Entrevista: Murro

 

Camaradas, trabalhadores, inconformados e rebeldes da classe oprimida! É chegada a hora de erguer a voz contra a exploração, de desafiar a opressão, de empunhar a bandeira da resistência! Nos becos sufocantes da alienação capitalista, onde o suor do proletariado enriquece os senhores do mundo, há quem se recuse a baixar os braços, há quem transforme a revolta em grito, o grito em ruído, o ruído em força! E esses são os Murro que com Dissertações de um Cidadão Comum Desesperado, Prestes a Cometer um Atentado, continuam a sua luta e entregam um manifesto sonoro sem concessões. Vejamos o que a banda tem a argumentar!

 

Olá, pessoal, é um prazer voltar a conversar convosco. Desde a nossa última entrevista em 2021, como tem sido a vida da banda?

Olá, viva! Também é um prazer estar de volta e desde já agradecer a oportunidade. A vida da banda tem sido boa, com alguns altos e baixos como tudo na vida. Tivemos a saída do Tiago Cê, o que nos fez parar durante algum tempo, e mais tarde, já no início das gravações a saída do Valter Costa. Que nos fez assumir a formação de trio, obrigando-nos a reformular o processo de execução. Ficando o som mais sujo e agressivo. Até há bem pouco tempo, foi esta a formação, com a qual demos alguns bons concertos. Agora com a entrada do novo baixista Barba Negra, voltámos à formação original e estamos satisfeitos, achamos que o baixo é muito importante no nosso som e ajuda a definir a robustez característica de Murro.

 

O novo álbum traz como título Dissertações de um Cidadão Comum Desesperado, Prestes a Cometer um Atentado, que é particularmente longo e provocador. Qual foi a inspiração para escolherem este título?

A inspiração continua a ser a mesma que nos carateriza desde o início de tudo. As injustiças socias, aquilo que vimos e sentimos na pele todos os dias. Como a exploração do trabalhador, as sucessivas ingerências dos nossos governos que nos levam a uma carência social acentuada, as guerras e o que está a destruir o planeta, entre muitos outros temas, que são do conhecimento de todos. No fundo tentamos dar voz ao lado mais fraco da barricada que é onde nos encontramos também e essa é a nossa maior inspiração, daí acharmos o título bastante adequado e pertinente. Talvez tenha uma pitada de provocação, mas às vezes é preciso "atirar a pedrada no charco". 

 

Em 2021, mencionaram que o vosso som deambulava entre hardcore, D-beat e noise shoegaze. Em Dissertações…, como definem a vossa abordagem sonora? Sentem que houve uma evolução ou uma consolidação do estilo?

Achamos que foi uma evolução natural, para um som mais rápido e agressivo, mas sem esquecer a alma dos Murro. Neste álbum quisemos dar mais ênfase ao D-beat, guitarras que estão mais destrutivas e rápidas, com riffs mais musculados, dando caráter a esta nova fase. Em termos líricos mantem-se a mesma linha de sempre, nem faria sentido ser de outro modo. Quanto à nossa definição, da nossa abordagem sonora, é sempre muito difícil para nós fazê-lo, mas achamos que continuamos na mesma linha, apenas mais rápidos e mais zangados (risos).

 

A redução da banda para um trio trouxe desafios ou oportunidades inesperadas? O que motivou esta alteração na formação?

Em termos de oportunidades achamos que nada mudou, as coisas têm mantido um ritmo saudável e estável. Quanto aos desafios, aí sim não foi fácil. Nunca foi nossa intensão sermos trio, foi uma necessidade. Com a saída do Valter, não quisemos ficar parados e já tínhamos o álbum a ser preparado, mas isso nem foi o maior problema. O nosso som sempre foi feito com baixo e a falta dele veio trazer um som mais confuso, que nos deu algumas dores de cabeça até estar como nós queríamos. E nunca o ficou. Daí a entrada do Barba Negra para o projeto, esta é a formação base da banda, guitarra, baixo, voz e bateria. Claro que gostamos de desafios e não é nossa política "atirar a tolha ao chão" daí o trio, mas a verdade é que isto soa muito melhor com baixo.

 

Com essa redução de elementos, quem assumiu as funções de baixista? Esta mudança trouxe um impacto significativo na sonoridade ou dinâmica da banda?

Em termos de gravações, não, porque o Pedro O Rápido assumiu os baixos. Onde notamos as grandes diferenças de dinâmica foi ao vivo. Colmatar a falta de um baixo com apenas uma guitarra não foi fácil. Mas claro que o facto de ter sido tocado pelo Pedro em vez do Valter trouxe algumas nuances novas e ajudou a moldar o som dos Murro, para se tornar no que é hoje.

 

O novo álbum aborda temáticas como desigualdades sociais e alienação capitalista. Sentem que estas questões ganham ainda mais urgência no atual contexto global? De que forma procuram transmitir esta mensagem nas vossas letras e músicas?

