Entrevista: Tardigrade Inferno

 


Tardigrade Inferno. Um nome único no panorama musical e metaleiro internacional. Nasceram em 2016, em S. Petersburgo, na Rússia e Burn The Circus é o seu mais recente disco, lançado em finais do ano passado. Foi para nos falar sobre ele que estivemos à conversa com Darya Pavlovich. Mas a conversa fluiu em muitas direções diferentes e para bem longe. Da Rússia, com amor, com paixão, com entusiasmo, com sentimento… e com temor – eis os Tardigrade Inferno na visão da sua vocalista.

 

Olá, Darya, como estás? Obrigado pela disponibilidade. Podes apresentar os Tardigrade Inferno aos metalheads portugueses?

Olá! Obrigado por enviares as tuas perguntas, às vezes é desafiador, mas agradável respondê-las. De momento, tenho muito trabalho com a banda, lidando com diversas tarefas, grandes e pequenas, de diferentes áreas. Quem me teria dito aos 16 anos que ser vocalista e frontwoman de uma banda de metal é uma ocupação tão exigente! Mas vale a pena. Prefiro apresentar Tardigrade Inferno como dark cabaret metal. É uma variedade de metal avant-garde com a atmosfera de cabaret e circo e a estética sombria de decadência. Mas as palavras não refletem a verdadeira imagem. Imagina-te a entrar numa antiga taberna, com paredes encharcadas de fumo de tabaco e aroma de whiskey, decoradas com retratos de músicos icónicos como Lemmy Kilmister, Ozzy Osbourne, Chuck Schuldiner, Freddie Mercury, Phil Anselmo, os irmãos Duplantier, Fredrik Thordendal, Dimebag Darrell, Dani Filth, Jonathan Davis e inúmeros outros. Atrás do bar há um barman de cartola a limpar um copo, um brilho peculiar nos seus olhos chama a atenção. Um dos seus olhos tem um tom anormal de amarelo, a sua pele pálida como se nunca tivesse visto a luz do dia. À medida que navegas pelo salão, já repleto de centenas de pessoas numa variedade de fantasias, não consegues deixar de perguntar como todas elas se encaixam. Há um homem corpulento com uma t-shirt dos Slayer, uma jovem esbelta com orelhas de gato fofas, pessoas de todas as idades com mercadorias de marca, um grupo de homens vestidos de palhaços, uma mulher vestida com um fato corporativo, cosplayers adolescentes e até um médico da peste com equipamento completo (com bastão e máscara). O som da fanfarra enche o ar enquanto um palhaço metaleiro maníaco, um padre mímico pintado de cadáver e um acrobata do inferno sobem ao palco, saídos diretamente de um filme de Tim Burton. Rugidos de guitarra, trovões de baixo, bateria impulsiona o sangue e teclados permeiam a atmosfera. Então, surge o próprio Ringmaster, uma pequena tirana com imensa autoridade e ouves do que um contralto pode ser capaz. À medida que a temperatura sobe, ela roda os seus longos cabelos negros como um helicóptero, a brisa esfria a sua testa febril. Música após música, és levado para o mosh pit ao lado de um tipo com uma máscara de Slaughter to Prevail. Se caíres, eles levantam-te; se estás cansado, eles deixam-te passar; se estás com sede, o misterioso barman dá-te cerveja. No final do espetáculo, é como se estivesses a viver cada música sozinho, a cair num poço gelado de desespero, a voar em direção ao sol escaldante e toda o lixo da tua alma seca como barro, desmorona e só a própria alma permanece pura e pronta para viver. Depois da banda desaparecer com um estrondo, deixando para trás um cheiro persistente de enxofre, ficas no meio da multidão suada, querendo nada mais do que limpar, descansar e voltar mais uma vez. Essa é a experiência. Já querem experimentar? Mergulhem na nossa discografia.

 

Os Tardigrade Inferno são, de facto, uma banda muito peculiar. De onde vem a inspiração para as vossas criações?

