Bem-vindos ao cósmico
mundo dos Sear Bliss, onde o black metal se cruza com a sonoridade única
conferida por um trombone. Heavenly Down é o nono trabalho dos húngaros,
traz como novidade a estreia do guitarrista Márton Kertész e volta a revelar um
coletivo capaz de expandir a sua
sonoridade dentro do mais criativo e original black metal. Zoltán Pál, o homem responsável por esse elemento irrepetível
no meio, que é o trombone, esteve à conversa com Via Nocturna.
Olá, Zoltán, obrigado pela disponibilidade. E deixa-me dizer que é uma
verdadeira honra fazer esta entrevista contigo! Também parabéns pelo lançamento
de Heavenly Down. O que é que inspirou o título deste novo álbum?
Obrigado! As críticas
têm sido fantásticas até agora, e fico contente por também gostarem do álbum. O
título, Heavenly Down, também representa um pouco a dualidade que pode
ser encontrada na nossa música. Tanto partes agressivas quanto melancólicas
podem ser encontradas, com uma atitude realmente melódica. E a atmosfera também
é muito diversificada, muitos estados de espírito podem ser ouvidos nas nossas
músicas, desde os sentimentos extremamente negativos até aos heroicos. Isto
está representado no título. O céu é normalmente associado ao mundo de cima, enquanto
a terra é o mundo de baixo.
Os Sear Bliss têm um som distinto que mistura elegância com caos
enegrecido. Como é que equilibram estes dois elementos aparentemente opostos na
vossa música?
Não existe uma receita
para isso. Nunca escrevemos uma música nova com uma lista de elementos que têm
de ser incluídos. Um de nós tem uma ideia nova (riff de guitarra,
melodias de teclado, ou o que quer que seja) e deixamos a nossa energia fluir e
o resultado pode ser ouvido nos discos. O nosso elemento de assinatura é o uso
de instrumentos de metal, mas também não é um item necessário que não possa
ser deixado de fora de uma nova música. No final do dia, a única coisa que
importa é se os membros da banda gostam ou não de uma música.
Podes falar-nos sobre o processo criativo por detrás de Heavenly Down? Como é que abordaram este álbum de forma diferente em
relação aos vossos trabalhos anteriores?
Antes de mais, somos
uma banda que só consegue escrever novas canções à moda antiga, tocando música
em conjunto na nossa sala de ensaios. A maior parte das bandas compõe os seus
novos materiais enviando ficheiros umas às outras, sem qualquer toque pessoal.
Esta abordagem pode ser eficiente para eles, mas não para nós. Precisamos de
ter essa energia quando a nossa criatividade se inspira mutuamente e criamos
algo novo. Desta forma, o processo de composição das canções acontece quando
nos fechamos no nosso bunker de ensaios e passamos lá um fim de semana,
normalmente juntos. Depois começamos a tocar música e deixamos as energias
criativas fluírem. O que torna isto um pouco difícil é o facto de os
guitarristas viverem a cerca de 220 km de nós, por isso não nos podemos
encontrar ou ensaiar com tanta frequência. Desta forma, gravamos sempre estas
ideias e todos podem trabalhar nestas canções até nos encontrarmos novamente.
Claro que também tivemos muitas sessões sem os guitarristas.
Heavenly
Down foi descrito como uma busca galáctica com instrumentação cósmica. Podes
explicar melhor os temas e as inspirações por detrás deste conceito?
Enquanto os elementos
musicais vêm de 5 pessoas diferentes, as letras são escritas exclusivamente
pelo András. Há certas canções em que a letra é bastante óbvia (como Infinite
Grey, ou a faixa-título), mas a maior parte das vezes ele descreve
diferentes estados de espírito ou visões com diferentes imagens. Para ser
sincero, nunca pedi ao András para me falar sobre as suas letras. A minha
abordagem é encontrar a (ou melhor, uma) interpretação eu próprio. Sugiro a
todos que leiam as letras enquanto ouvem o álbum, porque Heavenly Down
tem um lado lírico muito forte, e vale a pena mergulhar nelas.
