Entrevista: Marta

 


Montebello é título que nos remete, e com razão, para a conhecida cadeia de hotéis. E como tudo na vida tem uma razão de ser, também este título, algo inesperado, do primeiro trabalho a solo de Marta, tem a sua razão para ter sido escolhido. Independentemente disso, Montebello é a estreia a solo da voz dos The Acoustic Foundation, naquele que é um verdadeiro conjunto de canções que mostra quem é e por onde passou a cantora nortenha.

 

Olá, Marta, como estás. Depois de teres dado a cara e a voz pelos The Acoustic Foundation, o que te motivou a avançares em nome próprio para um álbum?

Há muitos anos que sentia este apelo, de mostrar um lado mais pessoal, mais íntimo. Continua a haver espaço para as minhas bandas, mas é um espaço mais coletivo. Passei por uma fase negra e senti-me subitamente inspirada para escrever letras que não faziam sentido nos The Acoustic Foundation. A partir daí, tornou-se evidente que era altura para avançar com o projeto em nome próprio.

 

O que difere esta tua prestação das tuas prestações anteriores, aqui se incluindo as tuas colaborações com outros projetos, quer em estúdio quer em palco?

Só o facto de falar em “mim”, depois de tantos anos a falar em “nós”, já marca uma diferença significativa. Toda a restante envolvência reflete isso: a imagem, a definição do rumo das canções, uma postura mais destacada no palco. É claro que continua a haver uma equipa, mas, para o bem e para o mal, essa equipa tem o meu nome.

 

Para esta aventura a solo, alguns dos músicos são os mesmos dos TAF, certo? Mas há sangue novo na formação que te acompanha?

Sim e sim! Há músicos com quem trabalho há muitos anos e que considero o meu “porto seguro”, porque crescemos juntos musicalmente e eles sabem o que pretendo quase sem falarmos. Mas estávamos a pisar novos terrenos à medida que íamos compondo e fui percebendo que as sonoridades pediam outras camadas. Daí termos recorrido ao scratch do Disca-Riscos, com quem queria trabalhar há já vários anos, e aos teclados do Marco Santos, um dos mais talentosos da nova geração.

 

Porque Montebello? Como surge este título e qual o seu significado?

Passando a publicidade, quase todas as letras foram escritas no Hotel Montebelo Vista Alegre, em Ílhavo. Um refúgio que me conseguia pacificar os dias mais angustiantes, a olhar para a Ria de Aveiro ou a perder-me nas ruelas do antigo bairro da Vista Alegre. E porque o nome do hotel coincidia com a montanha de emoções que me guiavam a uma das minhas mais belas obras, acabei por adaptá-lo e adotá-lo para nome do disco.

 

Pode, então, afirmar-se que este Montebello é uma perfeita representação do quem é a Marta, em temos artísticos?

No meu primeiro videoclip, Give It To Me, a Margarida Tangerina conseguiu ilustrar de forma genial aquilo que sinto em relação a isso: não somos nunca uma só pessoa. Em dias diferentes, sentimos diferente e agimos diferente. Nesse aspeto, acho que Montebello me retrata na perfeição, tanto a nível da mescla de estilos, como, acima de tudo, da mescla de estados de espírito. Agora, continuo a achar que também sou muito do que passo em TAF ou noutras aventuras mais “festivas”. Aliás, há um amigo meu, artista de primeira linha, que diz que não me reconhece no lugar mais angustiante de Montebello. Mas o certo é que estive lá e que me faz muito sentido apresentar este trabalho, também como forma de não voltar a cair.

 

Em termos líricos, também aproveitas para mostrares quem é a Marta realmente?

Mostro uma face (ou várias) e mostro muito do que vivi nos últimos anos. Acho que nunca tinha conseguido escrever tão diretamente da alma e as pessoas têm-se identificado com essa sinceridade. Até porque este conjunto de estórias não é só meu, é comum a várias outras mulheres.

 

Este conjunto de temas foi composto especificamente para este álbum ou são ideias que foram crescendo contigo ao longo dos anos?

