Entrevista: Bird Swarm


Ele é um dos co-fundadores do Colectivo Casa Amarela, crucial na génese e primeira etapa do colectivo. Atuou e lançou sob diversos monikers do catálogo da agora editora DIY. Após a separação semi-litigiosa do CCA em 2017, e um período de reflexão sabática, toda uma simbiose turbulenta resultou no novo projecto, Bird Swarm (ente que se sobrepõe ao indivíduo). A sonoridade é apelidada pelo mesmo como swamp industrial techno, cumulativa de géneros e influências que povoam o imaginário de Bird Swarm desde a primeira infância. Nelson P. Ferreira fala-nos de tudo isto.

Olá Nelson, tudo bem? Recentemente ocorreu a estreia do projeto Bird Swarm. Como se deu a génese deste projeto?
Boas, antes de mais, agradeço o teu interesse em saber mais sobre o projeto. Bird Swarm surge mais como continuidade de que rotura, no que diz respeito ao trabalho que tenho vindo a fazer ao longo dos anos. O meu projeto mais duradouro, AVOIDANT, que pus em hiato indefinido em 2016, começou muito antes de cofundar o Colectivo Casa Amarela. Começou com aquela típica ingenuidade protegida pelo quarto de dormir, por volta de 2003, ainda eu e todos os clones de Merzbow em Portugal (versão DAW) cheirávamos a leite. Em 2007 comecei a ter alguma coragem para partilhar aquilo que andava a fazer pela calada, e lancei um par de coisas pela Enough Records em 2008.  Foi só em 2012, com Earthly Beasts, que comecei a arriscar os ritmos, algo estranho, demorar tanto, isto é, dado o meu passado como baterista durante a adolescência. Como decidi deixar o CCA o ano passado, e todos esses projetos estavam, por assim dizer, vinculados ao coletivo, achei que fazia sentido avançar sem olhar para trás e voltar à estaca zero. E estou muito feliz por tê-lo feito. Acho que as novas faixas falarão por si.

E continuas a apostar no formato DIY?
Até agora sim. Conto com o apoio da Casa Mãe para tratar de uma parte que me dá pouco ou nenhum prazer, ou seja, agenciamento e comunicação. Assim posso focar-me naquilo que sinto que fui feito para fazer - produzir, compor e dar espetáculos - e deixar o resto para quem percebe realmente da coisa, neste caso, a Isabel Milhanas Machado, que teima em acreditar que tenho talento. Sei que pode soar a irresponsabilidade como artista musical em 2018, mas estatísticas, sejam views, listens ou downloads são coisas giras para se procrastinar, mas para mim e aquilo que crio, com toda a sinceridade, valem bola. O verdadeiro prazer só me surge quando posso reproduzir, frente a um público, a música que ando a trabalhar, com condições de apresentação que ninguém, julgo eu, tem em sua casa. É óbvio que gosto que Bird Swarm funcione em formato auscultadores num quarto silencioso às escuras, mas acho que a experiência sensória que se ganha com um PA decente é infinitamente superior. Por isso, e com devidas desculpas por este pequeno desvio de raciocínio: por enquanto na equipa vencedora, Bird Swarm e Casa Mãe não se mexe, logo, fazermos tudo entre ambos, faz-nos dupla de centrais titulares.

Tendo sido um projeto com uma génese um pouco turbulenta, digamos, de que forma isso se reflete nas criações?
Reflete tudo o que pode, ou seja, tudo o que fui e no que me tornei, para o bem ou mal. Acho que no material que tenho até agora, estão lá as emoções e sentimentos todos, desde uma agonia de encarceramento, passando por uma abjeção completa da realidade, mas também passando por uma esperança irremediável e vontade de viver. Ou seja, o que me revigora e me faz sentir poderoso, no sentido humano e nada capitalista da coisa. Diria confiança, uma autoestima redobrada ou vá, amor próprio. Para chegar até Bird Swarm, passei por dois dos anos mais terríveis da minha vida. Nesse plano, deixar o CCA foi dos momentos menos marcantes e até das decisões mais sensatas e lúcidas que tomei, uma vez que não estava a acrescentar nada de útil ou produtivo à nova roupagem de editora que estão a levar a cabo. Em primeiro lugar, porque sou muito pouco saudosista, e embora perceba a piada em colecionar artefatos obsoletos como cds, cassetes e vinis (e até tenho alguns de todos os formatos), não era algo que quisesse investir o meu tempo e, na altura, pouco dinheiro. A ideia de editora, que ao início me pareceu bastante apelativa, foi perdendo o encanto aos poucos, quando percebi que aquela promessa das Netlabels serem o futuro da “indústria” musical era também um logro, se pensarmos na efemeridade com que as pessoas lidam com tudo o que tem relevância ou teor artístico/criativo hoje em dia. Acho que as artes, em geral, estão a tornar-se tão efémeras quanto as artes performativas, e isso até lhes dá um certo encanto de novidade, algo para experienciar, tirar o máximo proveito de tais momentos e guardar nas nossas gavetas de memória. O que sobreviver numa longa duração das coisas, sobrevive. Não há amigos na comunicação social ou clones de Max Brod que cheguem para todos. Enfim, foi antes no plano pessoal, esse sim muito turbulento, cheio de efemeridades com pessoas e equilíbrios de corda bamba entre a vida e a morte, que tirei a força que se ouve em Bird Swarm. Acaba por ser, a nível musical, tudo o que mais me dá prazer ouvir e consequentemente criar.