Das nossas diversas experiências de vida, talvez. Todos os membros da banda são diferentes. Temos vários gostos e formações artísticas, mas temos muito em comum. As nossas experiências musicais, de vida e culturais manifestam-se, em última análise, mas nossas ideias musicais. Primeiro, vamos falar sobre a nossa fórmula musical. Na nossa juventude interessamo-nos pelo género dark cabaret (The Dresden Dolls, Tom Waits, The Tiger Lillies, etc.). Esse género flutua numa nuvem de imagens grotescas, sátira, humor negro, estética circense, gótico, steampunk, Edgar Allan Poe e Tim Burton. Também se carateriza pela abordagem de encontrar humor no macabro. Normalmente é uma música animada que dá vontade de dançar com o parceiro desejado numa taberna escura, saturada pelo cheiro de cigarro e álcool derramado. E esta música animada pode contar histórias de aspetos sombrios da realidade e da condição humana, de morte e sofrimento (olá, Till Lindemann). Em suma, é uma festa durante uma peste. Depois descobrimos e apaixonamo-nos pela banda Stolen Babies. Esse pessoal tocava o mesmo tipo de música, mas com todos os atributos do metal, além de vocais femininos. Achamos que era genial. Mas sentimos que alguma coisa ainda estava em falta. Parecia muito bom. Linda, vanguardista, com o baixo pulsante, Dominique Lenore Persi declara sexualmente e grita que o mundo é uma manobra. Mas faltou a sensação de uma multidão selvagem e suada no meio de um mosh pesado. Gostamos muito da estética, mas éramos (e somos) fãs do Slayer, que ouvem I de Meshuggah nas festas e não tem vergonha de amar os breakouts com guitarras afinadas. Então decidimos fazer o nosso próprio bolo com cobertura de mercúrio. Decidimos pegar no bastão dos Stolen Babies, mas torná-lo mais pesado, mais brutal, mais forte e... mais acessível. Essas condições iniciais abriram para nós um enorme oceano cultural, composto por vários movimentos subculturais. Este é, obviamente, um tema comum; muitos artistas existem dessa forma. Existem músicos de black metal inspirados nos poetas da Era da Prata, no cinema soviético e nas obras de Prokofief. Mas, no nosso caso, a nossa nuvem de etiquetas culturais é clara para nós e não precisámos de resolver puzzles. Musicalmente, inspiramo-nos em quase tudo que sabemos sobre música. Claro, certas coisas estão na base do nosso estilo, mas ao nos moldarmos como artistas, usamos intuitivamente tudo o que aprendemos. É música negra (blues, soul), clássicos como Led Zeppelin, King Crimson, Pink Floyd, thrash metal dos anos 80, Pantera, death metal, a segunda onda de black metal, Meshuggah, Gojira, Porcupine Tree, deathcore, Lady Gaga e muito mais, muito mais. Lembro-vos: temos gostos musicais diferentes, partilhamos uns com os outros algumas coisas particularmente memoráveis, e frequentemente sugerimos referências não óbvias quando trabalhamos no material. De uma forma ou de outra, tudo o que conhecemos e amamos inspira Tardigrade Inferno. Filmes, musicais. Adoramos filmes diferentes - autorais, artísticos, convencionais. Mainstream menos a cada ano. Isso influencia-nos e reflete-se no que fazemos. Nas esferas semântica, visual e simbólica. Podes assistir a um filme (ou ler um livro), ouvir algo novo do autor, começar a pensar sobre isso e quereres contar numa música. Podes ver uma personagem num filme, como ela se veste, se comporta e soa. Ou, em busca de como transmitir a atmosfera numa música, lembra-te de uma atmosfera semelhante num filme e ouve como ela foi transmitida na banda sonora e no design de som. Por exemplo, neste momento estamos a trabalhar numa música bastante melancólica com um riff raivoso e exterminador, e como inspiração estamos a recorrer aos desenhos animados da Disney, The Wall e Charles Maturin (escritor irlandês do início do século XIX). O mesmo para videojogos. Somos fãs de videojogos (de Doom e Half-Life a Cat Lady e Pony Island). O nosso Maxim (Belekhov, baixista e autor do projeto) até escreve jogos ele próprio. Ele tem vários e o mais recente acabou por ser uma distopia muito fixe. Chama-se Ponte para o Coração do Major. Eu não sou uma grande jogadora, mas ou observo Sasha por cima do ombro enquanto ele joga (infelizmente, não há muito tempo para essas alegrias), ou aprendo algo sobre jogos nas redes sociais, tropeço em notícias - em resumo, gostes ou não, saberás sobre eles e eles influenciar-te-ão. Os videojogos há muito que se tornaram arte em todos os sentidos da palavra, por isso influenciam o nosso pensamento, opiniões e gostos.

