Há já
algum tempo que vínhamos a acompanhar a carreira de Hadessa, nomeadamente no
que diz respeito aos singles que foram sendo lançados. E, desde
cedo, se percebeu que algo de grandioso estava em gestação. O que vem a ser
plenamente confirmado com o lançamento do primeiro álbum Fortuna. Um
disco que traz essa curiosidade de ter sido lançado num… domingo. Mas esse é
apenas mais um aspeto da forma de estar inovadora e completamente
fora-da-caixa, que a artista tem tido na música. Fiquem com as suas palavras
nesta interessante entrevista que nos concedeu.
Olá,
Hadessa, antes de mais, os nossos parabéns pela esta fantástica estreia, Fortuna.
Queres começar por te apresentar como artista e falar um pouco do teu trajeto
até aqui?
Muito obrigada por me
receberem! Sou a HADESSA e sou música, compositora e letrista. Sempre
tive amor pela música, não só por ser uma linguagem universal,
de transmissão de estórias e emoções, mas
sobretudo porque, para mim, é o veículo da minha
mensagem, da minha palavra. Escrevo música desde que me conheço, sou
multi-instrumentista e passei por várias experiências musicais, umas mais
ligadas à música tradicional portuguesa, outras mais à música para crianças,
pois trabalho como professora de música em três Espaços Educativos d‘ A Voz do
Operário.
Como e
porque surge o nome Hadessa?
Queria um nome onde
pudesse ser livre, mas que não estivesse completamente desligado do meu nome próprio (Vanessa). Então procurei num livro
famoso, o Antigo Testamento, e encontrei a história
de Ester, princesa persa cujo nome judeu era Hadessa. O nome Vanessa foi
inventado pelo escritor Jonathan Swift num poema para uma mulher chamada
Ester. Encontrei nestas referências o ciclo perfeito para chegar ao meu nome de
palco, que não pretende ser nenhuma máscara, mas sim permitir revelar o que há
de mais verdadeiro em mim.
Qual é o teu sentimento agora que o álbum foi lançado?
Sinto-me extremamente
feliz com este trabalho. O disco foi feito de uma forma totalmente independente
e houve muitas decisões técnicas e artísticas que anteriormente sentia não ser capaz de
tomar sozinha. Aquilo que ouvimos em FORTUNA é a HADESSA
que sou hoje e o caminho que me trouxe até aqui. Sentia um
desejo imensurável de produzir estas canções e estou com um sentimento de dever
cumprido. Foi um sonho realizado, mas também
uma missão que sentia que devia dar corpo, e aqui está ele.
Em ti e neste álbum é tudo menos banal. A começar pela data de
lançamento. Porque dia 11 de junho, um domingo?
O dia 11 de junho, na
Antiga Roma, era o dia dedicado à deusa da Fortuna, onde eram realizadas
festividades nas quais todas as pessoas independentemente do seu estatuto
social podiam participar. Escolhi este dia pelo seu simbolismo, apesar de não ser habitual lançar um disco a um domingo, mas
felizmente ainda não me sinto particularmente submissa a algumas regras aleatórias da indústria e acho isso positivo.
Durante
quanto tempo trabalhaste neste conjunto de canções?
Pensei neste projeto
em outubro de 2021, mas só no início do ano passado decidi avançar. A
grande maioria das letras foram escritas em 2022, as músicas algumas já estavam
alinhavadas de antes, à espera de uma casa. É um disco muito do presente, mas
tem, por exemplo, uma música que escrevi há 20 anos. Tem a capacidade de trazer
um pouco da adolescente que passava tardes a tocar guitarra no quarto, para o
presente. Mas é sobretudo um registo do ano de 2022, e sinto que a produção e
o trabalho instrumental no arranjo das músicas é muito
atual.
E foi
um trabalho em solitário teu ou não?
Contei com a ajuda de
muitos músicos e técnicos, mas a escrita das canções, que em todo o processo é a
fase que me traz mais prazer, é solitária, de uma forma
muito positiva. Porém, como em tudo, é preciso viver e ter
mundo para trazer para as canções, então as minhas relações, amores, paixões,
por pessoas e pelas suas estórias foram necessárias para chegar à
música. Foi um trabalho de equilíbrio, nem sempre estável, mas que provou dar
um resultado bonito.
Que músicos
trabalharam contigo neste disco?
Tive comigo a Momma T na produção, Sérgio Nascimento na percussão, Sara Cruz na guitarra acústica e coros,
Diana Santos no clarinete, Sérgio Fiuza no contrabaixo, Alina Sousa e Sofia Brilhante Lisboa
nos coros e L-Capitan na guitarra portuguesa.
Fortuna é um trabalho que não é fácil de descrever, buscando influências muito
díspares. Como é que a
sua criadora o descreveria?
Ser difícil de descrever é algo positivo para mim, não gostava particularmente que alguém
descrevesse este disco como soando a algum outro artista ou banda. As
influências são daquilo que ouvi e gosto, é música
pop com muita experimentação e vénias
ao rock, ao fado e ao jazz. É disco pleno, que conta um caminho
do princípio ao fim, uma história com muitas perguntas, algumas
respostas e muita inquietação. Tinha de ser um disco que oscilasse entre vários
extremos, porque essa é uma caraterística da minha personalidade e justamente porque
o meu desassossego a isso impele. Acima de tudo é um
disco livre, onde canto e conto as canções que quero e que gosto.
Musicalmente Fortuna é um disco muito forte, mas é a sua
componente lírica que mais se destaca. És tu a criadora de tais poemas tão profundos e
fortes? De alguma forma podemos ver aí algo de autobiográfico?
Tirando o início do Fado
Marujo Português, todas as letras são minhas, incluindo a letra nova que
fiz para esse fado. Para mim as letras das músicas são realmente a parte de
todo o trabalho a que dedico mais cuidado. Gosto que sejam incisivas mas
subtis, ora graves, ora divertidas, de uma forma harmoniosa e que desperte no
peito de quem as entende uma parte do êxtase que sinto ao escreve-las. A autobiografia
mistura-se muito com a imaginação, hoje quase não sei discernir dentro dos
poemas qual é qual, porque há uma grande fusão do sumo da vida normal com a vida de
outros e as vidas que fui inventando nestas estórias.
Mas
ainda há coisas que ficaram por contar e que virão num próximo trabalho… se tiveres
força. Porque raiva tens muita. Porque afirmaste isto no teu Facebook?
O princípio que me
move é a expressão individual, mas é muito
importante também sentir identificação por parte do público. Saber que tenho
coisas para dizer e que podem ter um impacto positivo noutras pessoas é muito
motivador. A raiva é um sentimento que me impele à ação, que espoleta revoltas sem
as quais o mundo não avança, e eu gosto de sentir que a raiva, e
todo o espectro das emoções, podem ser sentidas na minha música, não quero que passem despercebidas.
Quando
partes para a criação de uma letra, qual é o teu objetivo principal?
Contar uma história. Mesmo que a seja explorar um sentimento ou um
pensamento, gosto de organizar essas ideias a partir de uma história, às vezes personificar ideias abstractas
e senti-las reais.
E
palco? O que tem acontecido e o que há previsto para o futuro?
Estou a preparar os
meus próximos concertos que irei anunciar em
breve.
Obrigado,
Hadessa! Queres acrescentar mais alguma coisa?
Obrigada por quererem
saber um pouco mais sobre mim e por darem palco à minha música. Bom trabalho!
Comentários
Enviar um comentário