Reviews VN2000: JOSÉ AFONSO; MVI; WHITE WILLOW; V/A; BRITISH LIONS

 


Com as Minhas Tamanquinhas/Enquanto Há Força/Fura Fura/Fados de Coimbra e Outras Canções (JOSÉ AFONSO)

(2023, Mais 5)

A editora Mais 5 foi criada com o objetivo de promover a reedição da obra de José Afonso. O desafio partiu, precisamente, de Pedro Afonso, filho do lendário artista nacional, e a primeira fase desse objetivo está concluído. Os quatro títulos que aqui trazemos são os últimos de um pack de 11 reedições dos álbuns lançados entre 1968 e 1981 e que a editora de Nuno Saraiva tem promovido nos últimos três anos, correspondendo aos títulos originalmente lançados pela editora Orfeu. Todos os álbuns foram masterizados por Florian Siller, no Soundgarden Tonstudios em Hamburgo e também houve um especial cuidado ao nível gráfico, com João Morais (Gazua, O Gajo) a ter um papel fundamental no embelezamento destes produtos. Com as Minhas Tamanquinhas [87%] foi lançado em 1976 e é, portanto, o primeiro álbum a ser totalmente composto após o 25 de Abril e sem o espectro da censura. Este álbum tem a curiosidade de contar com a participação de Quim Barreiros que injeta o seu travo bem minhoto emprestando o seu acordeão a Chula da Póvoa e a O Homem da Gaita. Conta-se que houve quem quisesse excluir o seu nome da ficha técnica, por o considerar desprestigiante. Preconceitos a que Zeca não cedeu. Outra curiosidade é ter sido considerado por alguma crítica nacional como o pior disco do ano. No entanto, este disco recebeu o Prémio Internacional de Folclore Deutscher Schallplatenprei atribuído pela Deutsche Phono-Akademie. Enquanto Há Força [90%] é lançado em 1978 e, instrumentalmente falando, é o seu disco mais rico. Liricamente também, com muita contestação ao poder e à Igreja e com muito sabor a África. Mesmo que não tenha nenhum daqueles temas que qualquer português sabe de cor. Mas tudo o que o carateriza está lá: as tradições e as baladas ricamente desenhadas fruto de um naipe de excelentes instrumentistas que aqui participam. E já se nota a vontade de cruzar a música com o teatro, como haveria de acontecer no álbum seguinte, Fura Fura, através de Ali Está o Rio, um tema baseado na peça de Bertolt Brecht A Excepção e a Regra; e Barracas Ocupação, um tema para a peça homónima de Richard Démarcy, sendo a última de um conjunto de quatro sob o título Fábulas Teatrais Sobre a Revolução Portuguesa. Fura Fura [93%] é lançado um ano depois e é o álbum mais dramatúrgico do autor - inclui seis temas musicados (e com o recurso a muitos textos populares) por José Afonso para a peça Zé do Telhado, levada à cena pelo grupo de teatro A Barraca em 1978 e outros dois integrados na peça Guerras do Alecrim e Manjerona, levada à cena pelo grupo de teatro A Comuna. Do grupo dos primeiros sobressai O Cabral Fugiu Para Espanha com Margarida Carpinteiro a dar voz ao discurso introdutório e com a utilização de flauta de amolador, cortesia de Guilherme Vicente. Nos restantes temas, destaque para De Não Saber o Que Me Espera e De Sal de Linguagem Feita, ambas escritas em 1973 na prisão de Caxias, contemporâneas, portanto, de muitos dos temas de Venham Mais Cinco. Os arranjos deste álbum estão entregues a Júlio Pereira, José Afonso e Trovante (à data ainda uns ilustres desconhecidos) marcando o regresso do cantor a algumas formas de expressão utilizadas nos seus primeiros álbuns, enriquecidas, no entanto, por toda a experiência humana e artística, entretanto adquirida. Fados de Coimbra e Outras Canções (1981) [94%] é o fecho de um ciclo e uma redenção. Fecha-se o ciclo que começara ainda nos anos 50 com Zeca a dar os primeiros passos artísticos na canção de Coimbra (o primeiro single com os temas Fado das Águias e Solitário, saiu em 1953 pela Alvorada) e com o primeiro álbum, Baladas e Canções (1964), onde acompanhado de Rui Pato cantava a tradição coimbrã. Faz-se a redenção com um movimento que abraçou e que largou quando o associou ao regime de então. Um disco diferente, mas ainda assim, decisivo na forma de entoar, interpretar e viver a capa e a batina. A terminar, parabéns à Mais 5 por disponibilizar este conjunto de obras fundamentais para se perceber a história da música portuguesa, das quais aqui trouxemos uma pequena amostra.



