Entrevista: Caravela Escarlate

 


No que diz respeito ao rock progressivo, o ano abriu em grande estilo com o aguardado lançamento do terceiro álbum dos Caravela Escarlate. Intitulado simplesmente III, este trabalho mostra o trio do Rio de Janeiro mais compacto e também mais arrojado. Por isso a decisão de avançar para um disco de rock sem incluir... guitarra! Uma decisão que ajuda a banda a demarcar-se, ainda mais, da concorrência dentro do género. Jove David Paiva, Ronaldo Rodrigues e Elcio Cáfaro são os três comandantes desta caravela conquistadora e foram eles que estiveram à conversa com Via Nocturna.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Antes de mais, obrigado pela disponibilidade. Quem são os Caravela Escarlate? Podem apresentar o coletivo aos rockers nacionais?

JOVE DAVID PAIVA (JDP): Olá, tudo sim! Nós é que agradecemos pela atenção. Jove David Paiva, Ronaldo Rodrigues e Elcio Cáfaro formam os Caravela Escarlate.

RONALDO RODRIGUES (RR): Agradecemos a atenção e o espaço dado à nossa banda na Via Nocturna. Somos um trio de rock progressivo de inspiração setentista baseado no Rio de Janeiro, Brasil.

 

Já agora, parabéns pelo vosso novo e excelente longa-duração, III. Gostaria que falassem um pouco do vosso trajeto musical até chegarem a este lançamento?

JDP: O projeto Caravela Escarlate teve início nos finais da década de 80, sendo colocado em prática na década de 90, onde passou por várias transformações e formações. Devido a alguns obstáculos o grupo foi obrigado a fazer uma pausa de 15 anos, até que voltou com a nova formação em 2011 com a entrada do teclista Ronaldo Rodrigues e em 2016 foi consumada a formação atual com a entrada do baterista Elcio Cáfaro.

RR: Em 2017 gravamos o nosso segundo álbum que foi relançado em 2019 pela Karisma Records e distribuído mundialmente. Na ocasião já estávamos a preparar algumas das músicas presentes em III, que também seria lançado pela Karisma. A pandemia, contudo, tornou as coisas mais lentas e causou uma indefinição geral. Contudo, no fim de 2021, iniciamos, de facto, o processo de arranjos e gravação, que após vários meses, originou o nosso novo álbum, lançado em janeiro de 2023.

 

Que nomes ou movimentos mais vos influenciam?

JDP: Os movimentos do rock progressivo e da Música Popular Brasileira (MPB).

RR: As nossas maiores influências, e as que temos em comum entre os três membros da banda, são os grandes nomes do rock progressivo inglês, como Yes, Genesis, ELP, Pink Floyd, King Crimson e Gentle Giant. Incluímos também nessa lista grupos como Focus e Premiata Forneria Marconi. Eu e David somos grandes apreciadores do rock progressivo italiano dos anos 70, bem como grupos brasileiros desse mesmo estilo e dessa mesma época, tais como Le Orme, Osanna, Banco del Mutuo Soccorso, Quella Vecchia Loccanda, Rovescio Rela Medaglia, New Trolls, e O Terço, Som Nosso de Cada Dia, Terreno Baldio, A Barca do Sol, Veludo, etc.

ELCIO CÁFARO (EC): O movimento do rock progressivo sempre esteve presente na minha vida desde o início e continua até hoje, mas também há outras influências igualmente importantes como o jazz, jazz fusion, música latina (especialmente Cuba), música indiana e claro que também a música brasileira em especial os ritmos ligados ao estado brasileiro de Pernambuco como Maracatu e Baião sem deixar de lado o samba. As minhas maiores influências de bateristas: Bill Bruford, Billy Cobham, Horatio El Negro, Airto Moreira, Buddy Rich, Peter Erskine, Phil Collins, John Bonham, Phily Jo Jones, Steve Gadd entre muitos!

 

De que forma olham para III em comparação com os vossos trabalhos anteriores?

JDP: Olho para o álbum III como um divisor de águas.

RR: Penso que é um trabalho que nos mostra mais entrosados e com uma assinatura sonora mais caraterística e distinta dos nossos pares.

EC: Acredito que estamos em evolução. No Caravela este é o segundo CD no qual participo e acho que o processo de criação foi bem mais elaborado e coletivo.

 

Pelo que pude perceber, os Caravela Escarlate não têm guitarra. De que forma conseguem apresentar um tão delicioso prog rock sem esse instrumento, tradicionalmente referido como decisivo no movimento rock?