A tua contribuição com o trombone é única no metal. Como é que o teu papel e o uso do trombone evoluíram na música
dos Sear Bliss?
Eu não sou membro
fundador da banda, só entrei mais tarde, em 2000. O primeiro instrumentista era
Gergely Szücs, que tocava trompete. Ele não era apenas um tipo porreiro,
mas também contribuiu para a banda com ideias e abordagens muito próprias. Depois
de ele ter deixado a banda, a banda quis substituí-lo por outro trompetista,
mas não é assim tão fácil encontrar alguém que se encaixe perfeitamente neste
género musical. Tanto a nível musical como pessoal. Para além de um período
mais curto, estou na banda desde o outono de 2000. Quando falamos de arranjos
musicais, o trombone geralmente vem depois das ideias musicais principais terem
a sua forma quase final. Quer dizer, se ouço um riff de guitarra ou uma
melodia de teclado (estes são os núcleos da nossa música), sei imediatamente se
posso escrever uma melodia de trombone em cima disso, ou não. O meu papel na
banda é escrever as partes e os arranjos para trombone. Não gosto muito quando
outra pessoa tenta compor melodias para mim, mas falarei um pouco mais sobre
isso mais tarde.
Heavenly
Down foi gravado no The Mushroom Studio e masterizado por Dan Swäno. Como é
que esta colaboração surgiu e como foi o processo de gravação?
Depois de termos uma
versão demo mais ou menos acabada e gravada de todas as novas músicas,
recebemos a visita do nosso produtor de longa data e antigo guitarrista, Scheer
“Max” Viktor. Já trabalhamos com ele há 20 anos e temos uma relação muito
boa. Ele ouviu o nosso novo material com atenção, tomou notas e fez algumas
observações e sugestões. Foi também ele que nos ofereceu a utilização do The
Mushroom Studio na Áustria. Este é o estúdio mais profissional em que já
trabalhámos. Começámos com as gravações de bateria em setembro de 2023, e o Heavenly
Down atingiu a sua forma final no final desse ano. O Viktor fez um trabalho
espetacular, como sempre. Ele fez um esforço tremendo neste álbum para ter este
resultado com o qual estamos todos muito felizes. Depois de termos a nossa
mistura final, ele escreveu uma folha de informação muito detalhada, com várias
páginas, para o Dan, que fez a masterização do álbum. Na verdade,
masterizações, porque a versão em vinil precisa de um método de masterização
diferente. Gostaria de agradecer a ambos pelo excelente trabalho.
Houve alguns dos desafios que tenham enfrentado durante a gravação e
produção deste álbum? De que forma os ultrapassaram?
Bem, este foi um
bocado difícil. O nosso conceito era ser o mais natural possível. Rejeitámos
usar drum machines, samples de bateria, plugins ou algo do
género. Desta forma, tornámos o nosso trabalho mais difícil, mas queríamos
fazer isso. Usámos amplificadores de guitarra e baixo normais em vez de truques
de computador, o que não é comum hoje em dia. Além disso, se ouvires The
Winding Path, há uma espécie de parte de coro a meio da canção. A maioria
das bandas teria resolvido isso usando plugins ou amostras de som, mas
nós cantámos essa parte. Foi uma experiência única para mim. Em suma,
enfrentámos muitos obstáculos e houve alguns problemas, mas estamos mais do que
satisfeitos com o resultado. Valeu mesmo a pena!
Para este álbum, deram as boas-vindas a um novo guitarrista, Márton
Kertész. Desde quando é que ele está a bordo? Já teve a oportunidade de
colaborar no processo criativo?
Ele juntou-se a nós há
dois anos, depois de Attila Kovács nos ter deixado. O Márton tem a sua
própria banda, chamada Rivers Ablaze. O András apareceu no primeiro
álbum deles como vocalista convidado e conhecemo-nos desde então. Sim, ele
participou no processo de escrita do novo álbum. Na verdade, ele escreveu
várias músicas, mas só selecionámos The Upper World de entre elas. As
outras músicas também eram ótimas, mas soavam mais como Rivers Ablaze do
que Sear Bliss. Como mencionei anteriormente, não gosto quando outra
pessoa compõe partes de trombone para mim. O Márton não sabia disso e arranjou
tudo no The Upper World. Mas ficou ótimo, pois ele escreveu melodias de
metais fantásticas! Para além desta canção, ele também escreveu alguns riffs
e fez alguns arranjos noutras canções, como The Winding Path e Heavenly
Down.
