Entrevista: Earth Drive

 

Quatro anos após o lançamento de Helix Nebula, os Earth Drive retornam com Light Codes, um álbum que continua a exploração dos temas cósmicos e espirituais que têm marcado a sua discografia. Passando por momentos de desafio e adaptação durante a pandemia, a banda encontrou novas formas de expressão e inspiração, criando uma obra que busca aprofundar a conexão entre a música e o despertar pessoal e coletivo. Nesta conversa, Hermano Marques reflete sobre o processo criativo, as influências que moldaram este novo trabalho e o papel do público na experiência ao vivo.

 

Olá, Hermano, mais uma vez, obrigado pela disponibilidade. Já se passaram quatro anos desde o lançamento de Helix Nebula. Como se sentem em relação à evolução da vossa sonoridade e que mudanças mais significativas destacariam no processo criativo de Light Codes?

Boas Pedro, muito obrigado nós pela oportunidade e pelas interessantes questões que são sempre uma excelente forma de refletirmos sobre nós próprios, sobre o nosso processo artístico e pela partilha que se proporciona com quem nos acompanha. Esta reflexão também nos faz crescer com os insights que as entrevistas proporcionam. Muito obrigado, mesmo! Sim, já passaram 4 anos desde o Helix Nebula que infelizmente não tivemos oportunidade de promover tanto como desejávamos e tínhamos planeado. As consequências da pandemia fizeram-se sentir e de igual forma também atrasou um pouco aquilo que poderia ser a ambição de ter um novo disco mais cedo. Tínhamos várias datas de apresentação e tour europeia marcada e tudo se desmoronou. Contudo acreditamos que felizmente toda essa fase dura de enorme frustração também nos proporcionou criativamente para chegar até ao Light Codes. Assim acreditamos que temos dois discos muito “frescos” para promover e para nos dar “dores de cabeça” (no bom sentido) na construção da set list para que ambos sejam bem representados e apresentados a quem quiser estar presente nos shows e quiser partilhar esta experiência com a banda. Quanto à evolução da sonoridade acreditamos que terá sido uma consequência natural das nossas experiências pessoais e das influências musicais que cada um vai tendo ao longo do processo. Relativamente a mudanças significativas no processo criativo pensamos que continuamos a trabalhar de uma forma muito semelhante ao que sempre fizemos na forma como abordamos a colaboração de cada um de nós no processo criativo. Muita comunicação e respeito pelas ideias de cada um, experimentação de cada input para verificar como funciona, gravar, ouvir, sentir, analisar e perceber de que forma as coisas podem resultar melhor. Tudo resulta sempre de uma ideia que pode surgir numa jam de ensaio ou algo que trazemos de casa para experimentar no ensaio e tudo se vai construindo a partir daí. Neste disco fizemos uma pré-produção ainda mais cuidada com várias fases e que contribuiu para o resultado final. A pré-produção é um processo que tem vindo sempre a ser implementado na banda e que tem sido melhorado e aprumado ao longo de cada experiência que cada disco proporciona.

 

Há algum tipo de continuidade entre Light Codes e Helix Nebula, seja ao nível de temáticas, sonoridades ou até mesmo de conceitos cósmicos?

É sempre interessante que cada um interprete e sinta o tema do disco e as canções que o compõem à luz das suas próprias experiências e sensações que cada audição proporcione em cada fase da vida ou momento. Por isso é sempre algo que gostamos de deixar em aberto. De qualquer forma este conceito é sim uma sequência dos dois discos anteriores. No Stellar Drone foi abordada uma temática de Sincronicidade e no Helix Nebula um conceito de renascimento, mudança, transmutação e transição para uma nova ERA existencial e humana. Neste álbum interligam-se estes conceitos com o objetivo de sensibilizar e promover uma maior consciencialização para questões fundamentais de descoberta interior, promoção do desenvolvimento humano tal como de todos os benefícios para a saúde mental que este processo poderá envolver. Light Codes está alinhado quer com os seus antecessores Stellar Drone e Helix Nebula com o conceito conceptual do projeto EARTH DRIVE de ligação a uma energia vital do planeta e do cosmos de forma que possa transmitir uma vibração positiva para as pessoas e para o seu próprio desenvolvimento pessoal.

 

A vossa música sempre foi conhecida por explorar temas cósmicos e espirituais. Quais são os conceitos centrais abordados em Light Codes e como esses temas se manifestam ao longo do álbum?

