Entrevista: O Gajo


É verdadeiramente arrojado este novo projeto levado a cabo por João Morais n’O Gajo. Inspirado pelas As 4 Estações de Vivaldi, não demorou muito a ter criado as As 4 Estações d’O Gajo em que, em 4 EPs, revisita cada uma das estações ferroviárias de Lisboa. Cada EP foi lançado numa diferente estação do ano, contendo cinco temas dos quais um com um convidado especial. Uma ideia genial, com um resultado musical, artístico e até de imagem, de topo. Vamos perceber como este projeto nasceu e se concretizou na mente e mãos de João Morais e na sua viola campaniça

Olá João, tudo bem? Quando em 2017 iniciaste este projeto alguma vez pensaste que poderias ter atingido a proporção que já atingiu?
Sou um músico de concertos, é isso que me move e quando decidi tocar um instrumento acústico a solo e de forma instrumental, foi para poder ter mais oportunidades de tocar ao vivo sem estar dependente de sistemas de som. As bandas de rock necessitam sempre de mais condições para se exporem ao vivo e eu sentia falta dos concertos mais regulares. Queria poder tocar em qualquer sítio e em qualquer canto, tocar para pessoas fosse no bar, na rua, com ou sem eletricidade. Tocar apenas por que é o que mais gosto de fazer. Esta ideia libertou-me muito e as ideias surgiram de forma descomprometida. Acho que isso deu mais personalidade ao projeto e sem dúvida que a boa aceitação que teve logo no arranque foi algo que não esperava de todo.

Este novo projeto intitulado As 4 Estações d’O Gajo é verdadeiramente genial! Parabéns. Quando te surgiu a ideia?
O meu primeiro disco Longe do Chão foi o arranque de uma viagem, o arranque de um voo. Neste segundo trabalho quis focar-me na viagem que isto tem representado para mim. Quando me cruzei com a obra do Vivaldi As 4 Estações pensei logo em adaptar esse nome e usar as estações de comboio em vez das estações meteorológicas. Como queria também um formato físico apelativo, lembrei-me de criar 4 EPs cada um com o nome de uma estação de comboios de Lisboa lançado em cada uma das estações do ano. No final teríamos uma coleção de 20 músicas em 4 EPs dentro de uma caixa criada para o efeito. Um objeto físico que fosse também interessante.

Suponho que deva ter sido (e se calhar ainda está a ser) uma tarefa hercúlea de levar a bom porto. Foi um passo muito arrojado, não achas?
Sim, sem dúvida muito arrojado. Tenho muito a agradecer à Rastilho Records por ter abraçado esta aventura comigo. Sem a Rastilho, se calhar não teria avançado. O meu principal desafio foi a criação de um grupo de 20 músicas que pudessem coexistir no mesmo trabalho sem cair em repetições ou monotonias mas eu precisava desse desafio. O resto é paixão.

Quando iniciaste o ano com o lançamento de Rossio já tinhas algum dos temas a incluir nos EP’s seguintes ou foste construindo cada EP a seguir ao lançamento do anterior?
No arranque desta aventura, tinha umas 3 ou 4 músicas prontas. Faltavam por isso umas 16 ou 17 músicas para concluir a viagem. Passei muitas horas fechado na sala de ensaio a gravar ideias e a construir os temas. Tentei andar à frente do tempo para não sentir pressão. A Viola passou a estar sempre à mão e se por acaso não houvesse viola, gravava ideias a cantarolar para o telemóvel pois não podia desperdiçar nada. Para além disso comprei alguns discos de projetos que conheci recentemente para ir renovando as minhas referências e a minha inspiração.

Olhando para trás como analisas o trabalho e o esforço desenvolvido e a recompensa por esse esforço?
O trabalho e esforço que dedico à música que faço dá sentido à minha vida. Que melhor recompensa posso eu esperar? Claro que quando o público que me ouve aumenta, esse sentido é maior e fico sempre muito agradecido aos que demonstram interesse no meu trabalho. Sinto-me um felizardo.

Portanto tem sido um ano recheado de enormes experiências e de muito trabalho, suponho…
Sim, muito empenho, mas orientado por muita experiência adquirida no passado. Não quero cometer os mesmos erros e acima de tudo quero uma viagem tranquila.

Por falar em experiências, podes relembrar como decorreu a tua passagem por Macau?
A ida a Macau surge para a inauguração de uma exposição de arte O Salão de Outono organizado pela Fundação Oriente. Fui com o José Anjos da poesia e tive a oportunidade de viajar pela primeira vez para o oriente. Fizemos o concerto na Fundação Oriente e depois toquei num espaço local chamado LMA (Live Music Association). Correu tudo muito bem e a imprensa local ligada à comunidade Portuguesa deu um bom destaque a esta experiência. À volta dos eventos estavam acima de tudo portugueses e pessoas relacionadas com a exposição de arte, os chineses não se ligam muito a este circuito, mas foi uma viagem que me deixou excelentes recordações.

Se o primeiro álbum era dedicado a Lisboa… este volta a ser com as suas emblemáticas estações. Sendo tu um lisboeta que vive a sua cidade o que procuraste captar em cada estação para o inserires na forma de música?
A ideia das estações está focada no facto de serem um ponto de partida para o mundo. Não houve uma inspiração concreta nos espaços físicos, mas apenas a simbologia de representarem pontos de partida. São 4 estações de Lisboa pois é a cidade onde nasci e cresci e de onde parto para o resto do mundo.

Ao longo dos EP’s foste tendo gente convidada. Podes apresentá-los e explicar como a sua participação se tornou possível?
Isso foi outra coisa que quis experimentar neste trabalho. Achei que em 20 músicas poderiam caber alguns sabores novos e com 4 EPs, porque não ter um convidado por  cada EP? Lancei os convites a 4 artistas que admiro muito e de quem sou fã. O José Anjos que renovou o meu interesse pela poesia, a Joana Guerra que me leva a viajar pelo seu mundo cósmico, o Carlos Barretto que dispensa apresentações e que toca o seu contrabaixo com um alto nível de técnica e sensibilidade e o Karlos Rotsen que conheci recentemente e que adorei ver ao vivo com o seu jazz crioulo ao piano. Quatro pessoas que me encheram de felicidade ao aceitar o meu convite.

Com este crescimento, até onde poderá ir este O Gajo?
O que tenho planeado, acaba no final deste ano de 2019. A partir daí quero descansar, comprar uns disco novos e logo se vê…

Não sei se ainda pensas nisso, mas eu, pessoalmente, ainda sinto saudades dos Gazua. Há alguma possibilidade de voltares a reerguer a banda?
A minha ideia é que possam surgir oportunidades para nos reunirmos. Tenho saudades desse tempo e da malta envolvida. O principal problema neste momento é eu mal ter tempo para dar ao GAJO tudo o que o projeto precisa para as coisas funcionarem bem. Ter duas bandas está fora de questão pois não tenho disponibilidade para tal, é que para além da música tenho ainda o meu trabalho de tatuador, uma família com um filho de 7 anos à mistura e amigos com quem gosto de estar.

Obrigado João! Queres acrescentar mais alguma coisa?
Quero agradecer-te pelo teu apoio e pelo teu trabalho e deixar também um agradecimento muito especial a todos os ouvintes de música em geral, mas acima de tudo aos que ouvem música nacional pois esse apoio tem sido imprescindível para fazer crescer a qualidade do que se faz por cá.

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