 

Principalmente notei uma influência teatral muito forte. Têm alguma experiência nesta área?

Boa pergunta, obrigado! Em primeiro lugar, a própria música e a sua atmosfera contribuem para a performance. Cabaret, circo, musicais, pesadas cortinas de veludo, passos de sapatos laqueados no palco, holofotes, looks enfeitados com delineador preto grosso, humor negro, pensamentos sobre o eterno. Mentalmente, encontras-te em palcos teatrais. Isso influenciou muito a minha linha de pensamento, juntamente com o que compartilharei a seguir. Quando a banda estava a começar e estávamos a fazer as nossas primeiras demos, notei uma caraterística particular nas letras. Maxim escreve letras muito interessantes. Com raras exceções, são histórias nas quais se desenrolam acontecimentos não felizes, mas sim assustadores e trágicos. Como pessoa sensível e imaginativa comecei a lê-los e a ponderá-los, procurando semelhanças dentro de mim e deles, vivenciando-os. Mais tarde, comecei a levar mais a sério o processo de compreensão das letras. Foi importante para mim entender o que Maxim queria transmitir, se entendi corretamente. Mas, ao mesmo tempo, ainda os enchia com as minhas distorções pessoais. Ao mesmo tempo, fiquei fascinada pela psicologia e pela psiquiatria, lendo vários artigos. Quanto mais eu analisava, mais claro ficava para mim - distorções na perceção dos textos são inevitáveis porque cada pessoa tem as suas próprias experiências, emoções e memórias pessoais, e é um indivíduo com um caráter único. E tudo isso influencia como uma pessoa entenderá determinada situação, metáfora, piada e como reagirá a ela. Em outras palavras, por exemplo, se a Pessoa A descreve uma situação que considera inaceitável, a Pessoa B pode discordar dessa perceção. É normal e ele descreveria tal situação de forma completamente diferente. Para ilustrar isso, uma pessoa pode descrever uma queima de fogos de artifício de Ano Novo com uma voz alegre (fogos de artifício são um sinal lindo e brilhante de um dia feliz para ela). Outro pode descrevê-lo com indiferença (talvez esteja habituado, ou talvez não se importe muito com festas, talvez esteja deprimido). E uma terceira pessoa pode murmurar algo com uma voz deprimida - a sua experiência de vida influenciou negativamente este evento (TEPT ou trauma vivido em tais condições). Comecei a usar essa conexão entre o corpo e as emoções em duas direções – permitindo-me sentir quem é esse narrador, quem sou eu agora, e depois permitindo que o corpo falasse. Contraindo, expandindo, gritando, assobiando. Usei esses impulsos para moldar o som e o ritmo. Claro, no âmbito da música. Desta forma, em algum momento, decidi juntar-me a um grupo local de teatro amador. Esta foi uma espécie de estágio culminante. Percebi que durante todo esse tempo agi por intuição. É claro que não nos aprofundamos nos segredos do domínio da atuação ali, mas o que vi e experimentei permitiu-me consolidar as minhas conclusões. Fui lá uma vez por semana durante vários meses. Houve um concerto final (onde executei dois números a solo), e tive que interromper as minhas visitas porque o prazo final dos espetáculos dos Tardigrade Inferno estava a aproximar-se. Não tive que sofrer para fazer escolhas e definir prioridades porque frequentei os cursos principalmente dos Tardigrade Inferno, para aprimorar as minhas habilidades como artista. Porém, posso dizer que numa realidade paralela gostaria de ser atriz. Depois, comecei a usar de forma mais consciente uma abordagem de atuação nas músicas e a afirmar que era a única correta. Se vires master classes ou trabalhos de estúdio nos bastidores - de uma forma ou de outra, o intérprete da música deve evocar dentro de si o clima e o sentimento necessários e transmiti-los ao ouvinte. O apogeu e apoteose disso para mim foi na música Burn The Circus – o tema título do álbum. Pedi ajuda ao meu professor de canto com formação académica e, durante o nosso trabalho, além dos vocais propriamente ditos, também desenvolvi a minha experiência de atuação. Um vocalista é um instrumento complexo e caprichoso por si só, exigindo uma abordagem individual para afinação, com instruções como "imagina que a tua cabeça é uma enorme cúpula e o vento uiva por dentro" ou "imagina que estás no duche e a água gelada está a cair sobre ti" para criar o som desejado. Repara, tudo se encaixou perfeitamente – o estilo, a atmosfera, as qualidades pessoais e os interesses dos membros da banda, como nos reforçamos e complementamos uns aos outros. Juntos, pouco a pouco, moldamos a nossa aparência, figurinos e comportamento em palco. A minha pequena experiência no grupo de teatro abriu os nossos olhos e ensinou-nos a aprender a arte performativa. Talvez o que estou a dizer seja óbvio, mas o caminho para perceber isso para mim foi esse. E continuo a caminhar, confiante de que tenho muito mais para entender e compreender. Continuo a examinar o mundo ao meu redor com a minha consciência e analiso, analiso, analiso.

