Entrevista: Vitoria & The Kalashnicoles

 


Inicialmente era um projeto a solo de Sofia Vitória, mas as contingências da vida artística levaram os seus temas para um explosivo coletivo de female power assente em gente que vem das mais diversas artes performativas – Vitoria & The Kalashnicoles. O primeiro álbum já roda por aí, Sentimental Machine Gun, foi trabalhado ao longo de 4 anos, e é por isso mesmo que os temas inicialmente compostos evoluíram para onde menos se esperava. Como nos conta a mentora do projeto Sofia Vitória.

 

Olá, Vitória, como estás? Antes de mais, obrigado pela tua disponibilidade para nos falares deste teu novo projeto. Quando sentiste a necessidade de saltares do teu projeto a solo para uma banda? O que procuraste atingir com este passo?

Olá, Pedro! Obrigada, eu pelo interesse nas Kalash. A passagem de solo para banda não foi bem uma necessidade ou uma decisão. Eu, a Carol, a Joana e a Margarida andávamos a pensar formar uma banda e já tínhamos pensado no nome Kalashnicoles. No fim do verão de 2017 fomos convidadas para tocar num evento da Queer as Fuck nas Damas em Lisboa. A ideia inicial era tocarmos covers, porque ainda não tínhamos músicas feitas. Percebemos que teríamos de tocar originais e então decidimos tocar os temas que eu já tinha a solo, e foi assim que começaram as Vitória & The Kalashnicoles. Claro que mudou tudo e as músicas foram para lugares que eu nunca tinha imaginado, isso foi muito bonito e muito surpreendente.

 

Já agora, como é que surge esta nome Kalashnicoles? Alguma ligação às célebres armas de fabrico russo?

Ah claro!!! Kalashnicoles é a junção do nome da arma com Nicoles, que remetem ao imaginário das bandas de back vocals muito “femininas” e delicadas.

 

Ou seja, podemos ver aqui alguma analogia entre o armamento bélico e as vossas palavras a serem usadas como armas?

É uma tentativa, talvez inútil, de combate às armas bélicas. A sugestão de que, podemos e devemos utilizar-nos de armas que estejam à nossa disposição para combater precisamente as normas predatórias, opressivas e destrutivas que nos rodeiam. A banda procura relacionar-se com a eterna ideia de que “a canção é uma arma”. Procuramos repensar certas armas através da nossa arma que é a expressão artística e voz que temos.

 

Todos os membros já têm alguma experiência noutros projetos, seja no teatro, música ou performance. Foi fácil juntar esta gente que agora te acompanha?

Sim. Todas as pessoas da banda trabalham com artes performativas, nomeadamente teatro, música e dança. No dia a dia sabemos que não é fácil juntar 6 pessoas para tocar, principalmente uma banda que ainda não tem uma estrutura financeira ou uma regularidade de concertos. Quando efetivamente conseguimos reunirmos no sótão para tocar aí sim é fácil. Sinto-me muito sortuda por poder tocar e trocar ideias com todas as pessoas que estão e vão passando pelas Kalashnicoles.

 

Sentimental Machine Gun é o vosso primeiro álbum. Foram dois anos de trabalho. Porque tanto tempo?

Na verdade, foram 4. Nós tínhamos começado a pré-produção do álbum quando começou a pandemia. Acabamos por gravar tudo separado e demorou muito porque, como não temos apoios ou financiamentos, tivemos de ir gravando quando cada uma tinha um tempo entre trabalhos e compromissos. Ninguém estava só a fazer isto em nenhum momento. Uma vez que já estava a ser demorado, acabamos por decidir que então iriamos demorar mesmo e já agora fazíamos tudo o que queríamos. Acho que houve um momento em que, por não termos um prazo, decidimos aprofundar o trabalho, desenvolver e depurar os temas e isso acabou por nos levar mais tempo. Eu devo dizer que apesar da angústia de demorar tanto tempo, acho quase um ato de resistência dedicar 4 anos a um álbum numa fase em que vivemos tudo tão rápido. E foi muito gratificante poder desenvolver todas estas ideias até ao fim e deixar muitas ideias para trás e gravar durante muitas horas e explorar muito material. 