Foi uma fase particularmente produtiva; os temas nasceram para o álbum e há alguns que até acabaram por ficar de fora. Foi um ano de composição, ainda antes da pandemia. Vou tendo algumas ideias na gaveta, algumas frases que depois desenvolvo para letras, mas gosto de as ir materializando em músicas logo que possível.

 

Para a produção, trabalhaste com o francês Colin Girod. Como foi trabalhar com ele e que inputs ele trouxe ao projeto?

Fui-me cruzando com o Colin nos últimos anos, desde que se radicou no Porto, e sabia que ia querer trabalhar com ele um dia. Fomos para estúdio com algumas ideias concretas, mas acabou por ser fácil deixar que se tornasse mais um elemento criativo e muitos dos temas têm ideias ou abordagens trazidas por ele. Nunca me vou esquecer das maratonas de estúdio, primeiro na Maia e depois no Porto, em que nem para jantar parávamos, sem que ninguém se lembrasse disso!

 

Deste álbum já foram retirados 4 singles, certo? Porque a escolha desses temas em particular?

Certíssimo: Give It To Me, Hole In My Soul, Hot Mess, Meant To Be. Como te dizia, compusemos antes da pandemia e começámos a gravar também antes da pandemia. Quando finalizámos o álbum, vemo-nos num período em que não há concertos, a promoção está parada, o mundo está parado. Foi muito difícil gerir a vontade que tínhamos de mostrar as músicas e perceber os timings certos para o fazer. Acabámos por decidir que o Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2021, seria a data para o primeiro single. Escolhemos Give It To Me, por ser um dos temas de “rotura” com os meus trabalhos anteriores e um dos que considerávamos mais fortes. Depois Hole In My Soul, por nos parecer que o power do refrão seria impactante junto do público. Antes da tour que fizemos em final do ano passado, lançámos Hot Mess e a reação foi super positiva. Agora, juntamente com o disco, foi a vez de Meant To Be, um tema mais orgânico, para mostrar uma vertente diferente do projeto e chegar a ainda mais pessoas.

 

Recentemente tiveste a oportunidade de apresentar este álbum em Barcelona. Como foi vivida essa experiência?

Foi maravilhoso! A primeira vez que atuei no estrangeiro e logo com o meu projeto em nome próprio. Atuei na Sala New Fizz, num formato diferente do habitual, e regressei com muita vontade de mostrar a minha música a cada vez mais públicos, da forma o mais global possível. Um primeiro passo para algo que já ambicionava há muitos anos!

 

Há outros espetáculos agendados para os próximos tempos?

Sim, vamos começar por Espinho, já hoje. Além de Barcelona, tivemos já a oportunidade de atuar em Braga, Porto, Lisboa, Coimbra, Vila Nova de Gaia… sempre com reações absolutamente gratificantes e que me deixam muito confiante no que aí vem.

 

E quanto aos The Acoustic Foundation? Para quando um novo álbum, sendo que já andam em tour a apresentar a alguns temas, não é?

O álbum está todo composto, pronto a gravar. Acabou por ser vítima da pandemia e do gozo que nos está a dar trabalhar Montebello! Mas é como dizes: temos aproveitado para tocar ao vivo e experimentar os novos temas. O feedback do público acaba por ser muito importante na última definição do que vai entrar ou não no disco. Não queremos adiar muito mais: estamos com uma excelente equipa e está na altura de tratar do sucessor de Big Sculpture!

 

Muito obrigado, Marta! As maiores felicidades! Queres acrescentar mais alguma coisa?

Não posso deixar de agradecer toda a atenção que o Via Nocturna tem dedicado ao meu trabalho, numa missão tão nobre de atenção à nova música portuguesa. Este é “o” momento para olhar cá para dentro e perceber que há tanto a ser feito e bem feito. O público reconhece-o a cada concerto que vê. É mesmo importante que quem contrata, nomeadamente as entidades públicas, olhe para além dos nomes óbvios. É perfeitamente possível oferecer uma programação variada, eclética, e não perder público com isso. Pelo contrário: é precisamente o público que sai a ganhar.

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