Puramente instrumental e
composto por cinco longos temas que partem dos post-rock, mas que
também incluem momentos ambientais, experimentais e até doom, Visceral
é o mais recente disco dos Fere, lançado no final do ano passado. Fere é uma
banda inovadora, que não vira a cara a outros projetos, mesmo que completamente
fora-da-caixa e por isso fomos contactamos o agora quarteto, para uma conversa
profunda e que ultrapassou as fronteiras musicais.
Olá, pessoal! Obrigado pela disponibilidade! Os Fere são
uma entidade nova, mas já carregados de experiências diversificadas, não é
verdade? Quanto a Visceral,
é o vosso segundo álbum. Quando o começaram a compor e qual foi a abordagem
para esta obra?
Sim, temos algumas experiências, como bandas sonoras para teatro e
trabalhos conceptuais, como foi para o GNRation em Braga, em 2019 e para
o BINNAR este ano passado. Este álbum foi todo ele difícil, começado a
compor pouco antes da pandemia e… A sua temática não perdoou à alma da banda. VISCERAL
é o segundo álbum dos FERE, já temos em carteira os trabalhos conceptuais... Que talvez saiam um
dia em formato físico.
Foi um trabalho marcado por uma pandemia. Acham que
influenciou de alguma forma o produto final?
A data de lançamento apenas. A pandemia matou muitas bandas, e o FERE saíram dela
bastante amassados. Inicialmente conseguimos manter as forças e o ânimo. Depois
passamos meses sem acesso ao nosso material, fechado numa sala de um centro
comercial. NINGUÉM quer saber das bandas deste estrato. Toda a gente pensou em
ajudar os músicos (que estão sempre a ser ajudados). Os que estão sempre na
televisão, os que tem sempre airplay; os que estão sempre nos festivais.
Toda a gente falou nos roadies; e pessoal técnico que asseguram os espetáculos,
que deixaram de receber ordenados, e ainda bem. Ninguém falou nas bandas que
levam música aos bares das cidades e pequenas casas; ninguém quis saber das
bandas que não são os cabeças de cartaz, são as bandas que engrossam os
festivais, o que fazem as primeiras partes; os que pagam tudo do seu bolso. Bandas
como os FERE, tantas, deixaram de ter palco, mas continuaram a compra material, a
pagar o aluguer das salas, a tentar manter-se à tona. À exceção do BINNAR
não tivemos um único convite para tocar. Pior, festivais que se tinham comprometido
connosco, já anunciaram este ano o regresso e não nos disseram nada. Isto é
transversal a todas as bandas do nosso estrato e esta mácula na música
portuguesa ainda não se falou, ou veio ao de cima... Ainda está tudo
adormecido.
Fere começou como um quinteto. Quando e por que razão
passou a quarteto?
Na realidade não se passou nada. A “quinta” ou “primeira” pessoa quis ir
à sua vida e foi. Se hoje aparecesse na sala de ensaios, pegasse na guitarra,
seria como se fosse ontem e nada seria questionado. O FERE têm sofrido
mutações na sua estrutura. De repente percebemos que mais que quem está ou sai,
FERE é para
além de nós. Uma centelha na música que quem quer se chega à frente e quer
tocar connosco, e um dia chega que quem quer, ou precisa, se afasta para outras
coisas. Acima de tudo há a música que fazemos e quem quiser fazer comnosco é
bem-vindo.
Essa mudança implicou alguma alteração na abordagem
composicional ou não?
Inicialmente foi estranho, e depois percebemos que as mudanças são sempre
novos Universos a chegar.
Ainda antes de lançarem o primeiro álbum, apresentaram
uma banda sonora de uma peça de teatro. Como se proporcionou essa experiência?
Estávamos para entrar em estúdio, com a CaosArmado do Dani e o nosso guitarrista falou num convite que estava na mesa e,
mesmo sem saber sobre o que era; com quem; e onde; quisemos avançar e não
perder a experiência. Adiámos o estúdio e lá fomos a uma das melhores
experiências da nossa vida - Nunca Mates o Mandarim – do TEP,
apresentado no T. N. de S. João.