Sendo a banda, composta por homens pertencentes à classe explorada, a classe trabalhadora este é sempre o momento. E, enquanto assim for, vamos continuar. O álbum faz referência a todo um conjunto de situações frágeis da sociedade, tenta apontar um caminho, que na nossa perspetiva nos parece a mais justa, a vida está aí e com ela aprendemos que há coisas que devem mudar e todos nós sabemos o que tem de mudar. Atirar a toalha ao chão não é para nós uma hipótese como já referimos várias vezes, pois estaríamos a encorajar o conformismo e forçosamente a admitir que não existe outra maneira de viver. Assim queremos acreditar que esta é a nossa oportunidade para "apontar o dedo" áquilo que nos desconforta a todos. A forma que encontramos para o dizer através das nossas letras, é meramente informativa. É um relato daquilo que vemos e ouvimos...é apenas a nossa analogia social.

 

Os onze temas de Dissertações… são descritos como mais rápidos e violentos em relação a Misantropo. Esta abordagem mais agressiva reflete um estado de espírito particular ou uma decisão consciente para impactar o público?

Acima de tudo reflete a nossa vontade de fazer um som mais forte e robusto. Claro que esse acréscimo de violência à música é reflexo daquilo que nos rodeia. Tentamos falar como se de uma atualização informativa se tratasse, mas que na realidade todos conhecemos. Depois do Misantropo muitas coisas mudaram e outras não, agora a guerra da Ucrânia, seguido do genocídio de Israel a Gaza ao povo da Palestina, e não se espera que fique por aqui, no entanto a comunicação social dominada por grandes grupos económicos tem tido um papel relevante em nos atirar areia para os olhos. Desta forma e sem qualquer tipo de preciosismos, queremos apenas apontar o que se passa. Não tem a ver com um estado de espírito ou impactar as pessoas que nos ouvem, até porque a nossa mensagem é representativa de um coletivo, é um sentimento transversal a muitos homens e mulheres deste mundo. É mais simples do que parece…

 

Este álbum foi totalmente gravado, misturado e masterizado pela banda em colaboração com Fernando Matias. Como foi este processo de produção mais independente? Foi uma escolha pela liberdade criativa?

Já conhecíamos o Fernando Matias, a quem desde já agradecemos a colaboração. O álbum foi gravado em várias fases, até por tudo o que já foi explicado nas anteriores perguntas. Numa fase inicial gravamos as baterias, processo que foi relativamente lento devido a alguns percalços logísticos. Em seguida foram captadas as guitarras, baixos e vozes na nossa sala de ensaio. Por sua vez, fomos então ter com o Fernando para misturar e masterizar. Foi um processo rápido e melhor para nós, visto o Fernando estar mais perto da nossa área e podermos acompanhar todas as sessões, o que ajudou a definir melhor o som que procurávamos. Sim, claro que sendo desta maneira, houve mais liberdade criativa no processo final.

 

Qual é o vosso objetivo principal com Dissertações…? Apenas expressar a vossa visão do mundo ou provocar uma reflexão mais profunda no ouvinte?

Achamos que pode ser uma mistura das duas. Ao mostrares a tua visão do mundo, numa simples conversa de café, uma música ou mesmo um debate político, acabas por ser ouvido e ouves os outros. Mas sim, acaba por ser uma reflexão nossa sobre o estado atual das coisas. Que pode ou não fazer o ouvinte refletir, não queremos de maneira nenhuma impor uma ideia, fica a cargo de cada um, retê-la ou descartá-la.

 

Ao longo dos anos têm-se destacado pela força das vossas atuações ao vivo. O que podem adiantar sobre os concertos de promoção de Dissertações…? Haverá alguma novidade ou surpresa nos espetáculos?

Obrigado. Esforçamo-nos sempre para que as nossas atuações sejam fortes. Inicialmente a surpresa maior talvez tenha sido a consolidação da banda como trio, com apresentações mais fortes e preparadas para esse formato poder tocar ao vivo, sem se sentir muito a falta do baixo. Não foi fácil, mas achamos que foi uma boa fase. Agora, nesta segunda fase, que está aí a começar, já com alguns concertos marcados e o álbum na mão, a grande surpresa é mesmo a volta do baixo, com a entrada do Barba na banda. Achamos que veio revitalizar o som da banda e dar mais espaço a algumas harmonias das guitarras. Quanto ao resto, continuamos a seguir a mesma linha performativa, alguma surpresa que surja, é no momento e de forma espontânea. Uma coisa que gostamos muito de fazer é interagir com o público e isso, só por si, pode tornar-se uma grande surpresa, gostávamos de tocar todos nus, mas isso iria trazer problemas (risos).

 

Obrigado pela entrevista, pessoal. Que mensagem gostariam de transmitir aos fãs que têm acompanhado a vossa jornada e apoiado o vosso trabalho?

Obrigado, nós por mais uma vez se lembrarem de Murro. Obrigado, também a todos os que nos ouvem e acompanham por aí fora. Tem sido bem bom… A mensagem que queremos deixar, está bem latente nos nossos temas, basta ouvi-los. Apenas acrescentar, que de maneira nenhuma somos pela destruição, antes pelo contrário. Somos pelo coletivo. Acreditamos que um homem sozinho não vale nada, até pode ser muito bom individualmente, mas essa individualidade só se reflete num coletivo, que respeite e valorize as suas capacidades. Assim e para terminar pedimos a todos os leitores que se unam e que se mantenham dentro dos seus coletivos.

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