Entrevista: Plasticine

  


Vêm dos Algarve e são dos projetos mais originais que descobrimos nos últimos anos. Uma originalidade que se verifica nas composições musicais, mas começa bem antes, na forma como todo o coletivo se molda às diferentes situações. Por isso, o nome Plasticine está mais que adequado. Em termos de registos, o ano passado ficou marcado pelo lançamento desse espetacular The Most Beautiful Skies, um disco com uma sonoridade única e refrescante. Para conhecermos melhor os Plasticine e este lançamento, estivemos à conversa com os compositores Pedro Barroso e João Faísca.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Antes de mais podem apresentar-nos este fantástico projeto, Plasticine?

Pedro Barroso (PB) - Olá Pedro, muito obrigado pelo convite, na verdade, a banda surge no início de 2018. A ideia de um projeto de originais, que é algo que julgo ser comum a praticamente todos os músicos, já existia, mas ainda não tínhamos chegado a um conceito. Essa ideia e esse conceito acabou por ganhar forma e impulso depois de dois concertos, um do João Faísca no verão de 2017, a convite do Centro Cultural de Lagos para ele apresentar alguns temas originais, e um outro meu com o mesmo formato, em janeiro de 2018 no LAC, na sequência de uma residência artística que tenho nesta instituição. Estes dois concertos permitiram-nos perceber que tínhamos material que junto tinha uma identidade e uma forma comum. Daí, e também na sequência de um incentivo/entusiasmo que o Ricardo Lopes (trombone) me deu nesse concerto do LAC, avançámos para os Plasticine. Na realidade, avançou-se para o agendamento de um concerto e só depois é que convidámos os músicos para formar uma banda e chegámos ao nome Plasticine. Tudo isso e a preparação desse concerto, aconteceu num espaço de dois meses, altura em que tocámos no Clube Artístico Lacobrigense, a 30 de março desse ano.

 

Já agora, porquê a escolha deste nome e de que forma ele se cruza com o vosso imaginário musical?

João Faísca (JF) - A escolha de um nome para banda é sempre um enorme desafio. Este surge pelas diferentes origens (cores) musicais dos elementos, que uma vez moldadas, dão forma a este espaço sonoro. Por outro lado, a diversidade musical que nos influencia, os próprios temas do mundo que nos inspiram e a composição da banda, que não é a típica formação com membros fixos, são tudo aspetos que carregam uma certa maleabilidade própria da plasticina, neste caso, optámos por Plasticine e não plasticina por uma questão internacional, e também por “cine” representar o caráter cinematográfico. No fundo, é a banda sonora do filme das nossas vidas.

 

Ainda antes de falarmos de The Most Beautiful Skies, o que vos motivou a formar este coletivo com esta base musical e no sul do país?

PB - Enquanto conceito de banda, arriscamos dizer que Plasticine é um projeto que está há 20 anos a ganhar forma. A maior parte dos elementos que já participou em Plasticine são músicos profissionais que encontraram no mercado turístico uma forma de terem a música como atividade profissional. Esta área que é muito mais vocacionada para o entretenimento tem no sul do país uma oferta abrangente que não se compara com a escassez que se verifica no circuito mais virado para a criação. Daí que Plasticine foi ganhando forma no sentido de ser um espaço para muitos destes músicos que fomos conhecendo ao longo dos anos. Por um lado, porque as músicas para serem tocadas da forma como as idealizamos necessitavam de facto de uma banda complexa, por outro porque realmente fomos cruzando-nos com muita gente ao longo do tempo e muita gente com qualidade. Essa possibilidade de termos o contributo de tantos bons músicos também é algo que nos dá um especial prazer. Houve também um momento impulsionador no arranque do projeto, que foi em 2017 quando fomos assistir em Miami à primeira edição do Festival GroundUP, a editora de Snarky Puppy. O que lá vimos foram muitos destes ingredientes que tínhamos nas nossas cabeças, mas no contexto certo. Ali percebemos que as nossas ideias poderiam caber naquele cenário, tanto em termos de música como de conceito, nicho e ambiente. Para além de toda a música que nos influenciou, mesmo as mais antigas, que vão desde Beatles, Led Zeppelin, Tower of Power ou Pat Metheny, os Snarky Puppy e seus “derivados” são claramente uma das mais fortes influências da música atual, e a ida a este festival fez-nos a perceber que o que queríamos fazer era possível e tinha de facto uma audiência.

