Entrevista: The Mourning

The Mourning é um reflexo da intenção de lamentar o estado do mundo, mas também de trazer esperança e elevação através da música e arte. Uma banda que se tem vindo a destacar no cenário prog rock, e que apresenta o seu primeiro longa-duração, Hush, um trabalho marcado por uma assinalável complexidade sonora e profundidade emocional. Aliás, superior e detalhadamente descrita pelo vocalista e teclista Johnny Ray.

 

Olá, Johnny, como estás? Obrigado por te juntares a nós hoje! Vamos começar com algo básico: como é que os The Mourning surgiram e o que é que inspirou a criação da vossa banda?

Olá! Estou muito bem, obrigado por me receberem! The Mourning começou em 2017. Tudo começou quando senti uma necessidade avassaladora de expressar muitas das ideias que estava a guardar há algum tempo. Comecei a escrever o trabalho de pré-produção para o que viria a ser o nosso primeiro EP, e sabia que precisava de uma equipa sólida para dar vida a essas ideias. Falei com o meu amigo Jason Berlin, que é um baterista incrível, e juntos começámos a moldar o som do que viria a ser The Mourning. A nossa banda foi inspirada por um desejo de criar música que falasse das complexidades do mundo e da experiência humana. Queríamos abordar as lutas da vida, o caos que vemos à nossa volta e a forma como podemos enfrentar estes desafios. O próprio nome The Mourning é um reflexo da nossa intenção de lamentar o estado do mundo, mas também de trazer esperança e elevação através da nossa música e arte. A música sempre foi para nós uma forma de nos ligarmos a emoções e pensamentos mais profundos, e quisemos partilhar isso com os outros, ajudando a elevar todos os que ouvem a nossa música.

 

O vosso novo álbum, Hush, foi lançado recentemente. Que temas e conceitos é que ele explora?

O álbum Hush explora uma série de temas, todos centrados na experiência humana e nos desafios que enfrentamos num mundo complexo. Um dos temas principais é a luta pela liberdade - tanto pessoal como social. O álbum mergulha em tópicos como a censura, a supressão do pensamento e as formas em que a sociedade pode, por vezes, sentir que está a silenciar as vozes individuais. Mas não se trata apenas de forças externas; Hush também olha para dentro, explorando temas de agitação interior, demónios pessoais e a viagem para a auto-realização. Músicas como My Own Hell falam sobre as batalhas mentais e emocionais que todos nós enfrentamos, enfatizando que, às vezes, as maiores batalhas são as que estão dentro de nós mesmos. Outro tema importante em Hush é a resiliência e a superação das adversidades. O álbum não destaca apenas as lutas - também oferece uma sensação de esperança e capacitação. Faixas como Smooth Seas enfatizam a ideia de que os desafios e as dificuldades são o que constrói a força e o carácter. No geral, Hush é uma reflexão sobre a condição humana, abordando a forma como lidamos com as pressões sociais, os desafios pessoais e a procura da verdade e da liberdade. É sobre encontrar a sua voz, libertar-se de constrangimentos e abraçar a jornada de autodescoberta, tudo envolto no som poderoso e emotivo que define The Mourning.

 

O primeiro single de Hush, intitulado Chaos Machine, tem um conceito fascinante. Podes falar-nos mais sobre ele?

Com certeza! Chaos Machine é uma das faixas de destaque do álbum Hush, e é uma música com um conceito profundo e convincente. A ideia por detrás de Chaos Machine é explorar as vidas de indivíduos que estão constantemente rodeados pelo caos, quer esse caos seja auto-infligido ou imposto pelo mundo que os rodeia. A canção investiga como uma visão niilista do mundo pode levar à autodestruição. Pinta um quadro vívido de pessoas que estão presas num ciclo de negatividade e desespero, muitas vezes incapazes de ver uma saída. Esta faixa reflete sobre a forma como a falta de propósito e significado pode levar a um comportamento destrutivo, conduzindo a uma queda final. Musicalmente, Chaos Machine combina secções instrumentais intensas com melodias assombrosamente cativantes. O ritmo acelerado contrasta com os temas sombrios da letra, criando uma tensão que reflete o caos interno e externo descrito na canção. O refrão foi concebido para ser memorável e instigante, permanecendo com o ouvinte muito depois de a canção ter terminado. Com um poderoso solo do aclamado guitarrista Charlie Robbins, Chaos Machine não só mostra a proeza instrumental, mas também serve como um comentário pungente sobre a psique humana. É uma viagem através das paisagens tumultuosas da mente, oferecendo tanto uma experiência musical emocionante como uma narrativa profunda e introspetiva.

