Entrevista: Não Simão

 


É uma das ideias mais criativas e inovadoras da produção musical nacional dos últimos tempos. E é, também, um dos projetos mais ambiciosos e arrojados. não simão é o nome do projeto que lança Pintar o Sete, um CD-livro magistral na sua componente estética e artística, mas também na forma transdisciplinar de cruzar diversas artes, nomeadamente a literatura portuguesa entre os séculos XIX e XXI. Por isso, contactámos o coletivo para que nos apresentasse este projeto de forma mais detalhada.

 

Olá, pessoal, antes de mais podem apresentar-nos este coletivo Não Simão?

O coletivo não simão faz música livre de limitações estilísticas: passeiam-se entre o intimismo e o otimismo com uma sonoridade que vai do cantautor ao pop-rock, passando por momentos de improvisação instrumental mais ligados ao jazz. O que une todas as nossas composições é a importância que dedicamos à palavra escrita e dita em bom português. Somos um quinteto composto por guitarra e voz (Simão Palmeirim), baixo (Eduardo Jordão), bateria (José Anjos), saxofone barítono (Ana Raquel Martins) e trombone (Marco Alves).

 

Quando vos surgiu esta ideia de juntar textos de diversos escritores à vossa música?

Desde o início que demos sempre muita atenção ao texto dito e à sua compreensão; como se a palavra, tanto pela fonética como pelo significado, regesse a composição musical. Já tínhamos também concebido e encenado alguns espetáculos que abriram caminho para este trabalho, nomeadamente para o Festival Silêncio ou o Festival Trampolim Gerador. Nestes, a banda trabalhou diretamente com poetas (por exemplo a Cláudia R. Sampaio, de quem adaptámos poemas para este novo disco). Esta relação entre música e poesia tem sido aprofundada com a participação do Simão Palmeirim em sessões de poesia que o José Anjos organiza com regularidade, nomeadamente na BOTA (Base Organizada da Toca das Artes) ou no Âmbito Cultural do El Corte Inglés. Além disso, sendo que em 2023 se celebram os 130 anos do nascimento de Almada Negreiros, pareceu-nos muito importante assinalar isso mesmo e, como há uns anos o Simão tinha já musicado poesia de Cesário Verde, o trabalho continuado e algumas coincidências e efemérides pareciam lançar os dados para este novo projeto.

 

Este é o projeto mais ambicioso em que estiveram envolvidos ou já tinham tido outras experiências semelhantes?

É definitivamente o nosso projeto editorial mais ambicioso, não só porque convoca autores canónicos da literatura nacional (embora esse não tenha sido um critério para a nossa seleção), mas também porque é um trabalho poliédrico: um livro-disco com uma forte aposta na componente visual. Além disso, foi reconhecido por instituições que consideramos muito relevantes: conta com o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores, da Direção Geral das Artes, e é disco Antena 1. A nossa vontade de concretizar este objeto advém do ímpeto criativo que nos motivou no momento em que decidimos avançar por este caminho, o facto de o projeto se ter materializado com estas caraterísticas é que faz com que seja o mais ambicioso até aqui.

 

E porque a escolha da expressão Pintar o Sete para batizar o álbum?

“Pintar o sete” é uma expressão popular portuguesa, semelhante a “pintar a manta” ou “fazer trinta por uma linha”. É também uma expressão que Almada Negreiros citava com frequência, tendo para ele uma leitura ligeiramente diferente: por lado era sinónimo de um apreço pelos números, antigo, de tradição portuguesa; por outro lado era também associada pelo poeta e pintor à ideia de “fazer a maravilha”. Já referimos a efeméride do nascimento de Almada como um dos motes deste trabalho (daí que uma expressão do seu interesse pessoal faça sentido como título), mas além disso a linha de coerência na seleção destes autores é a visualidade, ou porque os seus textos têm uma forte componente imagética, ou mesmo porque três deles são também artistas plásticos. Pintar o sete reforçava esta coerência.

 

Almada Negreiros é, então, um dos poetas revisitado neste trabalho. Quais são os restantes e o porque destas escolhas?

É importante explicar que a escolha de Almada está também ligada ao trabalho do Simão há vários anos, enquanto investigador da NOVA FCSH, no espólio de Almada Negreiros e Sarah Affonso. Apontando ao critério da visualidade na poesia, queríamos ter autores de vários tempos (neste caso do séc. XIX ao séc. XXI) e com equilíbrio na representação de géneros (tanto sexuais como estilísticos). Como já tínhamos trabalhado Cesário antes, essa escolha foi natural. A Cláudia R. Sampaio é poeta, artista plástica (e amiga), pelo que também foi muito natural a aproximação ao seu trabalho. Finalmente escolhemos ainda dois poemas de Ana Hatherly (transformados numa só canção), sendo que ela é também poeta e artista plástica, aliás com um trabalho ímpar no campo da poesia visual, perfeitamente em sintonia com as nossas escolhas.

 

E já agora, como foi o processo da escolha dos textos/poemas? Foi uma tarefa árdua? 

