José Tornada tem um rico trajeto em criações artísticas nos mais
diferentes géneros. Mas esta é a sua primeira aventura pela música
instrumental/neoclássica. E com Love, Hope, Desire And
Fear apresenta nove temas intimistas e
atmosféricos, com base no piano. Um disco que teria sido impossível criar há 10
anos atrás, admite o músico, com quem voltamos a conversar oito anos após o lançamento
de This Is Los Waves.
Olá, José, tudo bem? Já lá vão quase 10 anos desde a última vez
que falamos, na altura a respeito dos Los Waves. Por onde tens andado ao longo
destes anos?
Olá! Os Los Waves acabaram em
2016, e desde essa altura produzi vários projetos de pop/eletrónica e
continuei a compor música para televisão. Em 2019 decidi parar de compor porque
estava um bocado perdido em relação ao que queria fazer. Não via mais interesse
no indie, nem na eletrónica, por isso decidi parar. Em 2021 decidi
começar este projeto a solo.
Já agora, parabéns pelo teu
excelente trabalho. E gostaria que falasses um pouco do teu trajeto musical até
chegares a este lançamento?
Obrigado!
Comecei a interessar-me por música por causa das bandas sonoras dos videojogos
dos anos 90, mais concretamente dos jogos da Nintendo 64. Nessa altura não tinha instrumentos em casa,
mas havia um amigo meu que tinha um piano. Então decorava as melodias dos
videojogos e tentava reproduzi-las no piano dele. Mais tarde comecei a tocar
teclado e guitarra e formei as minhas primeiras bandas. Aos 19 anos decidi
mudar-me para Londres por causa de um projeto de indie/pop que tinha na
altura chamado League. Foi em Londres que editei os primeiros discos, dei
os meus primeiros concertos e comecei a compor música para televisão. Mais tarde voltei para Portugal e comecei com
Los Waves. Foi nessa altura que toquei pela primeira vez em festivais e
dei concertos de forma mais consistente, e posso dizer que foi o meu primeiro projeto
musical “a sério”.
E que influência teve Londres e
os outros projetos anteriores na sonoridade deste teu novo disco?
O facto
de ter estado em contacto com a indústria musical em Londres fez com que viesse
a conhecer pessoas com as quais ainda hoje em dia trabalho, principalmente em
música para séries e filmes, que é uma indústria que praticamente não existe em
Portugal. Os projetos anteriores, por serem tão variados: desde o rock, indie,
eletrónica, pop, etc.; vieram-me trazer o know-how principalmente
ao nível da produção musical e da composição. As bandas indie e rock
dos anos 90 e 2000 foram muito importantes na minha formação enquanto
compositor.
Neste disco tocas piano e és o
responsável por todas as criações e orquestrações, não é? Em que é que te
inspiras para criar?
Sim, fui
eu que compus e produzi o disco todo. Só não gravei as cordas nem os poemas. Não
posso dizer que me inspire em nada concreto para criar, no caso deste trabalho,
por ser um género completamente diferente daquilo que tinha feito até hoje,
optei por nem sequer ir ouvir muita música clássica ou projetos semelhantes.
Queria que este disco fosse o mais livre possível de influências ou do zeitgeist
do momento; tanto que a minha maior influência para a composição, estrutura e
acordes das músicas, é Radiohead. Uma influência da minha adolescência!
Tens um variado percurso em
termos de composição. Queres fazer uma breve resenha histórica?
Já compus
músicas para filmes e series da FOX, AXN, Warner Bros, BBC,
MTV etc. Em termos de edições já lancei discos no Japão e no Reino Unido
com League e com Los Waves na Optimus Discos e Sony Portugal.
Também já produzi eletro e reggaeton!
Voltando-nos agora para Love, Hope, Desire And Fear, como o caraterizarias?
Considero-o
a minha primeira verdadeira expressão artística. Quando comecei este projeto
decidi que queria fazer uma coisa da qual eu gostasse mesmo. Já queria fazer
música instrumental/neoclássica há muito tempo e agora pareceu-me ser o momento
certo. Seria impossível tê-lo feito há 10 anos atrás, não tinha maturidade.
Como procedeste à escolha dos
músicos que te acompanham, o violinista norte-americano Nathaniel Wolkstein e
da poetisa alemã Roses Sabra?
Conheci ambos através da internet.
Já tinha trabalhado com o Nathaniel em projetos anteriores e o que me chamou à
atenção nele foi o som do violino. Suave, mas de certa forma agressivo na forma
de tocar. Por vezes é difícil trabalhar remotamente com outros músicos devido à
dificuldade imediata na comunicação, mas a Internet e o desenvolvimento
das tecnologias vieram trazer coisas que seriam impossíveis de fazer há umas
décadas atrás. Tenho duas faixas orquestradas no disco e acho interessante
poder trabalhar e gravar com músicos de topo que estão à distância de um
clique. Seria impossível gravar estas faixas com orquestra há 20 anos atrás
para um compositor que está a começar a sua carreira a solo... seriam
necessários bastantes músicos, um estúdio, microfones, técnicos, etc… Uma
logística dispendiosa para um trabalho que hoje em dia pode ser feito através
de um computador. A Roses conheci por mero acaso quando procurava poemas para musicar,
fiquei logo colado à voz dela e à entoação com que declamava. Foi uma
contribuição preponderante na produção do disco pois é ela que traz a
humanidade que procurava dar ao trabalho.
De que forma trabalhaste as
palavras e a sua inclusão no instrumental?
Quando comecei a pensar no conceito do
álbum achei que era interessante contar uma história, queria dar um caráter
mais humano às peças. Então procurei por poemas de pessoas desconhecidas na internet
e comecei a tocar por cima. Foi precisamente à segunda tentativa que encontrei
a Roses que acabou por dar a voz a várias músicas do álbum e através das letras
contar uma história real de amor e perda. Foram necessárias muitas horas para
ouvir as gravações da Roses porque ela tem mais de 100 horas de faixas de voz.
Os poemas que estão no disco foram construídos por mim pegando em frases
individuais de vários poemas diferentes!
Já agora, porque a escolha deste
título Love, Hope, Desire And Fear?
Quando se
faz música instrumental é mais difícil dar nomes às faixas porque não há
letras, mas o facto de ter incluído os poemas da Roses e os mesmos contarem uma
história fez com que fosse mais fácil dar títulos, tanto às faixas com ao
disco. O título Love, Hope, Desire And Fear foi retirado de um poema do
Sec. XIX de P. B. Shelley em que o poeta tenta explorar as emoções
capitais que governam as relações humanas:
"In earth and air and sea,
Nothing that lives from their award is free.
Their names will I declare to thee,
Love, Hope, Desire, and Fear,
And they the regents are
Of the four elements that frame the heart "
Já apresentaste este disco ao
vivo? Há planos para continuar?
Ainda
não! Tenho estado a trabalhar bastante nisso nos últimos tempos, porque o disco
não foi feito a pensar no live act. Estou a transformar o disco numa
versão que seja possível de tocar sozinho ao piano e sintetizadores. No próximo
dia 25 de novembro vou fazer um pequeno showcase no Sofar Sounds
e lá para dezembro vou apresentar o disco num concerto mais alargado. Sim,
planeio continuar. Já estou a trabalhar no segundo disco!
Obrigado, José. Queres acrescentar mais alguma coisa?
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