Entrevista: The Joy Of Nature

A Roda do Tempo é o mais recente disco saído dessa criativa mente açoriana que dá pelo nome de Luís Couto. Entre os seus projetos criativos, The Joy Of Nature é aquele ao qual estamos mais ligados e ao qual temos proporcionado mais visibilidade. E foi por isso que voltamos a conversar com o músico que atravessa uma fase de grande criatividade. O tema principal andou, naturalmente, à volta de A Roda do Tempo.

Olá Luís, tudo bem? Como tem sido a vivência do projeto The Joy Of Nature desde a última vez que falamos?
Da última vez que falamos havia editado o EP Two Leaves Left. Depois de uma paragem, não só de The Joy of Nature como de toda a minha atividade musical, que se prolongou por uns bons meses, devido a motivos de trabalho, comecei a trabalhar no recentemente editado A Roda do Tempo.

No final de 2015 acaba por surgir mais um disco desta entidade por ti criada. Como descreverias A Roda do Tempo?
É o disco que melhor expressa aquilo que The Joy of Nature é, tanto em termos de temáticas, como em termos de sonoridade. É um disco que não se consegue fazer quando se começa um projeto musical. Só pode surgir quando já há uma identidade perfeitamente definida. Regressa à folk e cruza o ocidente com o oriente (tal como aconteceu no primeiro disco, ainda enquanto The Joy of Nature and Discipline), mas desta vez nas letras. É um disco sobre a natureza circular, e não linear, do tempo, como os ciclos se repetem e tudo passa, como os rios inevitavemente desaguam no mar, perdendo assim o seu nome. Tal como acontece na vida de cada um de nós.

A mim, parece-me, que estes temas surgem numa das mais inspiradas fases tuas, enquanto criador. Sentes isso?
Sim, tenho a noção que há fases mais inspiradas do que outras, quando em vez de querer criar algo, o ato criativo surge de forma espontânea. Uma das fases mais inspiradas que havia tido foi aquela que deu origem a discos como The Shepherd’s Tea e à trilogia The Empty Circle. A técnica, no entanto, era mais limitada e não me permitiu exprimir da forma que o sentia. Houve posteriormente um certo vazio. As fases de inspiração também se relacionam estreitamente com os nossos próprios ciclos de vida. Sinto que este disco corresponde a uma dessas fases de inspiração. Não foi minimamente premeditado.

De onde veio tanta inspiração? A natureza do teu belo arquipélago parece continuar a ser uma boa inspiração…
Muitas vezes a beleza do arquipélago é usada mais como um símbolo, através de imagens mentais e memórias. É normal que a use, uma vez que é o ambiente onde cresci e onde vivo. Também é verdade que sinto uma ligação especial a esta terra. Mas não sei dizer de onde vem ao certo a inspiração. Quando surge, é como se eu fosse apenas um meio pelo qual algo é transmitido. Muito nasce das próprias experiências que vivo, mas tais experiências não me dizem apenas respeito, na sua essência está algo por que muitos outros indivíduos também passaram.

No que diz respeito ao aspeto lírico, continuas a apostar exclusivamente no português, mas isso não te impede de ser reconhecido lá fora. Aliás, há um crítico, numa análise curiosa, que diz que não percebe rigorosamente nada do que se está a cantar, mas que a música lhe toca a alma… Acaba por ser este o principal tópico da existência dos TJON?
Alguns discos têm letras em português, outros em inglês e, por vezes, devido à nacionalidade do vocalista convidado, em castelhano. Tendo tido como principal base de apoio neste disco o cancioneiro açoriano, não faria sentido que não fosse noutra língua que não o português. A escolha da língua é difícil: por um lado as letras são importantes e gostaria que quem ouve as canções possa compreendê-las. Por outro, sinto-me mais à vontade não só a cantar, como também a escrever em português.