 

O que nos podes dizer a respeito de Burn The Circus, o vosso mais recente álbum?

Burn The Circus representa a continuação da evolução dos Tardigrade Inferno. Neste álbum pegamos em tudo do melhor de Tardigrade Inferno e deixamos ainda melhor. Mais expressivo, mais agressivo. Conduzimos novas experiências bem-sucedidas. No primeiro álbum testamos a nossa ideia e vimos que as pessoas gostaram e isso diferenciou a banda de todas as outras. Em Burn The Circus, complementamos a nossa ideia com novas cores, mostramos mais e expandimos os limites da nossa forma. Não é algo radicalmente novo para a banda; pelo contrário, são degraus sólidos que sobem uma escada íngreme. Em algum lugar lá em cima naquela escada, um Grammy está a brilhar. Pessoalmente, estou orgulhosa deste álbum. Tive que crescer para ele e, definitivamente, não sou a mesma pessoa que era antes de trabalhar nele. Este álbum mostra a banda de duas perspetivas diferentes. Por um lado, é o resultado de um processo criativo emocionante no qual repensamos a nossa criatividade e escrevemos músicas excelentes que correspondiam à nossa visão e estado naquele momento. E isso contribuiu para a rica produção de harmonias de felicidade. Por outro lado, este álbum foi escrito e gravado durante um período complexo de desespero, supressão e pensamentos suicidas. Isso levou a uma forte falta de harmonias de felicidade. Portanto, o álbum foi criado no cruzamento do prazer e da luta, o que nele se reflete e o torna um trabalho forte e honesto. Neste álbum, a gente amadureceu, por isso choramos mais alto e rimos mais sarcasticamente. O álbum começa com uma história brutal que nos acompanha desde o início da civilização. Uma história apresentada em plena conformidade com o nosso estilo. Na música, no vídeo e no som. Portanto, desde os primeiros segundos, fica claro do que se trata de Tardigrade Inferno. A seguir vem uma história steampunk sobre um criador brilhante e a sua criação (este é um dos temas constantes no nosso trabalho, merece uma discussão à parte) numa forma de rock que faz as pessoas enlouquecerem em espetáculos ao vivo. Depois temos uma história de detetive noir ambientada numa cidade abstrata habitada por ratos. O famoso detetive de ratos está à procura do assassino de cidadãos-ratos. É uma comédia alegre e fofa, mas que ecoa a primeira música, levantando uma questão sobre um dos lados obscuros da nossa realidade. Em seguida, passamos para uma música de cabaret verdadeiramente sombria, um monólogo sobre relacionamentos doentios e abusivos entre pessoas, que acontecem com muita frequência, com mais frequência do que podemos suportar. Esta música demonstra bem a combinação de uma performance calorosa e íntima de cabaret escuro e um concerto suado a 120 dB.

