Entrevista: Alpha Tiger

Há uma velha teoria que defende que os músicos escrevem o seu melhor material quando esquecem todas as considerações comerciais, análises de mercado ou as expetativas do público e, simplesmente, seguem o seu instinto artístico. Foi precisamente isso que aconteceu aos Alpha Tiger. De repente viram-se sem o seu vocalista e vislumbraram aí uma oportunidade para mudar o seu rumo musical. O trajeto escolhido não podia ter sido o melhor com o seu álbum homónimo a impor-se pela qualidade. Numa longa e profunda conversa, o guitarrista Peter Langforth explicou, pormenorizadamente, todas essas mudanças.

Olá Peter, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Aí está o sucessor de iDentity. Podemos afirmar que traz uma nova identidade dos Alpha Tiger?
Olá, temos que te agradecer, o prazer é nosso! Eu já parei de falar sobre a identidade da banda, progressão musical ou qualquer outra coisa, porque é tudo apenas um ponto de vista. Para algumas pessoas, já tínhamos definido o nosso som em Beneath The Surface, que foi musicalmente o nosso disco mais sofisticado e progressivo até o momento. Alguns diriam que foi iDentity, quando nos separamos dos nossos ídolos e influências e agora, depois de mudarmos de vocalista, temos novamente a mesma discussão. Portanto, eu deixaria os fãs decidir quais são os seus favoritos e substantivos discos dos Alpha Tiger. Posso simplesmente dizer que fizemos uma série de decisões completamente diferentes desta vez em termos de composição e produção. E, claro, o nosso novo cantor BJ mudou muito a bandidentidade com sua entrada!

Mas há algumas diferenças em relação ao vosso álbum anterior, concordas? São o reflexo de que? Da vossa maturidade, de novas experiências, de muita estrada?
Sim, concordo. Mas cada novo registo é uma nova página em branco e reflete tudo o que passamos nos anos da sua produção. Desde que lançamos iDentity no início de 2015, muitas coisas aconteceram! Por exemplo, quando o nosso ex-vocalista Stephan decidiu deixar a banda logo após o seu lançamento. Esse foi o maior corte na história da nossa banda. Como resultado, tivemos que cancelar todas as atividades e gastar todo o nosso esforço na procura de um novo cantor. Esse foi um terrível momento para nós. Esses sentimentos de desamparo, perplexidade e também algum tipo de raiva que sentimos, reflete-se, naturalmente, no novo disco. Eu já não tinha interesse em escrever sobre coisas conceptuais, como política ou sociais, porque tive que lutar com os meus próprios problemas, e foi por isso que, desta vez, a letra é tão pessoal. Mas quando Benjamin se juntou à banda, voltamos à pista e estávamos cheios de sede de ação. Algumas semanas depois, fomos numa grande tournée europeia com os Order Of Chaos, do Canadá e Battle Beast da Finlândia. Essa foi a maneira perfeita de apresentar Benjamin ao mundo e também para nós verificarmos que poderíamos continuar. Mas nós sabíamos, que deveríamos fazer outro disco com Benjamin, porque ele precisa das suas próprias músicas para cantar, por isso intensificamos o nosso esforço na composição de músicas quando terminamos a tournée. Meio ano depois, estávamos em estúdio para começar a trabalhar no nosso homónimo quarto disco.

Entre essas experiências está incluída uma visita ao México (risos)?
Realmente gostaríamos de tocar no México! É uma pena que nunca lá estivéssemos estado. Ouvimos muitas histórias de bandas que tocaram lá, e dizem que foi uma ótima experiência, porque os fãs são muito apaixonados. Nada comparável com o conhecemos aqui na Alemanha. Lembro-me de algumas ofertas para tocar no México. Mas infelizmente, por diferentes motivos, nunca aconteceu. Mas ainda esperamos que um dia possamos realizar uma viagem como essa.