 

A vossa música combina rock progressivo com elementos de jazz metal e até música circense. Como é que criaram um som tão único?

O nosso som único surgiu muito naturalmente como um reflexo das nossas diversas influências e interesses musicais. Cada membro dos The Mourning traz a sua própria experiência musical e gostos para a mesa, e essa mistura cria algo especial. Todos nós somos atraídos pela complexidade e profundidade do rock progressivo, mas não queríamos ficar confinados a um só género. Os elementos do jazz entram em jogo devido à liberdade expressiva que oferece - é um género que permite muita criatividade e espontaneidade. Temos tido a sorte de colaborar com músicos talentosos como o guitarrista de jazz Thomas Griggs e o saxofonista Eric Mullins, o que trouxe essas influências do jazz mais para a frente no nosso som. Quanto aos elementos da música circense, gostamos de experimentar e surpreender os nossos ouvintes. A incorporação de sons e estilos inesperados mantém a nossa música fresca e envolvente. Estes elementos também acrescentam um toque teatral e dramático à nossa música, o que complementa o aspeto de contar histórias das nossas canções. Gostamos de criar uma sensação de imprevisibilidade, fazendo de cada canção uma experiência que pode levar-nos em diferentes direções. Em última análise, o nosso som consiste em misturar estes diferentes estilos de uma forma que pareça coesa e fiel à nossa visão. O nosso objetivo é criar música que desafie as normas, leve os ouvintes numa viagem e nos permita explorar uma vasta gama de emoções e temas. É essa vontade de experimentar e ultrapassar os limites que moldou o som dos The Mourning naquilo que é hoje.

 

Hush conta com a participação de vários músicos convidados. Como surgiram essas colaborações e o que elas trouxeram para o álbum?

As colaborações no álbum Hush foram uma extensão natural do nosso desejo de ultrapassar as fronteiras musicais e trazer novas perspetivas, e surgiram de forma bastante orgânica - somos amigos destes músicos incríveis. Ao longo dos anos, construímos fortes ligações na comunidade musical e estas amizades conduziram naturalmente às colaborações que se ouvem no álbum. Cada músico convidado trouxe os seus talentos e influências únicos, ajudando a moldar o som e a sensação de Hush de formas distintas. Por exemplo, trabalhar com Thomas Griggs, um guitarrista de jazz fenomenal, acrescentou uma camada rica e intrincada à nossa música. Os seus solos são conhecidos pela sua complexidade e proeza jazzística, o que se alinhava perfeitamente com os temas que queríamos explorar. A sua contribuição para a faixa Hush acrescenta uma qualidade sinistra e hipnotizante que complementa na perfeição os temas de controlo e censura da canção. Outra colaboração de destaque foi com Jeff Pogan, ex-Suicidal Tendencies. A sua experiência em punk e thrash metal, mas também em prog metal instrumental, trouxe um som mais agressivo ao álbum, que se pode ouvir em faixas como My Own Hell. O seu toque acrescentou uma intensidade crua que contrasta lindamente com os elementos mais melódicos e progressivos da nossa música. Também tivemos a honra de contar com Trey Xavier, cuja proficiência técnica e abordagem criativa ao trabalho de guitarra adicionaram um sabor distinto ao álbum. Os seus solos não são apenas tecnicamente impressionantes, mas também emocionalmente envolventes, proporcionando o tipo de mudanças dinâmicas que tornam a nossa música tão cativante. Ter uma relação pessoal com cada músico convidado fez com que o processo de colaboração se parecesse mais com uma jam session entre amigos do que com uma gravação formal. Isto permitiu um ambiente confortável e criativo onde todos puderam trazer as suas melhores ideias para a mesa. Foi esta camaradagem e respeito mútuo que nos ajudou a misturar os nossos estilos de forma tão perfeita, resultando no som diversificado e ricamente texturado do álbum. Trabalhar com amigos também significou que podíamos experimentar livremente, sabendo que todos estavam no mesmo comprimento de onda e abertos a explorar novas ideias. Estas colaborações trouxeram um toque pessoal ao álbum, tornando-o não apenas uma coleção de canções, mas uma verdadeira celebração da camaradagem musical e da criatividade.