 

Foi fácil encontrar os músicos certos para levar a bom termo esta aventura musical?

JF - Como o Pedro referiu, nós já estamos há vários anos neste meio e isso permitiu-nos conhecer uma série de músicos, naturalmente que vamos sempre identificar em certas pessoas caraterísticas que vão mais ao encontro das nossas ideias. Felizmente há muita gente com valor a quem recorrer.  Por outro lado, também encaramos a música no geral, e o trabalho que fazemos em Plasticine, como um espaço de liberdade e com a tal maleabilidade que o nome Plasticine indica. Dessa forma não creio que haja exatamente um grupo de músicos ideais, há isso sim, um grupo alargado de pessoas que tem grande capacidade para chegar a este projeto ouvir, entender e interpretar os nossos temas dando o seu toque pessoal, que é necessariamente diferente do de outros músicos, não é nem melhor, nem pior, é simplesmente diferente. Este conceito (assim como uma questão mais prática que é o conseguir conciliar a agenda de Plasticine com as disponibilidades dos diversos músicos) levou-nos para o tal formato de coletivo e não o de uma banda que se apresenta sempre com a mesma formação. Até esta altura já colaboraram connosco (ao vivo ou em estúdio), pelas minhas contas, cerca de 37 músicos. E todos deram um contributo bastante interessante.

 

In Vain foi a escolha para primeiro single. Porquê? É um tema representativo da globalidade do álbum?

PB - Na verdade não diria que haja um tema que representa a globalidade do álbum, todo ele é um conceito onde cada música tem um significado próprio, e as suas distintas influências de estilo. Contudo, de certa forma, o In Vain consegue ser abrangente. É um tema que fala sobre uma condição em que muita gente se encontra em certos momentos das suas vidas, isto é, presos a superstições, a ideias feitas, a muros e limitações que criamos nas nossas próprias mentes, ficando escravos de um destino imaginário. Por outro lado, ao contrário da maior parte do nosso repertório que é composto por música instrumental, o In Vain é um tema com letra e voz, o que também ajuda a ter mais destaque.

 

Em termos de composição, como funcionam as coisas nos Plasticine, até levando em linha de conta toda a panóplia de instrumentação usada?

JF - Contrariamente ao que pode parecer é bastante mais simples que isso. Com exceção de dois temas, os restantes ora são compostos por mim, ora pelo Pedro Barroso, sendo que existem alguns pormenores, pequenos ajustes ou alterações onde houve colaboração de outros membros da banda durante os ensaios. As exceções foram o tema Icebergs de Freud, que foi composto por ambos em parceria com o João Frade, o Sickonce (Rafael Correia) e o Perigo Público (Elton Mota), e o Cubano Haitiano, composto pelo Wesley Seme. Na parte que me toca, o meu processo de composição é preferencialmente solitário. Preciso desse espaço para me concentrar e imaginar as linhas dos diversos instrumentos. Faço este trabalho em casa e quando já estou contente com o resultado final envio então ao Pedro e a outros membros para ter o feedback e trabalhar nalgumas mudanças e afinação de detalhes.

PB- Eu também tenho uma grande parte do trabalho feito em casa, até porque alguns dos temas foram compostos durante a pandemia e nesse período também não tínhamos facilidade em encontrarmo-nos pessoalmente para trabalharmos nos temas, mas também gosto do processo de composição em conjunto com outros músicos. Estar com outros músicos, tentando vários caminhos e ideias e sentir que algo se constrói com essa partilha.

 

Ainda no que concerne à composição, há alguns limites que imponham à vossa criatividade ou tudo é possível e aceitável?