 

Este título tem algum significado? O que estão a tentar dizer com ele?

Numa entrevista anterior, Maxim disse: “Não é um álbum conceptual, mas sim um conjunto de músicas unidas por um tema comum. É sobre o período negro da minha vida, sobre ansiedade, ódio por mim mesmo e um sentimento de inferioridade. Muitas músicas mencionam suicídio (porque era o meu pensamento comum na altura), mas o álbum termina com a queima simbólica do circo, a queima da sua antiga vida e do seu antigo eu. Portanto, de certa forma, é uma história de autodescoberta e renascimento metafórico.” Acredito que não tenho o direito de reformular ou interpretar as suas palavras de forma diferente, por isso as cito. De mim mesmo, acrescentaria o seguinte: existe uma frase, ‘queimar tudo’, que significa que não queres ou podes fazer mais um esforço e queres livrar-te rapidamente de algo. A vida atira-nos coisas desagradáveis. Sofremos e muitas vezes não nos permitimos passar por isso, envenenando-nos e esgotando-nos. E alguém precisa chegar ao fundo do poço para sair dele, queimar para que um novo rebente possa surgir fecundado pelas cinzas restantes.

 

Para este novo álbum, quais foram os vossos principais objetivos? Ser ainda mais experimental, mais vanguardista ou mais catchy?

A nossa banda foi sempre experimental e vanguardista no seu conceito desde o início. Ao mesmo tempo somos uma banda única e reconhecível. Vimos como diferentes pessoas nos comparam ao deathcore, ao death metal melódico sueco e a outras comparações igualmente intrigantes. Também fomos comparados a artistas como The Tiger Lillies e Mr. Bungle, o que também é uma analogia muito interessante. Repara que muitas vezes somos comparados a artistas muito diferentes e bastante distantes uns dos outros. Acredito que esta seja uma caraterística bastante única. Portanto, não tivemos vontade de ser ainda mais vanguardistas. Queremos ser compreendidos e, para isso, precisamos ser compreensíveis. Neste álbum, experimentámos com sucesso. Mas foram experiências no estilo de "uma música que nunca ouvimos antes", que ainda permanece exatamente uma música dos Tardigrade Inferno e de mais ninguém. Como, por exemplo, as músicas 9 Out Of 10 ou Evoke (do EP Arrival Of A Train). Constantemente conduzimos essas experimentações. No entanto, não entramos em território experimental como algo demasiado complexo ou pouco claro. mas procuramos criar algo novo e único expresso na nossa própria fórmula artística. Fizemos essas experimentações e continuamos a fazê-lo. Mas não estamos a planear tornarmo-nos uma banda mais ‘experimental’. Continuamos a nossa grande experimentação. O nosso principal objetivo foi desenvolver o nosso estilo alinhado com novas experiências de vida e musicais, bem como novas ideias sobre como vemos e sentimos a nossa banda. Para nos tornar ainda mais sólidos, expressivos e elegantes. Neste álbum mostramos as nossas perspetivas musicais de forma mais ampla, revelando um pouco mais da influência da música extrema sobre nós. É um processo contínuo. Enquanto trabalhávamos em Burn The Circus ganhámos novas experiências e ao darmos os retoques finais, já sabíamos o que faríamos no próximo álbum. E sim, tornamo-nos mais catchy. Adoramos música cativante, adoramos Slayer, Rammstein, Anaal Nathrakh, portanto ser mais catchy é sempre um dos nossos objetivos.