JDP: Foi uma proposta do grupo não colocar outros instrumentos de cordas em III além do baixo, até mesmo para causar um diferencial perante os álbuns anteriores. Evidente que isso foi um desafio adicional para o grupo. Tivemos que substituir a guitarra elétrica e acústica em músicas como Castelos do Céu, composta sob inspiração da música flamenca, em Bússola do Tempo, onde os sintetizadores substituíram os solos distorcidos de guitarra, e Ciclos onde o baixo tem que fazer arpejos para substituir a guitarra.

RR: A opção por não incluir guitarra (instrumentos que o David toca muito bem) foi uma opção estética, forçando-nos a trabalhar o baixo e os teclados de uma maneira um pouco diferente do usual. Essa opção ajuda a nos diferenciar dentro de um estilo já tão rico musicalmente como o prog rock

 

O facto de termos vivido uma pandemia, foi positivo ou negativo, na vossa opinião, para a banda e para III?

JDP: A pandemia foi muito negativa, até pelo facto de ter afastado todos, além de ter ceifado a vida de muitas pessoas queridas. É uma sensação horrível ficar confinado como um prisioneiro, sabendo que se saísse correria o risco de ser infetado e até morrer. Foi um dos motivos que cada um dos Caravelas Escarlates gravaram nas suas próprias casas.

RR: Teve um lado bastante negativo, da questão do isolamento, confinamento, perda de liberdades, da saúde mental e da vida de muitos. Mas o lado positivo de nos colocar em foco em atividades importantes que muitas vezes acabamos por postergar. Para o lado criativo teve aspetos bastante positivos e acho que a maturação obtida em III deve algo a esse período, ainda que eu espere não passar mais por isso. O nosso segundo álbum foi todo gravado ao vivo em estúdio, com todos a tocar juntos simultaneamente. III foi gravado remotamente, cada um no seu home studio.

EC: Na minha opinião o impacto da pandemia foi bem positivo para a criação do III, tivemos que fazer tudo a distância (cada um gravou no seu home estúdio), mas ao mesmo tempo estivemos bem próximos, criando juntos, fazendo várias demos de cada instrumento com a análise de todos para chegarmos ao resultado final e de certa forma tivemos mais tempo por conta da quarentena.

 

A capa de III é absolutamente fantástica. Quem foi o seu criador?

RR: Tive a ideia de usar uma pintura já pronta, de algum grande mestre da pintura para a capa deste nosso novo trabalho. A minha esposa é artista gráfica e temos muitos livros de arte em casa. Portanto, foi um processo de curadoria encontrar alguma arte bonita e impactante, que dialogasse bem com a nossa música. Um dos pintores que ela me apresentou que mais aprecio é o inglês J.M.W. Turner, que tem muitas pinturas relacionadas com navios, caravelas, embarcações, etc. Num livro dele que temos aqui, separei algumas das pinturas que mais gostava e apresentei aos colegas. A que mais gostamos foi a que escolhemos para o álbum, retratando a erupção do Vesúvio que destruiu a cidade italiana de Pompeia.

 

As primeiras reações da imprensa e dos fãs têm sido fantásticas. Estavam à espera de algo assim?

JDP: Honestamente, não esperava algo assim!

RR: Acreditava no trabalho e sabia do seu potencial de agradar os fãs do estilo. Mesmo assim, a receção tem sido mais calorosa do que o esperado!

EC: Eu, em particular, fiquei muito feliz com o resultado do nosso trabalho, mas também fiquei muito surpreendido com toda essa reação positiva, é uma grande alegria e gratidão!

 

Que vídeos/singles já lançaram retirados deste álbum?

RR: Duas faixas do álbum saíram como singles preparando o lançamento – Bússola do Tempo, lançada no fim de novembro/22, e Mandala, no início de janeiro/23. Ainda não preparamos nenhum vídeo promocional, mas isso deve ocorrer dentro de alguns poucos meses.

 

Já apresentaram este disco ao vivo? Há planos para continuar?

JDP: Ainda não apresentamos este disco ao vivo, mas pretendemos fazer isso o mais rápido possível.

RR: Duas faixas de III já foram tocadas ao vivo nos dois últimos espetáculos que fizemos – Bússola do Tempo e Cruz da Ordem. O repertório todo do disco ainda não, mas isso não deve demorar a ocorrer.

 

Obrigado, pessoal. Querem acrescentar mais alguma coisa?

JDP: Dispõe, Pedro Carvalho! Quero acrescentar que tenho bandas portuguesas, como Tantra, Quarteto 1111, Banda do Casaco, José Cid e Saga na minha coleção de discos.

RR: Agradecemos ao espaço de Via Nocturna pela conversa, desejosos a levar o nosso repertório ao vivo para o continente europeu num futuro próximo. Obrigado!

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