JF - Em teoria diria que não temos nenhuns limites definidos. O princípio de Plasticine foi um pouco esse, o de criar música sem nenhum foco específico a não ser o de escrever algo que nos completasse e nos satisfizesse em termos musicais. Do ponto de vista mais prático, existe sempre o limite que tem a ver com o nosso próprio gosto.

 

Em termos líricos, há apenas dois temas cantados. Preferem a abordagem instrumental da música? Porquê?

PB - De uma forma simples poderia dizer que nós gostamos de música e que não sentimos que a voz tenha obrigatoriamente de desempenhar um papel fundamental na música. É um instrumento como outro qualquer, que tem a vantagem de ter uma diversidade de timbres quase infinita. No entanto, também requer uma competência ao nível da escrita da letra, que nós não revemos em nós próprios, com a mesma competência com que nos vemos a compor o instrumental. Mas no final voltamos à questão do gosto pessoal. O principal tem a ver com o facto de gostarmos de música instrumental e talvez com o processo de escrita que no nosso caso começa quase sempre pelo instrumental. A certa altura, e com tantos instrumentos já presentes no tema, acabamos por já não sentir a necessidade de introduzir uma voz.

 

Para além do núcleo duro da banda, ainda contam com alguns convidados. O que procuravam alcançar com essas prestações?

JF - É um pouco o que já falámos e que está refletido no conceito de Plasticine e do próprio nome, isto é, uma certa maleabilidade e a ideia de ter um espaço onde é possível cada músico entrar e dar um pouco do seu toque pessoal nas interpretações, permitindo que essa interação acabe por dar um toque diferente a cada tema de acordo com os músicos/convidados que estejam presentes. Isto de um ponto de vista mais musical. Se alargarmos também há uma dimensão de marketing interessante que tem a ver com cada músico partilhar o trabalho que fez connosco com o seu próprio público.

 

Para além de Plasticine em que outros projetos estão envolvidos os componentes desta orquestra?

PB- Em muitos! Fábia Rebordão, Mallu Magalhães, Viviane, Nico Drums & Blues, Staccato Limão, Comodoro Amigo, Mazarin, Leon Baldesberger’s Meersalz, Lana Gasparøtti, Orquestra de Jazz do Algarve, Criatura, Compotas, etc.

 

Já tiveram a oportunidade de apresentar este álbum ao vivo? Como tem sido a receção ao mesmo?

JF- Sim, sim, acabámos de tocá-lo em Torres Vedras e em Lisboa. No início do ano fizemos uma apresentação no LAC (Laboratório de Actividades Criativas) que é uma associação de Lagos onde temos uma residência artística, e no ano passado já tocámos vários temas do álbum antes do seu lançamento por exemplo no Festival MED em Loulé e no verão em Tavira. A reação do público tem sido excelente. Aliás, esse é um dos aspetos que eu considero mais positivos de tudo isto, as reações têm sido muito positivas e ainda temos de considerar que muitas vezes estamos a tocar temas que as pessoas nunca ouviram com a “agravante” de na sua maioria serem temas instrumentais.

 

Têm outros eventos previstos para os próximos tempos?

PB - Com algumas datas que ainda por confirmar e outras por anunciar, vamos por exemplo hoje, à Feira do Livro de Olhão. Regressamos a Olhão a 19 de agosto, à Re-Criativa República 14, e vamos ao Cine-Incrível Almadense no dia 15 de dezembro.

 

Obrigado, pessoal. Querem acrescentar mais alguma coisa?

PB - Queremos para já agradecer-vos esta entrevista, a vossa referência ao nosso trabalho, e reconhecer o esforço que vocês e tantos outros têm feito na promoção da música nacional. As críticas têm sido bastante motivadoras e indicam que vamos no caminho certo. A todos os leitores da Via Nocturna, muito obrigado e continuem a apostar na música que se faz cá, que está cada vez melhor!

JF - Exato, muito obrigado e continuem a fazer este ótimo trabalho!

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