Aparentemente, a mudança de vocalista não afetou minimamente a banda nem o seu processo criativo?
Não posso negar ou confirmar esse facto. Benjamin entrou um pouco timidamente e tinha noção que era eu o responsável pela composição das nossas músicas. Portanto, acho que ele não quis intervir no processo. Mas eu sei o quão importante são os vocais e sua voz para a nossa música e também sabia que as pegadas de Stephan, que ele tem que preencher, não são pequenas. Tentei trabalhar o mais próximo possível de Benjamin nos arranjos vocais e tentei escrever as músicas em torno do seu registo vocal natural. A voz de BJ não é tão aguda quanto a de Stephan. Isso dá às músicas um toque mais terra-a-terra. Trouxemos tudo um pouco mais para baixo, o que tem um efeito mais caloroso e orgânico sobre as músicas. Ele é uma pessoa completamente diferente do seu antecessor, e isso afetou muito o processo de composição, mesmo que BJ ainda não esteja ciente disso!

Mas afetou significativamente o post-iDentity, pelo menos em termos de espetáculos?
Sim. Já na época de iDentity, decidimos mudar a nossa aparência em palco. Eu sei que os fãs gostaram muito do nosso estilo spandex amarelo/laranja no palco. Mas, de certa forma, sentimos que não podemos cantar coisas sérias e, simultaneamente, aparecer com isso. Não encaixa bem. Além disso, a música mudou. Menos harmonias dos anos 80 e músicas mais orientadas para a componente atmosférica. E por último, mas não menos importante, em palco, Benjamin é uma pessoa completamente diferente de Stephan. É mais vivo e sabe exatamente como comunicar com o público. Além disso, é mais relaxado e mais espontâneo do que o seu antecessor, sem desrespeito por Stephan. Stephan também foi brilhante, mas mais próximo da perfeição técnica. BJ é mais Rock'n'roll, se quiseres.

Desta vez, optaram por trazer algumas influências dos anos 70, como o som orgânico do órgão. Foi premeditado?
Sim e não. A única coisa que realmente foi planeada e premeditada, foi a decisão de gravar o álbum completamente analógico. Este foi um passo enorme comparado com tudo o que fizemos anteriormente, especialmente no iDentity, onde usamos todas as técnicas e truques digitais que poderíamos obter. Desta vez, queríamos voltar às raízes e queria gravar um álbum orgânico. A melhor maneira de fazer isso é fechar a banda inteira numa sala e deixá-la tocar as músicas todos juntos. E quando gravas numa máquina de gravação analógica, certificas-te de que não se pode mexer nas pistas depois de gravadas. Sem edição, sem truques. Era o que queríamos fazer. Mas isso nunca teria sido possível se tivéssemos feito outro disco complexo como iDentity ou Beneath The Surface. Portanto, sabíamos que precisávamos simplificar as músicas, caso contrário ainda hoje não teríamos terminado a produção do disco! E quando decides reduzir tudo, para te concentrares mais num desempenho orgânico, no groove, nas atmosferas e coisas assim, reconheces que as músicas têm mais espaço para pormenores aqui e ali. Foi por isso que adicionamos, aqui e ali, alguns sons de órgão Hammond, sintetizadores, pianos e coros femininos. Para mim, foi fantástico trabalhar nesse disco, porque senti vontade de fazer música "real" e não apenas para capturar faixas ao longo de pistas até obter uma parede de som.

Tiveram a colaboração de um teclista convidado, não foi? Quem foi?
Sim. Eu e o nosso baixista, Dirk, compusemos todas as faixas básicas de órgão/teclado. Mas não conseguimos gravá-las da forma como um verdadeiro organista/teclista as gravaria. Por isso, Richard Behrens (o nosso engenheiro de gravação) recomendou-nos um músico chamado Johannes Valenta. Ele já tinha trabalhado com ele para outra banda. Enviamos-lhe as nossas ideias e faixas básicas e quando veio a estúdio para gravar as suas partes, estava bem preparado e fez um trabalho fantástico! Ele não mudou muito o que tínhamos criado inicialmente, mas a maneira como ele tocou, implementou as nossas ideias o que foi simplesmente fantástico. Nós arranjamos um órgão real dos anos 70 com um enorme amplificador Leslie. Tocava alto como o caraças no estúdio, mas soava incrível! Estou muito agradecido pela oportunidade de poder trabalhar com um músico impressionante como ele!