Em parte, esta questão já foi respondida na questão anterior. Podemos deixar algumas notas sobre alguns dos títulos referentes ao alinhamento dos disco: The Bridge – Aborda processos de transmutação e confiança plena na travessia de uma ponte entre uma realidade de falsas seguranças, velhos hábitos, padrões e crenças limitativas para uma nova realidade onde se abraça o desconhecido com uma crença profunda num novo tempo de experiências de renascimento e crescimento. Simboliza a dualidade e o conflito entre o conforto do conhecido e o desafio desconfortável do desconhecido. True Passage Into The Void – Remete para tópicos de transcendência cósmica e evolução do ser humano, após uma profunda viagem ao vazio e seu caminho de volta a uma autêntica expressão de si mesmo. Psychoid – Fala sobre o inconsciente coletivo, que não pode ser diretamente percebido ou “representado”. Four Levels Of Consciousness – Sobre cada nível de consciência ser um passo necessário na evolução da consciência humana. A compreensão desses níveis permite-nos transcender limitações, alcançar o nosso potencial mais elevado em congruência e viver uma vida com propósito. Omega Point – Evento futuro teorizado no qual todo o universo se movimenta numa espiral em direção a um ponto final de unificação. Light Codes – A manifestação da luz no universo, o Homem como um ser de luz. A ciência moderna e espiritualidade e as suas implicações no bem-estar físico e na saúde e mental. Home – A conclusão de um ciclo, o sentimento de retorno a casa de uma grande viagem e a partilha da experiência de um despertar para um novo começo com uma despedida difícil de um velho self que tende a persistir.

 

De que forma novas influências ou experiências pessoais influenciaram a composição e gravação deste álbum?

De que forma sinceramente não sabemos. Sabemos sim que será sempre inicialmente algo inconsciente e espontâneo quando alguma emoção ou sentimento se expressa através de uma ideia que possa surgir em casa ou num ensaio. A matéria-prima inicial é sempre algo muito autêntico, inconsciente, puro e representativo da atmosfera ou cosmos interno de cada um que depois sim é trabalhada para moldarmos e edificarmos num formatado que represente da melhor forma a ideia inicial e que possa assim ser compreendida no formato tradicional de um tema normal com intro, verso, refrão, ponte, outro nas suas diferentes variações possíveis que entendamos ser fixe para aquela música.

 

Sabemos que a letra original de Omega Point foi escrita por Mike Gehrman e que originalmente se chamava Scent Of The Orchids. Como se deu essa colaboração/ transformação e como a adaptaram ao vosso estilo musical?

O Mike é um admirador da banda e que nos tem apoiado muito. Temos desenvolvido uma amizade com ele e alguns momentos de partilha têm acontecido. Ele partilhou connosco que tinha tido uma banda nos anos 80 e que tinha uma letra que sempre adorou. Essa letra teve um impacto enorme na Sara e na forma como ela a interpretou fê-la viajar até a um momento da vida dela bastante significativo emocionalmente e decidiu experimentar a letra num tema que estávamos a desenvolver. Foi algo que felizmente foi muito espontâneo e que a Sara encaixou na perfeição sem muita dificuldade. Felizmente é algo muito natural na Sara a forma como reage e entrega uma linha vocal de qualidade e emocionalmente significativa nas ideias instrumentais que vão surgindo. O Mike aceitou a utilização da sua letra e ficou muito grato mesmo pela nossa atitude de honrar o seu esforço criativo que estava guardado e que se tornou assim em mais um código de luz através da Omega Point.

 

Já agora, essa faixa destaca-se por um trabalho rítmico majestoso e a combinação entre melodia vocal e riffs graves e arrastados. Como surgiu esta combinação e o que pretendem transmitir com esta sonoridade tão poderosa?

Agradecemos profundamente estas palavras sobre este tema. A forma como surgiu foi muito natural e semelhante no seu processo a todos os outros temas. Quanto ao que pretendemos transmitir como esta sonoridade é igualmente o processo catártico que se sente na vibração intensa e terapêutica que os graves têm no nosso corpo e na nossa mente. Depois o conteúdo lírico provocará também em conjunto com o instrumental um impacto diferente em cada um e que esperamos que seja positivo e transformador.

 

Onde foi gravado Light Codes e como foi o processo de produção? Houve algo diferente ou inovador que experimentaram durante esta fase?

A composição e pré-produção foi praticamente toda realizada no Arma no Montijo (estúdio dos Earth Drive), pré-produção das primeiras abordagens vocais foram realizadas no estúdio da minha casa, a composição do tema Omega Point foi iniciada no estúdio BKK em Lisboa (estúdio do Sebastião). Como já referimos anteriormente a pré-produção foi um pouco mais cuidada e prolongada. Depois as captações de bateria foram todas feitas no ARMA e desta vez experimentamos um novo método para a banda em que fizemos as guias instrumentais e vocais previamente e os takes de bateria finais foram captados separadamente com a escuta dessas guias. As guitarras, baixos e vozes finais foram captadas depois no The Pentagon Audio Manufacturers em Loures (Estúdio do Fernando), teclados e synths foram realizados e captados pelo Sebastião no BKK, alguns FX e drones foram desenhados por mim no estúdio da minha casa com software do Cubase, depois todo o processo de misturas e master foi realizado também no The Pentagon Audio Manufacturers pelo Fernando Matias.

 

A capa de Light Codes utiliza astrofotografias da Wizard Nebula e Veil Nebula, sobrepostas durante o processo de composição e design. Como foi o processo de criação desta imagem e de que forma acreditam que ela complementa visualmente a vossa música e identidade artística?

