no Halloween os humanos querem
fugir à sua rotina diária do uso de várias máscaras, para poderem usar uma
máscara dita "aterrorizante" durante umas horas. Na minha perspetiva,
as máscaras que somos obrigados a usar na nossa vida (máscaras no sentido
figurado) são tão ou mais aterrorizantes do que as dos personagens de terror
usadas no Halloween. Achei hilariante lançar uma música sem filtros na mensagem
– máscaras – e com um vídeo sem… cara. O próprio título Hellelujah é cómico,
porque em vez de estar a louvar vilões com Hallelujah’s (o que vejo a ser feito
todos os dias), estou a mandá-los a um certo sítio, com alguns Hellelujah’s.
Comédia na tragédia e um bom jogo de palavras são duas coisas que vão sempre
bem juntas, na minha opinião.
O teu primeiro concerto está agendado para 12 de
fevereiro do próximo ano. Podes contar-nos tudo: onde vai ser, como vai ser, o
que estás a preparar…
Depois do primeiro objetivo
cumprido, de não mostrar a cara e fazer com que as pessoas ouçam a música e
reflitam sobre a mensagem, passamos à fase seguinte: a primeira Aparição.
Chamo-lhe de Apparition Tour 2022,
porque vou aparecendo ao longo do ano, sem anunciar uma lista de datas. A
primeira aparição será no CCOP (Círculo Católico de Operários do
Porto), no dia 12 de fevereiro, e conta com várias surpresas, desde a
entrada no edifício até ao palco, e conta também com a já anunciada presença da
grande Mónica Ferraz. Fazer algo com ela em palco tem sido um daqueles
pensamentos recorrentes na minha mente ao longo dos anos, e finalmente irá
acontecer. O concerto será todo gravado e filmado, portanto, quem quiser
testemunhar a Aparição e fazer parte de um momento de comunhão importante entre
humanos que amam música e que ainda fazem questão de viver uma vida repleta de
interação e da boa energia dos átomos (sem divisões)... aprontem-se para o
evento, porque vai ser muito bonito, diria até, Transcendental. Os bilhetes estão à venda na plataforma
BOL.PT, FNAC, nos locais habituais.
Muito obrigado! Queres acrescentar algo mais ao que foi
abordado?
Dizem que um bom mágico nunca revela os seus truques. Eu acho que um bom mágico só revela os truques que quer, quando quer, sempre com um propósito. Revelei aqui alguns, e agradeço-te a oportunidade, Pedro! Se fores ao concerto, terás lá um bilhete à tua espera. Rock on.
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