Depois de lançar Marrow tudo parecia
bem encaminhado para os Madder Mortem. Mas, de repente, tudo mudou. Primeiro
uma pandemia, depois doenças e, finalmente, o falecimento do pai de BP M.
Kirkevaag e de Agnete M. Kirkevaag. Um mundo a desmoronar-se que afetou a
banda, mas, mesmo assim, não foi impeditivo de o coletivo norueguês lançar o
seu mais impressionante registo, Old Eyes, New Heart. E, em tons de
homenagem, com pinturas do pai dos dois músicos citados. Para uma interessante
e profunda conversa, contactámos BP M. Kirkevaag.
Olá, Birger, obrigado por esta oportunidade! Marrow foi lançado há cinco
anos e durante esse período passaram por alguns períodos difíceis. De que forma
isso influenciou a criação deste novo álbum?
Obrigado pelo convite! Acho que definitivamente fez
uma grande diferença na forma como o álbum saiu. Depois de lançar Marrow,
também tivemos alguns destaques. Fizemos a nossa primeira pequena tournée
como cabeças-de-cartaz pela Europa, com Vulture Industries e Helheim.
Também tivemos um feedback incrível para o álbum Marrow. Por
isso, durante algum tempo, as coisas pareciam muito boas e positivas. Também
regravámos faixas para a reedição do nosso álbum de estreia, Mercury, e
fizemos um documentário, Howl Of The Underdogs. Ou seja, até 2020 as
coisas iam muito bem. Depois veio a pandemia e, como em todo o mundo, as coisas
ficaram difíceis. Acho que tivemos apenas alguns ensaios juntos como banda
completa para escrever o material para Old Eyes, New Heart. O processo
de gravação foi bastante fraturado por conta da Covid e demorou muito. Durante
esse período, vários de nós tivemos muita tensão e dificuldades nas nossas
vidas pessoais e muitas vezes parecia que, de alguma forma, o álbum tinha sido amaldiçoado.
A gravação foi finalizada em 2022, mas naquele mesmo ano a minha vida como que desmoronou.
Agnete e o meu pai estavam a ficar muito, muito doentes e o meu relacionamento
de longo prazo terminou. Não me consegui concentrar na mistura do álbum e
finalmente desisti, o que não é o meu feitio. Tentamos enviá-lo para um misturador
externo para o finalizar, mas também não resultou. No final e depois de
recuperar alguma forma de normalidade consegui finalmente terminar a mistura do
álbum em agosto do ano passado.
Old Eyes, New Heart também pode ser visto como uma homenagem ao
teu pai Jakob?
Sim, definitivamente. São as pinturas dele que podes
ver na capa do álbum, algo que sei que ele ficaria muito orgulhoso. Assim como
eu. A maior parte do material foi escrito antes de ele ficar doente, por isso não
escrevemos o álbum com isso em mente. Mas o título do álbum conecta-se com ele
como pessoa em muitos níveis. De um lado, tão velho e frágil ao mesmo tempo tão
cheio de vida e lucidez como se pode ver na sua arte. Para mim, os sons de
guitarra parecidos com órgão em algumas partes do álbum estão muito ligados a
ele e à minha infância. Ele adorava música com órgão de igreja no máximo e isso
sempre foi uma grande parte da minha vida e também uma importante influência
musical. A única coisa que provavelmente me irá assombrar até o dia em que eu
sair da vida é que ele não conseguiu ver as suas pinturas no produto final, nem
ouvir o resultado final.
E ainda teve a oportunidade de contribuir para
este álbum? Em que aspetos?
Ele contribuiu, como mencionado anteriormente, com as suas
pinturas para a capa. Também por estar sempre ao meu lado e da minha irmã como o
nosso maior suporte e nos apoiar em tudo o que fizemos. Sempre nos incentivou a
fazer o que fazemos de melhor, ajudando no que pudesse.
Tendo tudo isto em conta, como foi a preparação
para este álbum e quais foram os principais objectivos a cumprir?
Sabíamos que queríamos que fosse um pouco diferente de
Marrow. Um pouco mais frio, um pouco mais agressivo. Por mim, queria
incutir um pouco da agressividade e da loucura encontradas no nosso álbum All
Flesh Is Grass de 2001, especialmente a pensar no trabalho de guitarra.
Para quem nos acompanha há muito tempo, acho que isso transparece em músicas
como Coming From The Dark, Master Tongue e Things I’ll Never
Do. Mas, também a tentar deixar as partes mais suaves e as músicas ainda
mais puras ao estilo deles - ou, ao nosso estilo. Devido à pandemia, os
preparativos não foram de forma alguma ideais, mas tínhamos uma visão bastante
clara sobre o que queríamos alcançar. O álbum foi ganhando rumos à medida que
gravávamos e no final sinto que chegamos muito perto do que queríamos alcançar.
O álbum é composto por uma enorme diversidade
musical. Não puseram nenhum tipo de filtro no processo criativo?
Acho que esta é a nossa casa na música. Como soamos.
Para mim é tudo uma questão de emoção e se a música me atinge onde deveria. A
coragem na nossa música é mais importante que o estilo, se isso faz sentido. O
coração é mais importante do que qualquer nota. Amamos tudo, desde metal
até clássico, pop, country, jazz. Tudo! Na verdade, não é
um exercício intelectual de forma alguma o modo como escrevemos a nossa música,
como se pode ter a impressão. Simplesmente seguimos as melhores ideias
disponíveis e tentamos deixar que elas ditem aonde nos levam. Portanto, não.
