Entrevista: Tiago Torres da Silva

 

Tiago Torres da Silva é escritor e encenador de espetáculos teatrais e dirigiu espetáculos de grandes cantores portugueses e brasileiros e muitos para a televisão. Escreveu letras de canções para mais de uma centena de cantores, nacionais e do Brasil, Cabo Verde, Espanha e Cuba. Pelo conjunto da sua obra recebeu o Prémio Amália em 2011, sendo que também foi galardoado com outros prémios, como o Troféu Maria Severa (melhor letra) e prémio de melhor poema no concurso das Marchas de Lisboa em 10 anos. É, ainda, autor de vários livros, mas o que nos levou à conversa com este escritor e letrista é o concerto que reúne três vozes que interpretam os seus poemas. Acontecerá a 23 deste mês, no Coliseu dos Recreios, onde Joana Amendoeira, Marcos Sacramento e Nuno Guerreiro apresentam os seus novos álbuns e homenageiam o poeta.

 

Olá, Tiago, obrigado por despenderes algum tempo com Via Nocturna. Para começar, conta-nos o que se irá passar a 23 de março no Coliseu?

A apresentação de 3 discos onde eu tive o privilégio de escrever todas as letras: Os mais recentes álbuns de Joana Amendoeira, Marcos Sacramento e Nuno Guerreiro. Vai ser um espetáculo muito variado onde caberá fado, samba, pop, rap, baladas com uma grande riqueza rítmica e tímbrica porque as três vozes são bem diversas e bem particulares. 

 

De que forma se proporcionou a realização desse espetáculo?

Foi ao constatarmos que os três álbuns, que me tinham como elemento unificador, estavam para ser apresentados ao vivo que resolvemos fazer uma coisa maior onde as cumplicidades e as particularidades dos cantores pudessem trazer uma riqueza grande a um repertório que muita gente irá escutar pela primeira vez. 

 

Ao longo dos anos – 30, mais concretamente – tens escrito para muita gente. Aliás, és o letrista português mais gravado internacionalmente. Como foi esse processo ao longo de todo este tempo?

Sempre me movi dentro da língua portuguesa como se ela fosse minha pátria. Por isso, foi com naturalidade que comecei a escrever em português do Brasil. O meu interesse pela cultura de além-mar também facilitou essa história de amor que me fez escrever para gente tão diferente como Ney Matogrosso, Simone, Maria Bethânia, Daniela Mercury, Seu Jorge, Olívia Byington, Elba Ramalho, Mônica Salmaso, Zeca Baleiro entre tantos outros. Depois comecei a escrever letras em espanhol e cheguei à voz abençoada de Omara Portuondo. Depois veio o crioulo... mais recentemente o francês... não sei o que virá a seguir...

 

E já agora, de que forma é que vês este reconhecimento por todo este teu trabalho?

Com um misto de gratidão e incredulidade. 

 

Em que te inspiras quando escreves? E buscas inspirações diferentes para diferentes artistas ou tipos de orientação musical?

Eu gosto de ter a música antes da letra. A melodia inspira-me muito. E preciso de saber quem a vai cantar. É a minha terapia: procurar em mim o que possa ser o outro. E o maior aplauso acontece quando o cantor se identifica plenamente com a letra que vai cantar. 

 

Já agora, quais são as principais temáticas são abordadas nas suas letras?

Não sei bem dizer. Eu olho pouco para o que escrevo. Mas acho que há muitos rios no que escrevo. Numa peça de teatro escrevi “os rios são maiores do que o mar porque correm”. Interessa-me muito essa ideia de movimento, de impermanência de que os rios são grande metáfora. Interessa-me também muito a ideia de despedida. O adeus é um lugar onde tudo pode acontecer (inclusivamente nada). O adeus é como uma negação do tempo. E o tempo é o grande tema!

 

Este concerto também é especial porque os seus participantes (Joana Amendoeira, Marcos Sacramento e Nuno Guerreiro) aproveitam para apresentar os seus novos trabalhos. Onde também contribuis, suponho?

Como disse, escrevi todas as letras dos novos discos dos três. No disco do Nuno - Na Hora Certa - todas as músicas são da autoria de Pedro Jóia, no disco do Sacramento - Caminho Para o Samba - todas as músicas são da autoria do próprio Sacramento, no disco da Joana - Na Volta da Maré - todas as músicas são de Fred Martins que será nosso convidado especialíssimo no Coliseu. Todas as palavras que se escutarão naquela noite são de minha autoria, à exceção de um tema que eu próprio irei interpretar e que é uma declaração de amor à língua portuguesa. Todo o espetáculo é sobre amar a língua portuguesa nos seus múltiplos sotaques. 

 

Atualmente, em que outros projetos estás envolvido?

Acabou de ser lançado o novo disco de Dulce Pontes onde escrevi Na Língua das Canções, nos próximos dias será lançado o da brasileira Simone com Nua que fizemos juntos. O fadista Zé Maria acaba de lançar um Fado Alcântara com letra minha. Mísia prepara-se para lançar Animal Sentimental onde escrevi algumas das letras. Há sempre muito movimento na minha vida... é o rio... o movimento... a impermanência...

 

Obrigado, Tiago. Queres acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado?

Não se assustem por este espetáculo ter um letrista à frente. Isto não é um “recital de poesia”. O que vão ver é um espetáculo com três bandas, com muita diversidade, muita alegria, muita emoção... e é um encontro único e irrepetível. Será uma noite muito especial, tenho a certeza. A gente sente isso a cada encontro, a cada ensaio, a cada conversa que temos.

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