Há planos para voltar a fazer algo semelhante?
Fizemos o Magnólia, para o trabalho de casa do GNRation; o Inverno
– para o Binnar. E estamos sempre dispostos a fazer mais trabalhos.
Achamos mesmo que é o que nos dá pica, ter objetivos. Coisa que a pandemia nos
tirou.
A propósito de Magnólia, um trabalho encomendado pelo GNRaction
com textos e palavras de Adolfo Luxúria Canibal. Em que consistiu, realmente, este
projeto? É também algo para continuar?
Como já dissemos antes, estamos sempre abertos a desafios novos. Adoramos
trabalhar com o Adolfo. Aprendemos tanto. É um titã da música. Um dos maiores
escritores e uma pessoa excecional. Nisso, somos abençoados pelas diversas e
maravilhosas experiências que temos tido, queremos mais, claro, muito mais! Venham
a nós todos os All Tomorrow Parties.
Visceral pode ser considerado como a continuação
logica da sonoridade praticada em Montedor?
É uma pergunta difícil... Há uma continuidade, a nossa negritude, o nosso
conforto com a escuridão. Num há o mar, o outro, VISCERAL, explora a
memória no seu absoluto... É um disco assombrado.
O álbum é totalmente instrumental. Nunca sentiram
necessidade de incluir palavras na vossa música?
Elas estão lá! Percebemos o que queres dizer, e olha, o Adolfo pôs “essas
palavras” que falas, fisicamente na nossa música. Estamos abertos a isso,
sempre. Por outro lado, esta pergunta, leva aquela discussão de perguntar à
música clássica se não sentiram falta de lá pôr uma voz... Como dissemos antes, a voz está lá e é a tua.
As pessoas são mimalhas, e cada vez mais querem o imediato, com o êxtase da
tecnologia. Tudo ali e agora na ponta do dedo. Ironicamente, nunca se achou que
ao chegar o dia em que a informação e o acesso a ela ia ser tão vasto e fácil,
se transformaria em preguiça e ignorância. Repara, as pessoas já nem ouvir
música sabem. Compram uma coluna Bluetooth, a preços absurdos e esperam
tirar dali uma experiência sonora positiva. Enganadas pelo loudness e o boom
da JBL MegaHigaWonderblastic perdem mais de metade da experiência, sem
uma panorâmica stereo real. No outro dia vi um leitor de vinil ligado a uma
coluna dessas... E pensei, - “Olha, estão a servir CRF Reserva em copos de
plástico”. Sejam contemplativos, oiçam música. Quando escutas uma música
instrumental, estás a imprimir-lhe as tuas sensações e sentimentos, e se te
permitires, vais ouvir a letra dessa música, tua e exclusiva. Se reparares, não
há nada mais universal que isso. Acreditamos que isso é a experiência
primordial quando fazemos e escutamos música, não precisas que ninguém te dite
uma letra, para que sintas alguma coisa.
Desta forma, que critério usam para dar títulos aos
temas?
Se sentares um grupo de pessoas a ouvir, ou compor uma música e no final
lhe pedires que escrevam sobre o que sentiram ao fazê-lo, depressa chegarás à
conclusão de que a música é mesmo uma linguagem Universal.
Têm alguma coisa planeada para palco nos próximos tempos?
Não falta vontade e música para ir para os palcos, faltam é convites.
Muito obrigado, pessoal! As maiores felicidades! Querem
acrescentar alguma coisa que não tenha sido abordada?
É graças ao trabalho de pessoas como o Daniel
Makosh (Raging Planet) e a Fátima de Abreu
Ferreira (que nos fez o vídeo), que andamos aqui e temos
alguma visibilidade. Ajudem as bandas que não têm airplay na Antena 3; que não são
cabeças de cartaz nos festivais, mas que, se calhar, até fazem música muito
melhor que a que nesses sítios acontece. Oiçam música e sejam bons uns para os
outros, a civilização atual já é uma boa merda sozinha, não precisam de acrescentar
nada. Obrigado pela entrevista, Pedro.
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