Depois de Solto passaram quatro anos até João Farinha ter
outro disco de originais no mercado: precisamente este A Conta Que Deus Fez
que agora nos leva a conversar com o artista conimbricense. E essa conta não é
assim tão linear como o título deste trabalho deixa antever. Pelo menos, a
atender pelos caminhos para onde João farinha leva (e eleva, acrescentaríamos nós)
o Fado de Coimbra. Confiram!
Olá, João, obrigado pela disponibilidade. Antes de
mais, parabéns pelo lançamento de A Conta Que Deus Fez.
Em termos de álbuns de originais, este novo trabalho sucede a Solto de
2020. Como foi vivido esse tempo de pandemia e pós-pandémico?
Obrigado, eu
pelo convite e pelas palavras. A pandemia foi um período de reflexão, como para
muitos, mas também de pausa forçada. Aproveitei para compor e para me dedicar a
outras vertentes da música e do fado, revendo material antigo, trabalhando em
novas ideias e, sobretudo, refletindo sobre o que queria fazer a seguir. Foi
uma fase difícil, mas que me permitiu uma maturação importante para este novo
disco.
E quando é que começas a olhar para um novo registo?
Apenas depois do álbum Ao Vivo ou já vinhas a trabalhar antes neste
conjunto de canções?
O processo
criativo para A Conta Que Deus Fez começou a germinar ainda antes do
lançamento do álbum Ao Vivo. Durante a pandemia, embora o foco estivesse
em outros aspetos, as ideias para novas músicas e colaborações iam surgindo. A
edição do álbum Ao Vivo foi um ponto de transição, mas já tinha em mente
o desejo de voltar ao estúdio com novas canções, não só minhas, mas também de
outros que generosamente escreveram para mim como o Tiago Nogueira e o José
Rebola.
O Fado de Coimbra desempenha um papel central na tua música.
Como é que esta tradição moldou a tua identidade artística e de que forma o
álbum A Conta Que Deus Fez reflete
essa ligação?
O Fado de
Coimbra está no meu ADN e, sem dúvida, moldou a minha forma de ser artista. Foi
através do Fado de Coimbra que encontrei a minha voz e é com essa base que
procuro sempre construir algo novo. A Conta Que Deus Fez reflete essa
ligação profunda, mas também a vontade de trazer frescura e de dialogar com
outros géneros. É um disco que respeita a tradição, mas não tem medo de ir além
dela. É um propósito que tem norteado a minha carreira a solo.
O álbum conta com várias participações especiais, como Mafalda
Umbelino Camilo e Tiago Nogueira, que trazem influências variadas. Como foi o
processo de seleção dos convidados para garantir este equilíbrio entre tradição
e inovação?
A escolha dos
convidados foi muito natural. O Tiago tem colaborado comigo desde o disco Solto
e como escreveu dois dos temas de A Conta Que Deus Fez fazia sentido
trazê-lo para mais uma colaboração, dando um toque mais contemporâneo ao estilo
do que tem feito no seu grupo Os Quatro e Meia. O disco
precisava ainda de uma voz feminina e a minha amiga, que em tempos foi
professora de canto no Fado Ao Centro, Mafalda Umbelino Camilo foi a escolha,
com a sua formação clássica, trouxe uma sensibilidade única ao projeto. O
equilíbrio entre tradição e inovação surgiu dessa abertura ao diálogo entre
diferentes mundos musicais, não podendo aqui deixar de relevar a colaboração do
Ruze no hip hop.
E, já agora, quanto aos restantes músicos que te acompanham,
como se processou essa escolha?
Os músicos que
me acompanham têm sido uma parte essencial do meu percurso. São pessoas com
quem tenho uma grande afinidade musical e pessoal, e isso reflete-se na forma
como trabalhamos juntos. A escolha foi muito intuitiva, baseada tanto no
talento como na capacidade de cada um interpretar esta fusão entre o fado de
Coimbra e outras influências.
Voltando aos convidados, o Ruze, um artista do universo do hip-hop, é certamente o nome mais inesperado. O que te levou
a convidá-lo, para participar num álbum que presta homenagem ao Fado de
Coimbra? Como foi o processo criativo com ele?