 

Quais são os principais temas que abordam nas vossas letras?

Este álbum não foi concebido em tempos de felicidade e alegria, mas sim no crepúsculo das nossas almas. Ao longo do processo de elaboração do material e gravação do álbum enfrentamos inúmeros desafios, que inevitavelmente deixaram a sua marca no significado original das letras. Como vocalista, muitas vezes interpreto as letras e imbuo-as com as minhas próprias associações, acrescentando camadas de profundidade à mensagem pretendida. Às vezes, a minha interpretação diverge do que Maxim tinha inicialmente em mente. Mas se isso ressoa com ele e eu acho isso convincente, preferimos mantê-lo assim, pois enriquece as músicas com profundidade adicional. No geral, os temas explorados nas canções são profundamente humanos – o medo da morte, o anseio pelo amor, a luta contra a solidão, a incapacidade de se reconciliar com a injustiça e muito mais. Através da nossa música e letras, esforçamo-nos por nos compreender a nós mesmos, o mundo que nos rodeia e o nosso lugar nele, um processo que muitas vezes é repleto de dor e dificuldade. Atualmente, estamos a trabalhar no nosso próximo álbum. E eu já notei mudanças na minha perceção da vida, na minha voz e em mim mesmo após a conclusão de Burn The Circus. À medida que continuo a refletir sobre este álbum, as suas músicas tornam-se cada vez mais vívidas e ressonantes na minha mente. É importante notar que ao ouvir o álbum e ler as letras, as tuas próprias experiências de vida provavelmente guiarão a tua compreensão e talvez descubras algo significativo para ti.

 

Contam com vários convidados para as tarefas vocais e arranjos adicionais. O que estavam à procura quando os convidaram?

Na verdade, trata-se de selecionar a paleta e os meios de expressão corretos. Precisávamos criar certas imagens sonoras que poderíamos ter feito nós mesmos. Mas para o efeito desejado decidimos usar cores específicas. Por exemplo, precisávamos de coros sing-along massivos, por isso pedimos aos nossos amigos do grindcore que emprestassem as suas vozes. Ou precisávamos de um coro de descendentes um pouco embriagados da era soviética, portanto convidámos amigos vocalistas com uma ampla gama de vozes e habilidades vocais para emular o som de uma multidão real. Parece bom. Além disso, é simplesmente emocionante – os nossos amigos do grindcore sempre ocuparam um lugar especial nos nossos corações e agora também estão creditados no álbum. Eu acho incrível, realmente gosto disso.

 

Em Mastermind tinham um teclista, mas neste novo álbum os teclados são tocados por Alexander Pavlovich. O que aconteceu?

Esta é uma história de priorização e zonas de conforto. Ser músico é uma profissão bastante desafiadora, com um caminho complexo e espinhoso. Victor não aguentou. Em algum momento, ele percebeu que era muito difícil para ele. Ele não conseguia ser suficientemente produtivo e a sua vida estava fora de controlo. Ele decidiu que se não fosse embora, poderia esgotar-se e começar a segurar a banda. Compreendemos e aceitamos a sua decisão, embora tenha sido triste e amarga para nós. Victor continua a ser um amigo próximo. Depois dele ter saído, ficamos mais fortes. Perdemos alguma coisa com ele, mas diante desse desafio compensamos, evoluímos e tornamo-nos melhores do que antes da sua partida. Ser um músico ativo em tournée não é apenas uma festa interminável com cerveja e catering (embora não o seja sem isso, é claro). É muito trabalho que nem imaginas quando sonhas com uma carreira dessas.