 

Qual foi a parte mais desafiante da criação de Hush?

A parte mais desafiante da criação de Hush foi, sem dúvida, a longa viagem que foi necessária para dar vida ao álbum. Enfrentámos uma série de obstáculos ao longo do caminho, tanto a nível criativo como logístico. Um dos maiores desafios foi lidar com as perturbações causadas pela pandemia da COVID-19. Tal como muitos outros artistas, tivemos de navegar por confinamentos, restrições de viagem e a incerteza geral da época. Isto não só atrasou o processo de gravação como também afetou a nossa capacidade de colaborar pessoalmente, algo que valorizamos muito. Outro desafio significativo foi garantir que os temas complexos e os diversos estilos musicais do álbum se juntassem de forma coesa. Com o Hush, estávamos a explorar uma série de tópicos pesados - censura, agitação interior, lutas pessoais e sociais - e queríamos ter a certeza de que estes eram transmitidos de forma poderosa e autêntica através da música. Equilibrar os diferentes géneros e influências, desde o rock progressivo e jazz metal a elementos mais teatrais, exigiu muita experimentação e afinação. O lado técnico das coisas também foi exigente. O nosso produtor e teclista, Alex Nasla, desempenhou um papel crucial na modelação do som de Hush, e a sua atenção aos pormenores foi fundamental para conseguir a mistura final. O processo de produção, mistura e masterização foram meticulosos, garantindo que cada nota, cada instrumento e cada linha vocal estivessem no ponto certo. Apesar destes desafios, o processo foi incrivelmente gratificante. Cada obstáculo levou-nos a ser mais criativos, a pensar fora da caixa e a crescer como músicos. Olhando para trás, os desafios que enfrentámos acabaram por fazer de Hush um álbum mais forte e mais impactante, e estamos orgulhosos da forma como tudo se conjugou.

 

Podes partilhar algum momento memorável do processo de gravação de Hush?

O processo de gravação de Hush foi repleto de momentos inesquecíveis que realmente destacam o espírito do The Mourning. Uma das experiências mais memoráveis foi levar Francesco Pinter, um guitarrista que eu nunca tinha conhecido pessoalmente, de Itália até à Florida. Ele ficou na minha casa durante cinco semanas enquanto trabalhávamos no álbum. Foi um salto de fé que acabou por ser uma experiência fantástica. A nossa ligação foi imediata, tanto a nível musical como pessoal, e tê-lo por perto trouxe uma nova energia às gravações. Outro momento incrível foi com o nosso produtor, Alex Nasla. Ele estava tão envolvido no projeto, a tratar da produção, mistura e masterização, que acabou por se apaixonar pela nossa música e pela banda. Foi um encaixe perfeito, e acabou por se juntar aos The Mourning como nosso teclista. Ter o Alex a bordo a tempo inteiro foi um divisor de águas; as suas capacidades e paixão levaram a música a um nível totalmente novo. Claro que gravar com David Alex, da Foxbloom Recordings, foi um sucesso. O David tem estado connosco desde o nosso primeiro EP e é praticamente parte da família. As sessões foram cheias de brincadeiras, risos e bons momentos, tornando o processo de gravação tão agradável quanto produtivo. O estúdio dele tornou-se um espaço onde a criatividade fluiu naturalmente, e sentimo-nos livres para experimentar e divertirmo-nos enquanto fazíamos música. Esses momentos, e muitos outros, tornaram a criação de Hush uma experiência incrivelmente especial. Recordaram-nos a alegria de fazer música com amigos e a importância de nos divertirmos ao longo do processo.