A escolha foi relativamente fácil, no sentido em que nada foi forçado: a relação entre leitura e musicalidade estabeleceu-se de forma quase imediata, fosse por um ritmo, fosse por uma melodia, quase inerentes ao texto, que se manifestavam de forma natural. Quando isso não acontecia o poema não era sequer trabalhado, por mais que fosse do nosso agrado. A escolha, embora pessoal, não traduz só a nossa sensibilidade estética, mas sim a musicalidade imanente, que fomos capazes de captar em cada poema escolhido. Felizmente, em português escreve-se muita e muito boa poesia.

 

Foi fácil passar da teoria à prática? Isto é, foi fácil criar as composições musicais mais adequadas aos textos?

Isso já foi mais complexo. Respeitar a palavra e criar música com força autónoma nem sempre é fácil de conjugar. Não queríamos criar meros acompanhamentos instrumentais, queríamos uma simbiose que permitisse sentir, no limite, que aquele texto tinha sido sempre para aquela música, e vice-versa. Tentámos sempre respeitar os poemas na sua versão original, adaptando-os o mínimo possível, mas claro que se tratando de quatro poetas tão diferentes, houve várias estratégias também distintas. A título de exemplo: todos os poemas de Almada são respeitados integralmente, os de Cesário também, embora num deles escolhemos só sete versos de um poema mais extenso (Contrariedades). No caso da Cláudia R. Sampaio houve mais adaptação, talvez devido ao que nos pareceu uma espécie de permanente fuga à regra, fuga à rima ou à métrica, da autora, cuja natureza mesmo assim tentámos manter na música. A canção com texto de Ana Hatherly (Aparência) conta com o primeiro e o último poema de um livro que tem por título As Aparências. Cada caso foi um caso, não foi necessariamente fácil, mas esse desafio é que nos dá prazer e, esperamos, ao consegui-lo, beneficia simultaneamente texto, música e ouvinte.

 

Para além da poesia e da música, todo o trabalho artístico em formato CD-livro é espetacular. Quem foi o responsável e que sentimentos procurou capturar?

Obrigado. A coordenação artística é do Simão Palmeirim, mas, quando apresentámos o projeto ao Diogo Conceição (fundador da Agora Lx) levando-lhe um conjunto de referentes artísticos e ideias gráficas e tipográficas, percebemos que era a pessoa certa para abraçar o projeto e que traria uma densidade e dimensão novas a todo o trabalho; é dele a coordenação gráfica. O design é da responsabilidade da Larissa Queluz, que merece toda a nossa gratidão pela criatividade, cuidado e atenção ao pormenor, que acabam por ser a chave do CD-Livro.

 

O álbum tem um tema escondido, daí surgir o “7+1 temas”. Qual foi a intenção?

O CD-Livro conta com oito temas originais e, além disso, uma pequena faixa escondida no final. “7+1” impresso no álbum vem da ideia original de cumprirmos o mote “pintar o sete” com 7 sete temas, mas à medida que trabalhávamos as canções sentimos necessidade de um oitavo tema. O alinhamento do álbum não corresponde à ordem de criação dos temas e, como o fim CD (com o tema E continuam a nascer soldados) tinha um tom algo lúgubre, quisemos acrescentar uma surpresa no final, a tal faixa escondida, uma espécie de “irónica fanfarra”, mas que pode também lembrar a importância de voltar a sorrir, voltar a dançar, ou até voltar a ouvir o álbum!

 

Já tiveram a oportunidade de apresentar este álbum ao vivo? E que mais têm planeado para os próximos tempos?

Já tivemos essa oportunidade sim, no Centro de Artes de Sines, no Musicbox ou na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, além de várias FNACs. Já no início do próximo ano temos concertos por exemplo em Setúbal ou no Porto; sendo que gostaríamos de levar este espetáculo também a públicos mais específicos, como professores e alunos, em escolas ou bibliotecas. Isto porque três dos autores fazem parte do Plano Nacional de Leitura e Pintar o Sete acaba por ser um exercício de transdisciplinaridade, ligando literatura, artes plásticas e, claro, música, o que pode ser muito interessante de explorar do ponto de vista pedagógico.

 

Têm algum evento de apresentação deste disco preparado para breve?

A próxima data é 10 de fevereiro, na Casa da Cultura de Setúbal, fica o convite para que todos venham conhecer este Pintar o Sete. Para mais, sigam-nos nas redes para ficar a par, estamos a ultimar várias outras novidades.

 

Obrigado, pessoal. Querem acrescentar mais alguma coisa?

Obrigado, nós, acrescentaríamos só que o CD-Livro dá acesso aos temas em formato digital e podem adquiri-lo através do site da banda: https://linktr.ee/naosimao. Oiçam e partilhem!

Comentários

DISCO DA SEMANA #47 VN2000: Act III: Pareidolia Of Depravity (ADAMANTRA) (Inverse Records)

MÚSICA DA SEMANA #47 VN2000: White Lies (INFRINGEMENT) (Crime Records/We Låve Records)

GRUPO DO MÊS #11 VN2000: Earth Drive (Raging Planet Records)