 

Também gostaria de perguntar a respeito do processo criativo de Burn The Circus. Seguiram o mesmo caminho da estreia ou, desta vez, tentaram novas abordagens?

Burn The Circus foi criado de uma maneira diferente e em circunstâncias completamente diferentes. No nosso álbum de estreia tínhamos um conceito e o estilo da banda estabelecidos, e simplesmente escrevemos músicas baseadas nisso. Escrevemos um certo número de faixas e reunimo-las num álbum. Desta vez tivemos uma compreensão muito melhor de nós mesmos. Além disso, fomos imediatamente orientados para a criação de uma peça que evocasse emoções e impressões específicas. Para Burn The Circus adotámos uma nova técnica. Começamos por compartilhar e discutir as ideias que tínhamos acumulado. Tínhamos uma folha com as nossas impressões sobre cada ideia, os sentimentos que evocavam e assim por diante. Posteriormente, selecionámos diversas ideias que consideramos obrigatórias e transformamo-las em músicas. Depois avaliámos o que tínhamos e identificámos o que ainda faltava no álbum (bangers, baladas, comédia, tragédia, etc.). A partir daí, selecionámos ideias do nosso pool inicial ou gerámos novas. Este é o processo que continuamos a usar. Além disso, no nosso álbum de estreia ainda estávamos a explorar os nossos meios de expressão. Técnicas de guitarra, riffs, carateres sonoros do teclado, a minha paleta vocal – tudo ainda estava sob escrutínio. Com Burn The Circus já tínhamos uma compreensão clara da nossa paleta expressiva, que enriquecemos e desenvolvemos ao longo da produção do álbum. É um pouco mais complexo do que estou a colocar aqui, mas essa é a ideia geral. O processo de gravação do álbum foi muito rápido porque chega uma altura em que não sabes o que o amanhã reserva. Queríamos fazer isso o mais rápido possível. Voltamos da nossa tournée e imediatamente começámos a gravar. Desta vez gravámos os vocais no nosso estúdio de projeto, que construímos durante o confinamento da COVID (penso naqueles tempos com uma lágrima nostálgica nos olhos). Decoramos as paredes com diversos presentes dos nossos fãs recebidos em espetáculos (uma pintura feita com sangue, por exemplo), além de adereços das nossas gravações de videoclipes. Montámos uma iluminação suave e íntima para criar a atmosfera certa - não sou fã de luzes brilhantes no teto, por isso pendurámos algumas luzes de fadas. Não pusemos fogo no microfone porque só tínhamos um. Acontece que gravamos os vocais no final do verão e no outono, e o nosso verão termina abruptamente. Estava muito quente quando começamos, e algumas vezes tive que cantar literalmente só de cuecas. E quando terminámos, lembro exatamente como ri - à noite estávamos à espera de um táxi e parados com casacos de inverno porque estava a nevar. A mistura também foi uma experiência nova porque foi a primeira vez que tivemos um grande projeto com Vladimir Lehtinen (Grima, Second To Sun, Deathorchestra). Ele entendeu muito bem a banda e criou um som expressivo que transmite perfeitamente o significado de Tardigrade Inferno. Ele assumirá o papel de produtor do próximo álbum. Simplesmente gostei de trabalhar com ele. É uma pessoa interessante, com uma perspetiva fascinante sobre a arte, e a interação pessoal é muito importante para mim. Também tivemos alguns momentos divertidos. Por exemplo, em Arrival Of A Train (do EP que faz parte do álbum), Sasha e eu passamos algumas horas a beber cerveja numa linha férrea, à espera do comboio certo para gravar uma amostra. Estava um calor sufocante e comprei um chapéu panamá com estampa de pepino. Sasha caminhou ao longo dos carris com um gravador de voz e deixou os motoristas nervosos. Também temos uma linha férrea de bitola estreita para crianças em idade escolar, não muito longe da nossa casa. Entre as locomotivas há uma locomotiva a vapor - uma pequena que apita como o Expresso de Hogwarts. Apanhamo-la estacionada após o seu trajeto e pedimos ao engenheiro que apitasse para nós. O engenheiro ficou encantado. Dava para ver que ele adorava aquela locomotiva e apitava alegremente para nós. Mas agora, com tempo quente, lembramo-nos sempre de gravar esse EP porque podemos ouvir o seu apito de manhã à noite.