 

O vosso EP anterior, Theosis, foi descrito como experimental. Como é que o vosso som evoluiu desde então?

Obrigado pelo esclarecimento! Vamos incorporar este foco no trabalho de guitarra e nas colaborações de alto calibre: Theosis foi um álbum muito experimental para nós. Nessa altura, o foco estava principalmente nos teclados, com todo o EP a ser escrito tendo as teclas como instrumento central. As guitarras foram adicionadas mais tarde, mais como uma reflexão tardia. Foi um momento para explorarmos diferentes caminhos musicais e ver o que funcionava. Com Hush, quis mudar esse foco e fazer das guitarras uma parte integrante do nosso som. Este álbum tem muita guitarra, e não é um trabalho de guitarra qualquer – é de classe mundial. Trouxemos o ex-aluno da Berklee, Francesco Pinter, cujas excecionais capacidades de guitarra desempenharam um papel crucial na definição do som do álbum. A sua proficiência técnica e abordagem criativa trouxeram um novo nível de intensidade e sofisticação à nossa música. Além disso, Hush apresenta solos de alguns guitarristas verdadeiramente incríveis. Tivemos a sorte de colaborar com talentos como Charlie Robbins, Thomas Griggs, Jeff Pogan e Trey Xavier. Cada um destes músicos trouxe o seu estilo e talento únicos, elevando o trabalho de guitarra do álbum a novos patamares. As suas contribuições acrescentaram riqueza e variedade à música, fazendo de Hush uma mostra de talentos guitarristas de alto nível. Esta mudança para um som mais centrado na guitarra teve como objetivo criar uma experiência musical mais dinâmica, poderosa e emotiva. Ao destacar as guitarras, conseguimos acrescentar um nível de complexidade e emoção que diferencia Hush e representa verdadeiramente a evolução do som dos The Mourning.

 

Próximos passos para os The Mourning após o lançamento de Hush?

Após o lançamento de Hush, estamos focados em promover o álbum na estrada. Estamos muito entusiasmados para começar a atuar ao vivo e partilhar estas músicas com os nossos fãs num concerto. Mesmo que nunca tenhamos estado na estrada antes, estamos ansiosos por trazer a energia de Hush para o palco e conetar-nos com o público através de atuações ao vivo. Embora fazer digressões e fazer concertos ao vivo sejam as nossas principais prioridades neste momento, estamos sempre a escrever e a desenvolver novo material. Já temos muitas canções escritas para o nosso próximo álbum, mas a gravação virá um pouco mais tarde. Neste momento, o que importa é apoiar Hush e garantir que podemos levar a experiência completa da nossa música ao maior número de pessoas possível. Na essência, estamos a equilibrar-nos entre a emoção de atuar ao vivo e o processo contínuo de criação de nova música. É um momento emocionante para nós e mal podemos esperar para ver onde esta viagem nos levará!

 

Obrigado, Johnny, pelo teu tempo. Alguma mensagem final para os vossos fãs?

Obrigado por me receberem! Antes de ir, só quero dizer uma coisa a toda a gente. Se estão a passar por algo na vossa vida, seja uma perda, depressão, ansiedade ou estão presos em algum tipo de situação má, Hush foi escrito para vocês. Vem das minhas próprias experiências com todas estas coisas e de como fui capaz de as enfrentar. A minha sincera esperança é que Hush vos ajude a ultrapassar estes tempos difíceis e a encontrar alguma forma de salvação e paz. Não estão sozinhos e a música tem o poder de curar. Estamos aqui para vos ajudar e espero que a nossa música possa ser uma fonte de conforto e força. Obrigado por fazerem parte desta viagem connosco e estamos ansiosos para partilhar mais convosco. Fiquem fortes e cuidem-se.


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