 

De que forma descreverias este conjunto de canções para quem ainda não vos conhece?

Eu tenho muito afeto por estes temas porque foram os primeiros que fiz, custa-me muito enfiá-los em secções ou em géneros. Apesar de já ser adulta quando os escrevi acho que são temas que ainda trazem neles muita da minha inquietação de criança e adolescente.  São uma ode ao sentimentalismo, ao questionamento e à possibilidade de vermos outras formas. Chutam para vários lugares, tem para todos os gostos, da balada ao grito. Acho que elas são um desabafo meu, das coisas que penso e como vejo o mundo e acho que as gravámos e as tocamos ao vivo na procura de alguém que queira pensar connosco, ou sentir connosco, refletir sobre o que nos rodeia. Às vezes em tom romântico e sofrido outras com uma certa ironia e jarda.

 

Sabemos que tiveram o privilégio de contar com alguns convidados. Queres apresentá-los e falar brevemente sobre o seu input para o resultado final?

Tivemos sim. O Yaw Tembé gravou trompete na Missing Place. Foi surpreendente, eu quis tirar a guitarra elétrica daquele tema e ele tocou um trompete que soa um pouco a guitarra elétrica e o que o Yaw trouxe levou-nos e repensar todo o tema, levando-o para um lugar inesperado.  O Moisés Perez fez um arranjo lindo para a New World, de tal forma que deixámos as duas versões deste tema no álbum, e este string ensemble que toca também um arranjo genial da Cire Ndiaye é formado pela própria Cire, pela Ângela Flores Baltazar, pela Beatriz Almeida, pela Maria da Rocha e pela Kristina Van de Sand que são músicas e instrumentistas eximias e belíssimas. Tínhamos feito todas juntas um espetáculo há uns anos e foi muito especial reencontrarmo-nos para esta gravação. Para esse mesmo tema, Genesis, convidámos também o David Pires e o João Firmino que já tocaram muito juntos e são amigos. Foi uma sessão de estúdio única, foi muito especial assistir à cumplicidade deles a tocar. Estas participações elevaram o disco a outro lugar, cada vez que alguém se junta a um trabalho revoluciona-o, mesmo que de forma subtil. Cada pessoa traz o seu universo musical consigo e eu sinto que assistir a alguém que chega novo e cria algo mais para aquela canção é das partes mais estimulantes e surpreendentes do processo. A cada take que gravávamos eu ficava muito emocionada por ver alguém acrescentar-se aqueles temas que eu escrevi anos antes num papel sem fazer ideia de que chegaria ali.

 

Um dos vossos objetivos era o lançamento deste álbum em formato vinil. Já aconteceu? Está para breve? O que nos podes adiantar? 

Ainda não aconteceu. Neste momento só temos CDs. É possível adquirir o CD contactando-nos através das nossas redes, enviamos pelo correio ou entregamos em mãos em Lisboa.  O vinil é o próximo passo, estamos a tentar fazer a primeiríssima edição ainda este ano.

 

Já tiveram a oportunidade de apresentar este álbum ao vivo. Como correu o evento? E a partir de agora, já há outras datas confirmadas?

Fizemos a primeira apresentação do álbum em Lisboa, na Casa Independente. Foi uma noite linda e casa cheia para celebrar o álbum, muitos amigos e muitas pessoas que ao longo destes anos foram estando connosco. Vamos tocar nos Maus Hábitos no dia 5 de setembro e dia 31 de maio na SMUP.

 

Obrigado, Vitória! Queres acrescentar mais alguma coisa para os nossos leitores e para os vossos fãs?

Espero que a entrevista vos aguce o apetite para nos ouvirem e fiquem atentos a novidades! Queremos muito alargar o nosso público e estamos a trabalhar para tocar por todo o país. Esperamos que a nossa música possa trazer questionamento e um sentimentalismo esperançoso. 

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