 

In The Rain Shadow (MVI)

(2023, Independente)

Conhecemos Mark Vickness do duo Glass House; mas, agora o compositor/guitarrista anuncia um grupo recém-expandido, MVI - Mark Vickness Interconnected, um ensemble de sete elementos onde se inserem instrumentos como o violino, o oboé e o violoncelo. In The Rain Shadow é o disco de estreia, num registo sensível, pacífico, emocionante e tranquilo que ganha uma nova amplitude e profundidade musical com a adição deste conjunto de executantes. E que se inspira em múltiplas latitudes desde um trio clássico a um quarteto de jazz, passando pelo funk e pela improvisação e chegando mesmo a alguns acordes do rock ou a uma peça irlandesa. As texturas ambientais e a riqueza orquestral fazem a ponte entre todas essas vertentes. Uma riqueza onde se incluem dedilhados da guitarra que se cruzam com os desenhos do violino e do oboé e que ganham corpo com o recurso ao violoncelo, baixo e a uma tabla hipnotizante, criando, assim, como que uma banda sonora cinematográfica. [79%]



 

Ignis Fatuus (WHITE WILLOW)

(2023, Karisma Records)

Ignis Fatuus foi o álbum de estreias dos prog rockers noruegueses White Willow. Originalmente lançado em 1995 pela The Laser’s Edge, teve uma edição remasterizada em 2010, a cargo da Pancromatic com a adição de um tema bónus (tema que tinha sido registado nas mesmas sessões de gravação, mas não estava completo) e de uma nova capa. Em 2013 a Termo Records promoveu outra reedição remasterizada que incluía um CD bónus com demos e um tema gravado ao vivo no The Variety Theatre em Los Angeles. Finalmente, esta reedição que nos ocupa é levada a cabo pela Karisma Records, disponível em duplo LP, CD e digital, com remasterização a cargo de Jacob Holm-Lupo e com a original arte de capa. O mais recente álbum dos White Willow é Future Hopes e já data de 2017, mas a sua estreia ainda é muito apreciada e difícil de encontrar. Esta reedição vem, desta forma, permitir um maior acesso dos fãs a este álbum composto por delicados dedilhados acústicos, flautas encantadas e canto polifónico. Uma mistura única de art rock, prog rock, folk, música medieval e barroca e algum experimentalismo e psicadelismo. [84%]



 

Coverbilly Psychosis – A Tribute To Tédio Boys!!! (V/A)

(2023, Lux Records)

Os Tédio Boys foram uma banda originária de Coimbra, ativa entre os anos de 1989 e 2000 e com uma história curiosa no rock em Portugal. Nasceram como um projeto paralelo aos punks É Mas Foice que, na altura, incendiavam as noites de Coimbra com os seus concertos carregados de adrenalina. Nunca tiveram grande mediatismo, embora a sua influência no rock feito no nosso país tenha sido relevante. Basta atentarmos nos nomes que surgiram no pós-Tédio Boys: WraygunnThe Parkinsons, Blood SafariTiguana Bibles, Bunnyranch, The Legendary Tigerman, entre outros. No entanto, sempre foram muito bem aceites nos EUA onde chegaram a fazer diversas tours. Coverbilly Psychosis – A Tribute To Tédio Boys!!! é a mais que justa homenagem a uma das bandas mais icónicas do movimento rock/psychobilly/punk não só da cidade, como do país. Junta 17 bandas (algumas das citadas anteriormente e outras de gerações mais novas que também foram influenciadas pela banda) que interpretam, à sua maneira e sob o seu olhar criativo, 17 temas. Aqui também se incluem as participações de antigos membros dos Tédio Boys, nomeadamente Victor Torpedo que surge na companhia de António Olaio e Tracy Vandal, Carlos Mendes (aka Kaló) que participa na versão dos The Dirty Coal Train e Toni Fortuna, que apresenta uma versão com a sua banda d3o. [76%]



 

British Lions (BRITISH LIONS)

(2023, Think Like A Key Music)

Da aliança entre Jonh Fiddler dos Medicine Head e Morgan Fisher, Ray Major, Pete Overend Watts e Dale Griffin dos Mott, nasciam, em 1978, os British Lions. Andaram extensivamente em tour no Reino Unido como suporte dos Status Quo e nos EUA dos AC/DC, mas o seu sucesso comercial não foi nada de especial. British Lions, o primeiro álbum foi lançado pela Vertigo (no Reino Unido) e pela RSO (nos EUA) corria o ano de 78, mas, para o segundo a coisa foi mais complicada. O disco foi rejeitado pelas duas labels e a banda terminaria logo a seguir, em 1979. Ainda assim, Trouble With Women, o tal segundo álbum, acabaria por ser lançado pela Cherry Red Records (que, entretanto, tinha adquirido os direitos) postumamente em 1980. No entanto, falta de sucesso comercial na altura não significa que o trabalho dos British Lions não tivesse valor. Tinha e muito, como se pode confirmar agora nesta reedição que a Think Like A Key Music apresenta. Numa requintada obra em formato digipak, a editora americana apresenta o álbum completamente remasterizado aos quais se adicionam 4 demos e um segundo CD que inclui um concerto da banda captado no Old Waldorf, San Francisco, em 1978. E é com esta reedição que se percebe que este álbum deveria ter tido um pouco mais de atenção na altura. Mas, ainda vai a tempo destes leões mostrarem o seu rugido com os o seu rock dinâmico, cheio de ritmo e melodia e com pormenores muito interessantes, muitas vezes a aproximarem-se tanto dos seminais Queen como dos Slade. Claramente, uma obra de grande valor perdida na bruma da memória, mas que ainda vai a tempo de ser descoberta e apreciada. [93%]

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DISCO DA SEMANA #47 VN2000: Act III: Pareidolia Of Depravity (ADAMANTRA) (Inverse Records)

MÚSICA DA SEMANA #47 VN2000: White Lies (INFRINGEMENT) (Crime Records/We Låve Records)

GRUPO DO MÊS #11 VN2000: Earth Drive (Raging Planet Records)