Fado! Tal Como o Conheci (NUNO DA CÂMARA PEREIRA)
(2024, Independente)
Nuno da Câmara Pereira tem promovido o fado desde que se estreou em
1982, por isso não admira que o seu mais recente álbum traga como título
genérico Fado! Tal Como o Conheci. O disco conta com 12 faixas entre
canções originais e versões, a variar entre fados mais tradicionais e boémios e
uma abertura com Menino da Luz em tom de balada de cantautor. Entusiasma
esta abertura, mas Fado! Tal Como o Conheci não mais volta a ser assim.
Por duas vezes revisita o fado de Coimbra (em Maria Se Fores ao Baile e Passarinho
da Ribeira), e das duas, deixa no ar a sensação de que a sua projeção vocal
já não tem capacidade para esta vertente do fado. Há tempo para cantar o Alentejo
e para inserir outra tradição lisboeta com a Marcha da Bica. Merecem destaque as histórias engraçadas em torno de Última Tourada Real ou de Marquez
Linda-a-Velha, mas perde-se em letras sem nexo em Joaninha. Mãe é um tema fortemente emocional, com um instrumental
tocante, mas onde o artista não consegue fazer passar a mesma emoção. Ora, como
se percebe, este é um disco bipolar, alternando entre momentos belos e outros
desinspirados. E, certamente, também não foi assim que Nuno da Câmara Pereira
conheceu o fado. [74%]
Echoes Through Time (MARS COUNTY)
(2024, Independente)
Três singles em 2022 e uma vitória no XXVII
Festival de Música Moderna de Corroios. Rapidamente, é este o CV dos Mars
County que, finalmente, chegam ao seu primeiro longa-duração. Echoes
Through Time traz assim um rock negro, com sonoridades ondulantes e muitos
ambientes a tocar o psicadelismo. É um álbum que navega em ondas de um dark
country assente em vocais graves, com aproximações ao trabalho de John
Mercy, embora não tão sofisticado, nem pormenorizado. Mas também é possível
sentir o pulsar de um rock mais alternativo, com ênfase na variabilidade
do trabalho rítmico. E é aqui que nos apercebemos que os Mars County
também ouviram tanto U2 (numa perspetiva mais internacional) como Víctor
Torpedo (numa orientação mais caseira). Echoes Through Time é
um disco que, apesar de incluir Luminous, não é muito luminoso, optando
por tons musicais que se guiam sombra ou pela meia-luz. E que ganham um
especial relevo em Killer, quanto a nós o momento onde a banda se
projeta mais alto. [82%]
Cineasta (CINEASTA)
(2024, Lion Music)
Cineasta é o novo projeto de Alexandre Santos (Scar
For Life, Stagma, Architects Of Rain, Redstains),
músico nacional sistematicamente em busca de novas experiências musicais e
novas sonoridades. Este novo projeto volta a ser construído e executado com
músicos nacionais e internacionais, com os nomes mais sonantes a serem Marc
Lynn (Gotthard), no baixo e Darrel Treece-Birch, a inserir a
magia dos seu Hammond em Blood Trails. Dentro dos nacionais, o
destaque vai para Bruno A., não só nos sintetizadores e guitarra, como
no trabalho de arranjos, ele que é outro nome associado à incessante procura de
inovação. Desta vez, a opção de Alexandre Santos e dos Cineasta é
a exploração de territórios do rock, essencialmente instrumentais
(apenas Serenity é cantado por Manthy), e por vezes melancólicos
for força do uso do violino, cortesia de German D em 1948 (tema
que pedia um mais profundo trabalho de evolução) e Once It’s Lost. A
distorção, apesar de sempre controlada, está bem vincada e em Illuminate
até surge de forma mais selvagem, aproximando-se do metal. Mas,
genericamente, a criação de atmosferas evocativas, cenários introspetivos e
profundidade emocional são os principais caminhos trilhados. [85%]
Que Pesadelo! (AS DOCINHAS)
(2024, Independente)
Ao contrário do que o nome indica, As
Docinhas são bem picantes! E com Que Pesadelo!, trazem o sexo, a
lascívia e a pornografia para o rock. É uma temática tão válida como
qualquer outra qualquer, por isso, esse não é o problema. O problema é o aspeto
lírico. Sem querer entrar em puritanismos bacocos ou exacerbados ataques à
liberdade de expressão, a verdade é que as letras aqui apresentadas não fazem
qualquer sentido. Provavelmente, a ideia será mesmo essa! Musicalmente falando,
Que Pesadelo! é um álbum muito desequilibrado. Abre da melhor maneira
com Shut Up Mom, um tema de funk/blues, a lembrar Prince
e com um espetacular trabalho instrumental. E fecha com Eu Não Fodo, uma
curta descarga hardcore com letras… hardcore! Pelo meio há tempo
para espreitar as guitarras pesadas de um metal com atitude punk
em Kate, voltar ao segmento blues/funk (claramente, onde o
coletivo portuense consegue os melhores desempenhos) em Hurt My Ass e Go
And Be Free. Todavia, pelo meio, também há coisas que deveriam, pura e
simplesmente, ter sido descartadas: Marcha LGBT, Butterflies (os
melhores exemplos de completos tiros ao lado), Playground e Country
(Money Comes And Goes) (menos más, mas ainda assim longe doutros momentos
deste álbum). Que Pesadelo! não é, de todo, um pesadelo, muito por culpa
da excelência dos instrumentistas, onde se incluem, sopros e violino. E onde,
também deve ser salientado que criatividade não falta a estas docinhas. [76%]
O Êxtase do Silêncio (RUÍDO ROÍDO)
(2024, Raging Planet Records)
Ruído Roído - o projeto que começou como um duo, com Jorge
Oliveia e Márcio Décio, rapidamente passou a quarteto com a entrada
de Rui Rodrigues e Sílvio Almeida. E, para o novo disco do
projeto, O Êxtase do Silêncio, ainda é alargado a mais participantes,
com a inclusão da eletrónica do Gustavo Costa, da maquinaria do Alexandre
Abrunhosa, do contrabaixo do Jorge Castro, do saxofone e drum
noise do Élio Mateus e do chaos guitar do Miguel Pedro.
E se alguns dos convidados encaixam que nem uma luva na sonoridade noise
do coletivo, outros são mais surpreendentes, como é o caso do contrabaixo e do
saxofone. O que se verifica é que a sua inclusão torna os temas um pouco mais
humanos, menos frios e maquinais, mesmo considerando que a sua abordagem se
encaixe em algo que dificilmente possa ser definido como musicalidade. Aliás,
os Ruído Roído continuam a sua caminhada pela desconstrução sónica,
pelas vias da perturbação, pela sementeira de inquietude (não é por acaso que
este álbum até tem um tema com esse título), pela expansão do caos, pela
exaltação da dissonância. Tudo, menos a êxtase do silêncio que, para os Ruído
Roído, continua a não ser promovido, estando o seu noise ainda mais vincado e coerente que
no álbum de estreia. [79%]
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