Sem filtros, na verdade. Mas melhoramos muito em manter a essência da ideia e
em tentar garantir que isso seja transmitido ao ouvinte. Talvez especialmente
para mim como engenheiro de som e misturador. É fácil seguir em muitas direções
diferentes, mas às vezes perdes de vista qual era o cerne da ideia original.
Acho que isso é algo que tentamos constantemente a melhorar.
Como conseguem mesclar tamanha diversidade de
influências nas vossas composições?
(Risos). Acho que é natural para nós agora. É a soma
de tudo que ouvimos, lemos, vimos e vivenciamos na vida - e já não somos muito jovens
(risos). Além disso, melhoramos no que fazemos com o passar dos anos. Seria
constrangedor para nós não fazer isso. É sobre trabalhar em qualquer que seja a
ideia para a fazer funcionar como um todo no contexto da banda e fazê-la cantar
e atingir o nervo certo.
Este é, sem dúvida, um
álbum cheio de surpresas. Mas é, definitivamente um álbum Madder Mortem, não
concordas?
Definitivamente, é um álbum Madder Mortem. E é
isso, pelo menos na minha opinião, o que procuro. Trabalhamos para nos
aproximarmos da essência do que somos, musicalmente. Provavelmente sempre
seremos considerados uma banda “diferente”, mas tenho orgulho disso. Tenho
orgulho de soarmos como nós e nada mais. É muito bom ouvir isso de uma
perspetiva externa em relação às surpresas. Não ouço assim necessariamente, já
que as horas gastas a escrever, gravar e misturar este álbum estão na casa dos
milhares. Mas acho que sei o que queres dizer. Tem muitas reviravoltas, isso é
certo. Altos e baixos, como a própria vida. Acho que gravitamos naturalmente em
torno desse tipo de contraste na música. Por exemplo, algo pesado tem mais
impacto se tiver uma contraparte mais suave. Escuro versus claro e assim
por diante. Além disso, ficamos entediados muito rapidamente (risos).
Por que escolheram este
título enigmático, Old Eyes, New Heart? Qual é o seu significado e como surge?
Para quem nos acompanha há algum tempo não é surpresa
que o título comece com a letra O. E também é uma citação de uma letra do nosso
álbum Red In Tooth And Claw. Gostamos de unir as coisas com o nosso
passado assim. Para mim, o título agora também fala muito do meu pai. Mais do
que supunha a ideia original. O significado por trás disso, a meu ver, é que os
velhos olhos representam experiências de vida - boas e más, envelhecimento,
crescimento, retrospetiva, compreensão e também dificuldades; enquanto o novo
coração aponta para a esperança, abraçar a vida, a diversão, a mudança,
aproveitando ao máximo de cada segundo que temos aqui no planeta Terra. Também
musicalmente, a ideia era que o lado A do álbum, Old Eyes, remetesse
fortemente para o nosso passado com agressividade e desolação, enquanto o lado
B, New Eyes, olhasse para frente, é um pouco mais otimista na sua
natureza e um pouco menos introspetivo.
Liricamente, de que
trata este álbum?
Agnete escreve todas as letras, portanto acho que
seria ela quem daria a devida justiça a esta resposta. Eu sei que ela passou
por uma fase muito difícil na vida ao escrever as palavras e até certo ponto, as
letras refletem isso. Sinto que lidam com raiva, turbulência interior, amor,
resignação, perda de esperança e sonhos e, por outro lado, com a esperança de
mudança e a esperança de que uma vontade forte possa superar e prevalecer até
mesmo nas horas mais sombrias. As letras parecem universais para mim, palavras
com as quais a maioria de nós se pode identificar intimamente. Tenho muito
orgulho das letras da Agnete porque acho que são extremamente bem escritas,
importantes e dão outra dimensão à música.
Já tiveram oportunidade
de tocar Old Eyes, New Heart ao vivo?
Fizemos uma festa de lançamento do novo álbum em Oslo
no dia 3 de fevereiro, onde apresentámos o álbum na íntegra. Foi um grande
desafio, devo dizer, mas foi incrível finalmente obter reações às músicas
diretamente do público. Neste momento estamos a trabalhar para garantir que este
álbum soe matador no formato ao vivo.
Entretanto, estão já
confirmados para o Inferno Festival 2024. O que estão a preparar para esse
evento?
Sim! Vai ser muito bom! Na verdade, é um pouco
paralelo ao festival, mais como uma montra para a nossa editora Dark Essence
Records, com os colegas signatários Dwaal. Pretendemos arrasar e dar
ao público um espetáculo muito intenso da música Madder.
E que mais têm planeado
para este novo ano? Portugal estará incluído?
Tocaremos no festival ProgPower na Holanda no
outono, isso está confirmado. Além disso, esperamos tocar muito mais ao vivo e
adoraríamos voltar a Portugal. Adoramos ter ido aí! Ainda não há planos
específicos de tournées ou algo assim, mas há grandes esperanças de que
possamos fazer acontecer algo.
Obrigado, Birger, foi
uma honra. Queres enviar alguma mensagem para os nossos leitores e para os
vossos fãs?
Esperamos que deem ouvidos ao nosso novo álbum Old
Eyes, New Heart e um enorme obrigado por estarem connosco. Como disse,
adoramos Portugal e espero sinceramente que possamos voltar muito em breve e
partilhar a nossa música convosco ao vivo. Muito obrigado pela entrevista!
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