Com 30 anos de carreira, quais são os vossos objetivos e aspirações para o
futuro dos Sear Bliss?
Para ser honesto,
todos nós estamos a fazer esta banda, porque gostamos de o fazer. Pode parecer
um pouco egoísta, mas isto é pura autorrealização. Por outro lado, dá uma
enorme motivação o facto de parecer estar alinhado com o gosto musical de
outras pessoas. Claro que não queremos ficar presos a um nível, continuamos a
tentar ser cada vez melhores. Mas como não pagamos as nossas contas com os
rendimentos que podem vir da banda, isto é um hobby para nós. Claro que
levamos isto muito a sério, mas não deixa de ser um passatempo. Assim, ganhar
muito dinheiro com isto não é um dos nossos objetivos. Eu diria que a autorrealização
é a nossa principal força motriz.
Olhando para trás, para o vosso percurso de 30 anos, como é que acham que
os Sear Bliss evoluíram musicalmente e como banda?
Espero que sim. Com o
passar do tempo, devemos atingir um certo nível de maturidade. Não só na tua
vida privada, mas na forma como podes juntar forças com outras pessoas numa
banda. Enquanto nos primeiros anos era dominante uma abordagem instintiva, hoje
somos muito mais deliberados. Se ouvirmos a nossa discografia, pode dizer-se
que não houve dois discos semelhantes na nossa história. Isso pode derivar do
facto de, infelizmente, não podermos gravar dois álbuns com a mesma formação.
Isto resulta obviamente numa diversidade, mas os membros ditos constantes
também evoluem. Tanto a nível pessoal como musical.
Quais foram os marcos ou pontos de viragem mais significativos para os Sear
Bliss nas últimas três décadas?
O primeiro marco foi o
primeiro álbum, Phantoms, com certeza. Foi lançado numa era muito boa do
black metal, em meados dos anos noventa. Trouxe um certo reconhecimento
para a banda e abriu várias portas para nós. Claro que estou a falar a nível underground.
Depois desse disco a banda pôde fazer-se à estrada e fazer uma digressão com os
Marduk em 1997. Depois disso, houve um sério conflito na banda, o que
levou a uma nova formação e a uma abordagem musical modificada. De alguma
forma, acredito que este novo disco, Heavenly Down, pode ser outro
marco, ou podemos dizer novamente um ponto de viragem. Veremos.
Em breve irão embarcar numa digressão europeia. O que estão a preparar para
esse espetáculo?
Vamos reformar o nosso
cenário de longa data e vamos ter uma nova decoração de palco para os próximos
concertos. Também vamos ter algum merchandising para aqueles que nos
vierem ver. Mas provavelmente estás a falar de um ponto de vista musical. Vamos
tocar muitas músicas do Heavenly Down, com certeza. Nós adoramos o novo
álbum e queremos mostrar como essas músicas soam ao vivo. Além das músicas
novas, o resto provavelmente será um set de melhores momentos.
Também irão incluir no set algumas músicas do
álbum Glory And Perdition no seu 20º aniversário de lançamento?
Sim, nós já
adicionamos algumas músicas do Glory And Perdition ao nosso setlist
este ano, e haverá mais. Um aniversário de 20 anos é algo que merece ser
celebrado. E Glory é um dos nossos álbuns mais populares, então por que
não? Vamos ter o concerto de apresentação do álbum Heavenly Down em
Budapeste, no dia 19 de outubro, e a setlist vai consistir
maioritariamente em músicas novas e uma seleção de faixas do Glory.
Tirando aquelas que não podem ser deixadas de fora, é claro.
Obrigado, Zoltán, mais uma vez. Queres enviar alguma mensagem aos nossos leitores ou aos vossos fãs?
Obrigado pelo vosso apoio, e deem uma volta ao Heavenly Down se ainda não o fizeram.
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