Entrevista: el Sur


Todas as Sombras é o genial disco de estreia dos el Sur criados com o principal objetivo de homenagear a canção de intervenção latino-americana cantada em castelhano. Mas não só. Todas as Sombras é um verdadeiro manifesto criativo e de livre expressão artística. Como também se percebe pela entrevista que o coletivo lisboeta nos concedeu.

Olá e obrigado pela disponibilidade. Para começar, podem apresentar este projeto el Sur? O que vos motivou a pô-lo em andamento?
O grupo nasceu com o explorar dos caminhos da música da América Latina através dos seus cantautores. Música da terra, da gente e das suas lutas.

Já tinham tido outras experiências musicais antes de el Sur? Querem falar um pouco delas?
Qualquer um de nós tem percursos anteriores ou paralelos como músicos e compositores. Nomes como (sei lá como hierarquizar isto) Sérgio Godinho, Vitorino, Cais Sodré Funk Connection, Hill’s Union, , Povo, Fungaguinhos, Humanos, Bunny Ranch, PuntzSkaPuntz, Coro Gulbenkian, Hot Clube, fazem ou fizeram parte das nossas vidas. Somos um caldeirão disto tudo e de mais algumas (muitas) coisas.

Quando se juntaram nos el Sur já era com a ideia formada de se debruçarem sobre a canção de intervenção da América Latina?
Sim. O grupo foi fundado com esse propósito pelo Rui Galveias e pela Telma Pereira. Passaram pelo grupo ainda a Maria Joana Figueiredo e o Francesco Fry di Carlo. Hoje o grupo é formado por Joana Manuel, João Cardoso, Rui Alves, Rui Galveias e Tiago Neo. Mas desde o início ponto de partida era claro, daí o nome aliás. O percurso posterior mais alargado é a consequência inevitável do cruzamento destes músicos. Neste universo, pelo menos, num universo paralelo quem sabe se não há um percurso alternativo.

Em termos de intervenção, já ponderaram, também, debruçar-se sobre a produção nacional do pré e pós 25 de Abril, por exemplo?
Será sempre um caminho aberto, pela identificação pessoal e coletiva com essas canções, pelo amor a essas canções. Aliás, é um caminho que já está a ser trilhado, mesmo em tempos de contenção e distância social. Ou talvez até por causa deles.

De que forma é que o título Todas as Sombras assenta nessa temática?
O título Todas as Sombras deriva do tema Alta Traición, uma canção de el Sur construída sobre um texto do mexicano José Emilio Pacheco. É uma espécie de resumo do grupo, por ser uma canção bilingue, a partir de um poema mexicano que nós desconstruímos, traduzimos, adaptámos, mantendo sempre a maior fidelidade ao espírito do poeta. A expressão Todas as Sombras resulta dessa adaptação da letra. É uma expressão criada por nós no processo de construção da canção, não está no poema original, mas reúne duas imagens que nele são fortes: as montanhas concretas que o poeta ama e as várias figuras da História do país. Não a História em si, mas aquelas luzes que se olharmos para trás vemos pelo caminho. São sombras e luz ao mesmo tempo. São os ombros que nos sustentam.

Todas as Sombras é o vosso álbum de estreia. Agora que têm o produto final entre as mãos, qual é o sentimento dominante?
É de imensa satisfação com o resultado final e também de uma gratidão imensa para com as pessoas que se envolveram connosco neste processo. Foi um disco desejado, maturado, com descobertas e encontros no processo, quer da banda com outros, quer entre os próprios elementos que fazem el Sur. É um disco feliz. Cheio de sombras, mas com as janelas abertas.

Um dos aspetos mais extraordinário do vosso álbum é a utilização de letras de poetas e escritores uns mais conhecidos, outros não. Sentem-se confortáveis a construir uma música sobre uma letra já existente?
Sim. Não existe um processo único “el Sur” na construção de canções e os textos vêm-nos parar às mãos de várias maneiras. Pode haver música primeiro - e temos uma canção que foi mesmo estruturada assim, pedimos ao Tiago de Lemos Peixoto uma letra para uma melodia já existente e saiu a Valsita Cruel, por exemplo. Mas também podemos partir de um poema do Eugénio ou do Saramago, como acontece no disco, e cruzá-lo com um tema já nascido ou feito para servir aquele poema e aquelas imagens.

Já agora, de uma maneira geral, como funciona o processo de composição na banda?
Depende. Normalmente existe uma melodia e uma harmonia que procuram servir um assunto. Se já há um texto a canção é feita procurando servi-lo. Noutros casos é posto um tema, um título em cima da mesa e pede-se a um autor que escreva, como foi o caso da Valsita Cruel.

Para além da banda, que outros convidados ajudaram a criar este Todas as Sombras?
O Tomás Pimentel e o Rubén da Luz nos sopros, o Joaquim de Brito (Shaka) no berimbau, a Mariana Camacho e a Lily Nóbrega nos coros. E claro, o Naná, que misturou.

Como estamos de palco? O que têm previsto?
Francamente, perante a situação que vivemos neste momento ninguém consegue prever o que quer que seja. Esperamos que haja condições para voltar aos palcos, para nós e para todos os que trabalham nas artes do espetáculo. E esperamos que as condições sejam dignas, para nós e para todos.

Obrigado! Querem acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado nesta entrevista?
A Covid é uma merda! E estamos todos no mesmo mar, sem dúvida, mas não estamos todos no mesmo barco. É preciso cantar a terra, a gente e as suas lutas, à janela enquanto tiver de ser. As janelas concretas e virtuais têm de se manter abertas. É questão de sobrevivência. E seremos depois o resultado do que formos agora. Não é tempo de baixar os braços. Nunca é.

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