Nós já acompanhávamos através das redes sociais o trabalho da Mónica Martinho e do Marco Vidal há algum tempo e sentíamos que as fotos deles se enquadravam na estética visual da banda. Esta colaboração surgiu no seguimento de uma super lua que decidimos ir apreciar. Estávamos num determinado local do Montijo a observar este fenómeno e ao nosso lado estava um casal a fotografar a Lua. Houve algo que nos conectou naquele momento e conversámos com o casal e de uma forma extraordinariamente simpática deixaram-nos observar a lua através da sua lente. Durante a conversa falámos que tínhamos uma amiga que também era muito entusiasta de astrofotografia e que tinha um trabalho excelente que já acompanhávamos. Assim que falámos nisso o casal refere entusiasmado que a Mónica é sua filha. Naquele momento e mediante a significativa sincronicidade sentimos que devíamos contactar a Mónica para tentarmos uma colaboração para o art work. Iniciou-se assim um processo excelente de colaboração criativa em que inicialmente nos enviaram várias fotos lindíssimas. Durante o processo de experimentação estas duas imagens foram as que de uma forma muito simples se conectaram e interligaram bem com a nossa estética visual, conceptual e que foram aprovadas pela Mónica, pelo Marco pela banda e pela editora. É uma imagem que pode representar um feiticeiro que nos levante o véu da ilusão que nos inibe de olharmos a nós próprios, vermos e sentirmos todo o nosso potencial e que de certa forma nos poderá libertar de velhos padrões que nos aprisionam a uma vida que pode já não fazer sentido. É, portanto, representação do espaço que nos abre a uma infinidade de possibilidades e sonhos sobre o que realmente é importante para nós e para a nossa evolução enquanto pessoas e enquanto humanidade.

 

Até agora, como têm sido as reações dos vossos fãs e da crítica em relação ao novo álbum? Existe alguma faixa que tenha tido uma resposta particularmente forte?

Até agora tem havido uma reação muito positiva desde o lançamento dos dois singles iniciais. Talvez esses dois singles The Bridge e True Passage Into The Void tenham tido mais exposição e nesse sentido talvez tenham sido neste momento as que tenham merecido mais algum feedback mas há medida que o álbum for ouvido na integra acreditamos, tal como foi o caso do Pedro ter referido a Omega Point. Muita gente também já destacou a faixa que encerra o disco Home. Que efetivamente também já tem um vídeo pronto para ser lançado como sendo o próximo single da banda.

 

Olhando para o futuro, o que podem adiantar sobre os vossos próximos projetos? Existe a intenção de continuar nesta linha musical ou pretendem explorar novos horizontes?

Neste momento ainda estamos com o foco no processo de solidificação do alinhamento ao vivo que será constituído por temas maioritariamente do Helix Nebula e do Light Codes. Contudo já existem rascunhos a ser desenhados para futuras experimentações que serão representativas das realidades e sonhos de cada um. A exploração da vida também definirá o conteúdo criativo que terá sempre a impressão digital caraterística da banda sempre aberta a explorar novas visões, contemplar novos sonhos e horizontes.

 

Como pretendem traduzir as complexidades sonoras de Light Codes para as performances ao vivo? Há planos para uma tour em breve?

A performance ao vivo será o mais fiel ao disco possível. Durante o processo de prática do alinhamento poderá haver sempre algo que possa surgir e que possa adicionar valor à performance, mas na generalidade será algo muito semelhante em termos de estrutura sabendo que ao vivo é importante a conexão da energia que se criará entre nós e audiência durante a celebração ao vivo em que o público tem uma determinante importância nessa performance e celebração. Relativamente a datas temos já algumas datas agendadas: 30 de novembro (Lisboa - Village Underground), 15 de fevereiro (Barreiro - ADAO), 1 março (Fuzz - Cartaxo), 8 de março (DRAC - Figueira da Foz). Estamos a aguardar ainda a confirmação de outras datas para a realização da tour.

 

Obrigado pela entrevista, Hermano. Queres deixar alguma mensagem final?

Quero apenas expressar a minha profunda gratidão por esta oportunidade de nos conectarmos contigo e com os vossos leitores e com nossos seguidores atuais e futuros. Desejo que todos possam encontrar na nossa música algo que ajude a conectarem-se com o vosso interior, a fim de continuarem a vossa jornada em direção ao vosso potencial máximo. Por favor, continuem a ouvir música, ouçam-se a vós próprios, ouçam-se uns aos outros sendo empáticos tanto quanto possível, falem livremente sobre o que vos preocupa e que cuidem a vossa saúde mental, sejam tolerantes, respeitem a vossa sombra, aprendam com isso, expressem o amor e a luz que têm para partilhar. Agradecer também muito ao Daniel Makosch e à Raging Planet por mais uma aposta na banda e à Eliana Berto por nos ajudar com a Ride The Snake a viajar também até todos vós que nos ajudam a fazer crescer a banda e a passar o conteúdo dos Earth Drive para quem se queira ligar a nós. Muito obrigado a todos e até breve!

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