Já que falamos de letras, tens influências açorianas, mas também de poesia tradicional de outros povos, inclusivamente da China. Como fazes essa recolha?
Não é algo propositado. No que diz respeito à China, há mais de dez anos atrás li um livro de sabedoria chinesa – Tao Te Ching – que me marcou profundamente, especialmente porque encontrei lá algo com que me identificava desde há muito, apenas nunca tinha visto escrito onde quer que fosse. Alguns anos mais tarde comecei a usar um outro livro chinês – I-Ching – como guia para a minha vida (quem saiba o que é o I-Ching sabe ao que me estou a referir). Curiosamente, a primeira referência que encontrei ao I-Ching foi num livro de Hermann Hesse. São recolhas que surgem naturalmente... Usei neste disco, como já havia feito no passado, poesia de povos de origem celta (assim como o próprio símbolo que aparece na capa do disco o deverá ser, apesar de ter sido fotografado aqui na ilha de São Miguel). Há culturas, nas quais encontramos afinidades com a nossa forma de perceber o mundo e a nós próprios, com as nossas experiências mais profundas. Haverá algum tipo de herança comum a essas culturas que sentimos dentro de nós.

Estranhamente, e já que falámos ali atrás de uma critica feita no estrangeiro, analisando o teu facebook, nota-se que apenas há reviews ao álbum feitas por sites estrangeiros. Sentes alguma mágoa por o teu trabalho ser mais reconhecido lá fora que cá dentro?
De há uns anos para cá que não tenho feito grande promoção dentro de portas (e muito menos ainda nos Açores). Já são quase duas décadas de actividade musical e um acumular de experiências de bater às portas, enviar discos e receber ou não feedback, não devido à qualidade do trabalho, mas a outras razões. Conheço o outro lado, porque já fiz rádio e já escrevi sobre a música de outros. Sei como muitos divulgadores de música querem, mais do que outra coisa, detetar primeiro que os outros a “next big thing”; é, muitas vezes, uma questão de ego. Quando percebem que afinal não se revelou como tal, perdem todo o interesse. Mas esse fenómeno não é apenas português. Sentimo-lo mais cá porque é um meio pequeno. De qualquer forma, não tenho razões de queixa: The Joy of Nature é relativamente conhecido num certo meio musical em Portugal. E o que me interessa, sobretudo, é que a música chegue a quem a possa apreciar, que diga algo a alguém. O resto é realmente acessório.

Mais uma vez, este é um trabalho pessoal, embora alargado a outros colaboradores. Queres falar um pouco nos elementos que aqui colaboram contigo?
Desta vez, para variar, todas as colaborações ocorreram pessoalmente, todos os músicos gravaram no meu estúdio doméstico. Tive a sorte do Costa Barbosa ter estado cá a trabalhar, do Paulo Martins te vindo cá passar uns dias de férias. O João Malaquias e a Joana Matos foram pessoas com quem tinha colaborado noutro projeto. Foram colaborações que se proporcionaram, felizmente e que acrescentaram mais ao trabalho do que aquilo que é audível.

Este é um disco de edição limitada, não é verdade? São apenas 289 cópias e todas numeradas à mão? Depois destas, quem quiser adquirir este trabalho como vais fazer?
Há o Bandcamp, onde aliás já está disponível para quem prefere apenas o formato digital.

Para além dos TJON, tens estado envolvido, também com os Moving Trees. Qual é ponto da situação deste outro projeto?
Pela mesma altura em que ocorreram as gravações de A Roda do Tempo, foi gravada uma versão de uma canção de Joy Division para o tributo nacional Day of The Lords e gravei mais um tema com o Paulo Martins na voz. Há esse e outros temas para terminar e editar quando surgir uma oportunidade. Infelizmente, perdi uma série de canções devido a um problema informático que me fez perder os conteúdos não só do disco rígido do computador, como também do disco de backup. Mas há material que gostaria muito de ver editado e que tenho consciência que está ao nível do melhor que tenho conseguido fazer.

Muito obrigado, Luís, mais uma vez. Queres acrescentar mais alguma coisa?
A partir de junho deverei saber novamente o que é ter tempo disponível e adoraria dar concertos, seja com que projeto for. Estou com imensa vontade de voltar aos palcos. Se alguém estiver interessado, entre em contacto! E obrigado por esta entrevista!

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