Entrevista: André Carvalho


 

Palavras intraduzíveis, arranjos complexos e improvisação. Três caraterísticas para a música que o trio de André Carvalho apresenta. Depois do primeiro volume de Lost In Translation se ter traduzido num sucesso, surge o segundo com mais oito palavras e outros tantos temas. Será que a ideia é para continuar? Afinal, até os fãs têm sugerido palavras ao contrabaixista. Vejamos o que nos diz a este respeito André Carvalho.

 

Olá, André, obrigado pela disponibilidade. Lost In Translation Vol II é o teu novo álbum e segue a temática escolhida para o disco anterior. A primeira pergunta é, quando e como te surgiu a ideia de trabalhares com palavras intraduzíveis?

Obrigado, eu pelo convite! Surgiu no início da pandemia. Queria ter um novo grupo com um formato diferente dos grupos que tive no passado. Acabei por tropeçar nas palavras intraduzíveis por acaso. Obviamente que já conhecia este universo tão único, mas acabei por lhes dar especial atenção dado que estávamos a viver uma situação singular. Em confinamento, todos a sentirmos coisas novas para as quais provavelmente não tínhamos palavras que descrevessem estes sentimentos de forma clara e objetiva. Mas será que por não termos palavras na nossa língua, não as haverá numa outra? Foi desta forma que tudo foi começando.

 

Quando partiste para este projeto sentias que a sua receção poderia ser tão boa que te levasse a criar um Vol. II?

De modo algum. Na altura só queria escrever música e que a escrita e idealização do meu novo trio fosse um escape à vida Nova Iorquina em confinamento, com dois filhos, um deles nascido no primeiro dia em que tudo fechou. O primeiro ensaio e concerto que fizemos uns meses depois foi sensacional e sentimos uma empatia enorme. Demos uns quantos concertos depois disso e gravamos o primeiro Volume. Correu sempre tudo muito bem e a temática despertou muita curiosidade. Isso deu-nos muita vontade para gravarmos o Volume II.

 

E, desta vez, onde foste descobrir as oito palavras que fazem parte deste novo volume?

Desde que o público soube deste projeto, na altura em que tocamos pela primeira vez no Festival Robalo 2020 e pouco tempo depois quando fizemos uma campanha de crowdfunding para gravar o Volume I, houve sempre imensa gente que ia sugerindo palavras que conhecia. Mesmo depois do Volume I sair as sugestões foram continuando (no preciso dia de hoje em que vos respondo, recebi mensagem do meu caro amigo Bernardo Tinoco a sugerir uma palavra!). Fui sempre reunindo estas palavras todas e quando comecei a planear um segundo volume revisitei a lista. Recolhi umas quantas outras por pesquisas minhas e destas todas escolhi as que me tocavam mais.

 

É curioso porque nunca usaste nenhuma palavras portuguesa, pois não?

Nunca! No primeiro volume pensamos nisso, mas não queria ir para a óbvia que, apesar de ser lindíssima - Saudade - já tem sido muito abordada. No entanto, há outras palavras portuguesas que segundo sei não têm tradução direta. Pode ser que num próximo volume pegue numa delas. Quem sabe!

 

Em termos de composição, como funcionam as coisas com o trio e de que forma fazem a ligação entre a música e a palavra. Procuras alguma conexão com o seu significado?

A escrita para este grupo foi evoluindo também. Julgo que no primeiro volume há mais coisas escritas do que neste segundo volume. De qualquer forma, o processo começa por “observar” a palavra em questão, pensar que universo sonoro me inspira, universo melódico, harmónico, rítmico, textural, forma, improvisação Vs. composição. A partir daqui, é mãos à obra e experimentar e escrever. Nem tudo o que escrevo acaba por ser usado. Depois de escrever apresento a música ao André Matos e ao José Soares e pomos à prova. E é como tudo, experimentamos e vemos o que nos diz a música. Fazem-se alterações caso seja necessário, ou põe-se de lado ou reescreve-se. Às vezes há coisas que simplesmente funcionam no primeiro instante em que as tocamos, outras vezes testamos, etc. Para mim, as palavras estão relacionadas com a música. Obviamente que esta conexão poderá ser subjetiva e pessoal. Mas essa também é uma das belezas das artes!

 

Falamos em trio que se mantém para este segundo volume. Todavia, no Vol. I tiveste a colaboração de João Almeida, no trompete. Neste segundo volume voltas a ter algum convidado?

Sentimos que o trio é forte e que a empatia é muito grande, por isso decidimos gravar tudo em trio. Não quer dizer que no futuro não haja parceria com algum músico convidado.

 

Que percentagem da vossa música está assente na improvisação?

Diria que uma boa parte e talvez cada vez mais. Há também música escrita, havendo sempre espaço para a espontaneidade, formas diferentes de interpretar mesmo que está escrito, direções e decisões feitas na altura diferentes das habituais. Temos feito também, tanto ao vivo como no Volume II, improvisações livres sobre palavras intraduzíveis que sugiro no momento. Têm sido momentos bastante interessantes e que nos deixam com vontade de repetir esta abordagem.

 

Tagumi e Waldeinsamkeit foram os singles escolhidos. Porque a sua escolha? Há planos para o lançamento de mais algum?

Agora com o álbum cá fora julgo que não. Escolhemos esses porque fizemos uma série de vídeos promocionais realizados pelo Pedro Caldeira, com fotografia do João Hasselberg, assistência do Martim Torres e som do Tiago de Sousa. Estes eram temas contrastantes e que eram relativamente simples de serem gravados num ambiente diferente do do estúdio, já que fizemos essas gravações no meio da natureza, etc.

 

E palco? O que tem acontecido e o que há previsto para o futuro?

Tivemos a apresentação do disco no CCB e no Grândola Jazz Fest. Agora temos uma série de concertos em junho, julho e agosto, nomeadamente no Festival GRATO (Organizado pelo departamento de Linguística da Universidade NOVA de Lisboa), Hot Clube de Portugal (no caso do clube reabrir entretanto), Braga, Academia de Amadores de Música, Carpintarias de São Lázaro e mais alguns ainda por confirmar.

 

Obrigado, André! Queres acrescentar mais alguma coisa?

Obrigado, eu! Sim, se quiserem passem pelo meu site e redes sociais para estarem a par das últimas novidades! Abraços e até breve.

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