 

Já tiveram a oportunidade de tocar estas músicas ao vivo? Como foram as reações? O que mais têm planeado para o futuro?

Oh sim! Já tocamos algumas músicas do Burn The Circus e as reações do público foram fantásticas. Amamos o álbum desde o início, ficamos orgulhosos, ouvimos o nosso progresso musical e mal podíamos esperar para o mostrar ao público ao vivo. Uma coisa é trabalhar duro no estúdio, e outra totalmente diferente é encarar o público e ver como eles respondem pessoalmente. Nós preparamo-nos bem. Adicionei alguns acessórios à apresentação (estamos a ficar um pouco teatrais de novo) e as pessoas adoraram. Adoro ver a reação das pessoas nos espetáculos, embora às vezes fique um pouco nervosa quando vejo pessoas muito entusiasmadas, porque estou um pouco ansiosa e acostumada com a ideia de que as pessoas podem ser agressivas. Mas, felizmente, não tivemos problemas sérios ao longo da nossa carreira. Mesmo assim, prefiro ficar alerta. Felizmente, os nossos fãs são as pessoas mais doces e amigáveis. Neste momento, já estamos a trabalhar num novo álbum, a escrever músicas e a explorar novas abordagens para a nossa música. O futuro, como sempre, é incerto. Mas estamos a fazer tudo o que podemos. Estamos prontos para trabalhar, prontos para nos apresentar e queremos fazer uma tournée pelo mundo.

 

De que forma o facto do vosso país estar envolvido numa guerra afetou o dia a dia de uma banda como os Tardigrade Inferno? Sentiram diferenças entre o depois e o antes da guerra?

Na verdade, não temos permissão para responder a perguntas como esta por motivos que também não podemos explicar. Mas, é claro, as nossas vidas foram divididas em antes e depois. Além das razões óbvias, isso também aconteceu porque vivíamos sob a ilusão de que o mundo moderno era de alguma forma diferente da história humana passada. Agora percebemos que nada de novo está a acontecer e, aparentemente, nada mudará na civilização humana, exceto a capa. Portanto, decidimos que precisamos continuar a fazer o que fazemos para sermos as pessoas que fazem algo de bom nesta pilha fedorenta de lixo chamada realidade humana.

 

Obrigado, Darya, mais uma vez. Queres enviar alguma mensagem aos nossos leitores ou aos vossos fãs?

Obrigado pelas perguntas! Embora tenham vindo em forma de texto e a entrevista tenha sido essencialmente o meu monólogo, sinto que terias sido um conversador agradável. Gostaria de dizer o seguinte aos leitores e fãs: Amor. Cuidado. Gentileza. Apoio. Sensibilidade. O mundo precisa deles. Olhem em vosso redor - há pessoas próximas que sofrem alguma coisa todos os dias e estão amarguradas. Sorriam para o caixa da loja, desejem um bom dia ao motorista do autocarro, apoiem o vizinho desajeitado no elétrico, segurem a porta para a mulher do carrinho. Ou pelo menos contenham-se e não lutem de irritação. Não estou a pedir para dar a outra face e não resistir a vários idiotas irritantes - ah, há muitos deles, e eles merecem uma estalada. Mas não sejam idiotas. Mostrem ao mundo um exemplo, deem aquela gota de gentileza. Uma cairá em terra seca e a centésima despertará a semente adormecida. A milésima alimentará a folha de relva. Talvez então nos encontraremos nos jardins do Éden, onde Tardigrade Inferno faria espetáculos.


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