O Ruze foi um convite
pensado exatamente para quebrar expetativas. A sugestão de introduzir o hip
hop no tema veio do produtor Tiago Machado, que me desafiou
a encontrar alguém desse género musical em Coimbra. O Ruze foi a primeira
escolha, ele traz uma perspetiva nova, e o Fado de Coimbra, sendo uma tradição
que sempre se alimentou de diálogo, ganha com estas colaborações. No processo
criativo com ele, foi interessante ver como as nossas visões se complementavam,
apesar de virmos de universos musicais distintos. Foi um risco, mas um risco
calculado, que resultou num cruzamento artístico muito gratificante.
Com a sua participação, a versão de Balada da Despedida, revela-se muito corajosa. O que te
motivou a incluir uma versão tão icónica no álbum e logo com esta abordagem?
A Balada da
Despedida é um tema icónico e mexer com ele foi, de facto, um desafio. Mas
quis dar-lhe uma nova vida, trazer algo inesperado para uma canção que é tão
querida para todos os que passaram por Coimbra. Com a inclusão do Ruze, conseguimos
fazer uma reinterpretação que honra a tradição, mas que também a transporta
para um contexto novo. Aqui o mérito todo vai mesmo para o produtor Tiago
Machado
que conseguiu pôr em prática essa visão e dar frescura ao tema, sem perder o
respeito pela sua importância.
Balada da Despedida e Sorri e Amei foram
os singles já retirados deste álbum. O que nos podes sobre esses temas e
a sua escolha como singles?
Balada da
Despedida e Sorri
e Amei foram escolhidos como singles porque refletem bem o espírito
do álbum. Ambos os temas conseguem equilibrar tradição e contemporaneidade, e
acredito que têm uma mensagem forte que ressoa tanto com o público mais
tradicional como com quem procura algo diferente. São canções com que me
identifico profundamente e que encapsulam bem o que A Conta Que Deus Fez
representa.
O teu pai, Dr. João António Farinha, tem uma presença marcante
no álbum, especialmente na homenagem no tema Fado dos Passarinhos. O que significa para ti esta homenagem
e de que forma influenciou a tua carreira artística?
O Fado dos
Passarinhos é uma homenagem muito pessoal ao meu pai. Ele foi a minha
grande influência para entrar no fascinante mundo do Fado de Coimbra e quis
marcar isso neste disco. Como infelizmente ele nunca teve a oportunidade de
gravar um disco, aproveitei este trabalho para eternizar a sua voz e manter
viva a sua memória. Foi também de alguma a possibilidade de agradecer tudo o
que ele me deu. Influenciou-me de uma forma profunda, e essa presença ainda se
sente em tudo o que faço.
A
Conta Que Deus Fez equilibra tradição com inovação, sem se prender a
"modas" ou ortodoxias. Como vês o futuro do Fado de Coimbra e a sua
capacidade de dialogar com outros géneros musicais?
O futuro do
Fado de Coimbra, para mim, está precisamente na sua capacidade de se renovar,
mantendo-se fiel às suas raízes. Não podemos ficar presos a uma visão rígida da
tradição, mas também não podemos perder de vista o que torna o Fado de Coimbra
único. Acredito que ele pode dialogar com outros géneros e continuar a crescer,
sem perder a sua essência.
Os concertos de apresentação já aconteceram. Como
correram essas noites? Há mais palco previsto?
Os concertos de
apresentação foram incríveis! O público foi muito generoso e o feedback
que recebi superou as minhas expetativas. Foi muito especial partilhar este
novo trabalho com quem me acompanha. E sim, há mais concertos a serem
planeados. Estou ansioso por continuar a levar A Conta Que Deus Fez a
outras cidades e países.
Obrigado pela entrevista, João. Desejo-te muito sucesso com o novo álbum! Alguma mensagem final que queiras deixar?
Muito obrigado pela oportunidade! Deixo um agradecimento especial a todos os que têm apoiado o meu trabalho. Continuaremos juntos nesta jornada, a celebrar a música e a nossa cultura!
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