Podes fazer uma breve descrição do que se trata, para quem não o conhece?
, já me disseram que soa a algo “Kraftwerk meets Sunn o)))”, mas a haver a influência do Autobahn e afins (porque confesso que ouvi muito pouco dos tipos) só mesmo por via do Alva Noto/Raster-Noton. Diria que Sunn é uma grande influência, embora não ouça discos deles desde o Monolith and Dimensions. Gostava imenso das experiências com Moog que faziam, logo, não é descabido que nalgum recanto da minha mente, achasse que estava a fazer uma electrónica Haxan Cloak/Tri-Angle, mais crua e lo-fi, como o Black Metal de retrete está para Deafheaven e toda a cena Black Metal Malibu, à mistura com um Taurus a criar mamas de esteróides e a apanhar mocas downer de Popol Vuh. Depois de sair do ginásio, claro, para curtir as endorfinas chill e sem calorias. Houve uma altura que apelidei a coisa Swamp Industrial Techno, mas isso é porque tenho demasiado tempo livre. Agora, deliberadamente, confesso que gosto de “roubar” ideias aos Autechre e o 100th Window de Massive Attack é dos meus álbuns preferidos de todo o sempre. Ah, e aquela que é considerada a fase negra de Paradise Lost, ou melhor, Depeche Lost. Ao menos tinham mais músculo que o Martin Gore, que não toca um boi de guitarra, mas… quanto a isso também não tenho moral para falar.

Apesar de ainda não haver uma gravação oficial, há já alguns temas a circular pela net. Quem quiser tomar contacto com Bird Swarm, onde o poderá fazer?
O canal YouTube, Gente Solitária, que é gerido por mim e a Isabel e age como conceito de distribuição digital dos nossos conteúdos, disponibilizou dois excertos da performance (muito pouco formal) que aconteceu neste passado dia 25, no EKA Palace. A qualidade áudio está bastante aceitável e já dá para ter uma ideia do que podem esperar em breve! Deixo-vos os links: https://youtu.be/hSh1-SwgKXk +  https://youtu.be/bHO3YmFXMKw.

E depois desta estreia, que outros planos estão desenhados para realizar?
Contem nos próximos meses com um lançamento que irá estar disponível nas plataformas stream mais usadas atualmente. Há outro projeto, em modo duo, na calha, mas a seu tempo ouvirão falar dele. Há vídeos, algo próximo do conceito de teledisco, na calha, bom, há muito na calha... O que mais quero é dar espetáculos frente a público e desfrutar dessa partilha, de forma recorrente: vendo as reações, positivas e negativas.

Obrigado! Dou-te a oportunidade de acrescentar mais alguma coisa.
, espreitem os vídeos no canal da Solitária, sobretudo ouçam, e se curtirem e eu estiver de passagem no vosso bairro para bombar um set, apareçam e dancem, fiquem especados, meditem ou apanhem uma valente mamada. Também estou disponível para tocar em batizados, Bar Mitzvahs, casamentos, festas de divórcio, funerais e fazer primeiras partes de Salvador Sobral, Corpus Christi, Decayed, Xarabanda, cenas Xita Records, Ermo, Blind Zero ou Conan Osiris. Resta só agradecer a ti, pela oportunidade de me deixar delirar neste tempo de antena. Tudo de bom para a Via!

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