Já estás a pensar em recrutar um teclista como membro permanente da banda?
Já conversamos com Johannes a respeito de ser o nosso teclista ao vivo e ele está muito interessado. Tenho a certeza de que teria sido maravilhoso tocar com um organista ao vivo. Mas como agendamos os próximos espetáculos para o novo disco, quando começamos a ensaiar as novas músicas, percebemos que não seria possível de acontecer. Porque todos os nossos membros da banda vivem em diferentes cidades um pouco por toda a Alemanha e é difícil conseguir juntar toda a gente para ensaios e espetáculos. Se houvesse um sexto membro, nunca poderíamos lidar adequadamente com uma organização dessas. Mas talvez possamos realizar, um dia, um espetáculo especial com ele ao vivo. Seria um evento incrível para mim!

Mas tens outros convidados. Quem são?
Claro. Como referi, podes ouvir um par de incríveis músicos convidados neste disco. Não planeamos nada disso, simplesmente aconteceu de uma maneira muito natural como: "ei, estás na cidade? Gostarias de vir tomar uma cerveja e juntares-te a nós para uma sessão?" Aí, Christian Peters dos Samsara Blues Experience fez algums sintetizadores em Aurora e em If The Sun Refuse To Shine. Os nossos amigos thrashers de Berlim, Space Chaser, ajudaram-nos com alguns gangshouts. Os elementos dos Street Hawks (uma banda AOR alemã) ajudaram-nos nos arranjos vocais em My Dear Old Friend e This is Devilstown, e por último, mas não menos importante, minha namorada Lisa. Perguntei-lhe se ela poderia adicionar alguns vocais atmosféricos em Singularity, Aurora, Too Wear A Crown e Devilstown. Em retrospetiva, adoro o quão maravilhoso e natural tudo se encaixou bem no final.

Disseste que este era o álbum que sempre quiseste fazer. Por quê?
Isso é verdade. Este foi o primeiro disco que fizemos sem expetativas nem pressões exteriores. Após a nossa separação com Stephan, não tínhamos nada a perder. Por isso este foi o momento perfeito para algo novo, para um novo capítulo ou um novo começo. Como preferires. Sabíamos que, com o nosso novo vocalista Benjamin, somos uma banda diferente. Fizemos todas essas experiências (gravação analógica, sons de hard rock, órgãos, sintetizadores) e nunca pensamos se as pessoas gostariam ou não. Fomos para estúdio com dez músicas diferentes, divertimo-nos muito a gravá-las e ficamos entusiasmados com o crescimento do dia a dia. A cada novo take e cada instrumento adicionado, as músicas iam ficando cada vez melhores, pelo menos na nossa opinião. No final, estamos muito orgulhosos destas músicas! Há tanto amor e força vital em cada pequeno detalhe deste disco, desde as músicas até as letras, até artwork e o layout do CD e do vinil. Nada nos poderia tirar esse sentimento. Não tínhamos medo de possíveis comentários maus ou da falta de compreensão pela cena do metal. Mas, claro, também foi um grande sentimento verificar que, de qualquer maneira, muitas pessoas gostaram do nosso novo resultado.

E a partir de agora, alcançaram a estabilidade necessária para enfrentar a estrada?
O lançamento oficial do nosso disco Alpha Tiger foi no final de agosto, pelo que já tivemos oportunidade de tocar bastantes vezes e de levar as novas músicas para palco. Mas não foi fácil levar algumas dessas músicas novas para palco, porque houve uma atmosfera especial quando gravamos as músicas em estúdio e agora devemos recriar esse momento no palco todas as noites. Mas hoje, posso dizer-te, que poderíamos implementar a maioria dessas músicas no nosso set-list e é bom ver, como as pessoas as acarinham! E todos elas têm o seu lugar entre as mais velhas. Além disso, BJ está feliz, por finalmente poder cantar as suas "próprias músicas", onde ninguém o pode comparar com Stephan.

Obrigado, Peter! Queres acrescentar mais alguma coisa?

Obrigado pela entrevista. Espero que os leitores desta entrevista deem uma oportunidade ao nosso último disco. Este disco pode precisar de um pouco de tempo para se perceber, mas vale a pena dar uma segunda e uma terceira audição. Perceberão cada vez mais detalhes e quando conheceres a história por trás deste disco, entenderás o significado das letras.

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