Entrevista: Syndone


Os Syndone já nos habituaram a grandes discos de rock progressivo. Também já nos habituaram a evoluir de álbum para álbum. Inovando. Evoluindo. Em Kãma Sutra isso volta a acontecer e é pena que, até agora, não tenha havido possibilidade de apresentar estas músicas ao vivo. Kãma Sutra é um disco que fica marcado por uma pandemia, mas que trouxe algumas curiosidades, como por exemplo, os vocais gravados num... guarda-roupa! Foi o teclista Nik Comoglio quem nos contou tudo.

 

Olá, Nik, como estás? Passaram-se três anos desde a última vez que conversamos, apareceu uma pandemia e os Syndone gravaram um novo álbum. Kãma Sutra é mais um álbum conceptual, certo? Quando surgiu este tema para ser trabalhado?

Olá, Pedro, estou bem, obrigado. Como quase toda a gente sabe, os Syndone tiveram sempre uma cadência bienal para o lançamento de novos álbuns. Obviamente, quando a pandemia estourou, não conseguimos manter essa frequência de emissão de dois anos. Na verdade Kama foi lançado em 2021, mas já tínhamos as novas músicas do conceito prontas no final de 2019 e tínhamos programado o lançamento para abril/maio de 2020. Um dia antes do primeiro confinamento do Covid em Itália, estávamos em Budapeste para gravar a Orquestra de Kama totalmente sem saber, porque na Hungria ainda não havia Covid. Quando voltamos para a Itália, tivemos que enfrentar um novo mundo de restrições, confinamento, máscaras cirúrgicas, testes de febre, isolamento de pessoas e assim por diante.

 

A respeito de Mysoginia tinhas dito que as partes instrumentais foram uma viragem na vossa carreira. E desta vez? A mim, parece que voltaram a fazer uma revolução (risos)...

(Risos) Acertaste em cheio! Na minha opinião pessoal, Myso representa o objetivo máximo que Syndone pode alcançar dentro de uma "certa linguagem progressista". Não acho que pudesse ter escrito outro álbum com essas mesmas caraterísticas que pudesse ser melhor. Portanto, a forma mais natural de prosseguir foi deixar Myso marcar um ponto final para "aquele certo tipo de progressivo" e seguir outro caminho onde a parte do rock tivesse mais espaço do que a parte mais progressiva. Isso ocorre porque os Syndone sempre tentaram melhorar e ser mais originais, álbum após álbum; também o uso da língua inglesa em todas as letras foi uma escolha feita para mudar para um novo som mais direto... mas nem todos gostaram, muitos fãs reclamaram, além de criticar o facto de no Kama não haver mais aberturas orquestrais elegíacas (como há em Myso), enquanto a orquestra foi tratada mais como o sétimo instrumento, menos protagonista, mas aglutinador do novo som. Parece um álbum "mais fácil" (sem ritmos estranhos, canções mais diretas, letras em inglês), mas não é de todo. Onde foi mantida a parte complexa típica dos álbuns progressivos? Na harmonia! Em Kama existem tantas ousadias harmónicas que certamente quem tem alguma formação em teoria musical não terá dificuldade em apreciar, “harmonizações estranhas” através dos arranjos e mudanças contínuas de tonalidade que o tornam um verdadeiro álbum progressivo em todos os aspetos.

 

Acredito que este novo álbum foi feito em circunstâncias muito difíceis. Como se adaptaram a isso e qual foi a vossa metodologia de trabalho?

Sim, foi difícil, mas felizmente todas as partes de bateria, percussão e baixo, bem como as partes orquestrais, já tinham sido gravadas antes das restrições pandémicas. Por outro lado, o piano e as partes do vibrafone, bem como as partes do meu hammond, moog e juno dist, foram todas gravadas no meu próprio estúdio em Turim pelos meus colegas e por mim um a um, com uma máscara cirúrgica colocada no rosto, a respeitar sempre a distância de segurança entre nós. Para os vocais, Rik inventou um lugar para cantar no seu quarto usando o seu guarda-roupa como uma sala de gravação de som; praticamente todas as vozes de Kama exceto alguns remakes feitos depois no meu estúdio, foram gravadas num guarda-roupa... mas funcionam!

 

Mesmo com todas as dificuldades que falamos acima, criaram um álbum espetacular. Se eu te pedisse para o definires nas tuas próprias palavras, o que me dirias?

Primeiramente, obrigado pela tua opinião sobre o álbum, nós apreciamos! Posso dizer que Kama foi a sinergia de seis pessoas que tentaram criar uma forma de evoluir este género musical mágico que é a “música progressiva”. Certamente, o facto de ter mudado a formação e ter levado um baterista muito jovem e um jovem baixista, contribuiu para abraçar novas ideias juntamente com um rock mais novo e um som mais novo. Portanto, como podes ouvir, nunca há guitarras elétricas distorcidas neste álbum (como de costume em Syndone, é claro), mas um enorme baixo distorcido e o meu teclado distorcido. Este já é um desafio para um som mais original que, embora nem todos gostem, nos diferencia entre milhares de outras bandas e torna os Syndone sempre reconhecíveis. Depois vem a composição e o arranjo, que tornam o álbum homogéneo, tornando-o num conceito abrangente, e, no final, a força da Orquestra. Neste disco, a Orquestra desempenhou um papel fundamental. Tratei-a não como um acréscimo aos nossos instrumentos (como em Myso, por exemplo), mas como um instrumento real por si só e a sua função foi dobrar as linhas obrigatórias do Hammond, baixo ou, às vezes, juntando-se à bateria e ao baixo enfatizando o seu groove: aqui está a própria diferença que torna Kama, tão único.

 

Parece-me que Kãma Sutra é mais expansivo. Concordas? Era tua intenção, uma vez que tematicamente, também pode ser considerado um álbum menos negativo?

Bem, de facto, poderia ser sentido de forma mais positiva do que Myso; aqui falamos sobre o amor nas suas muitas formas, então por que não? Poderia finalmente ser um álbum mais otimista que os anteriores, mas não estava nas nossas intenções: aconteceu! Como tantas outras vezes em que escrevemos um novo álbum, há a letra. A letra, que dá o sentimento final de negatividade ou positividade ao disco, mas, ao mesmo tempo, ajuda-o a realmente descolar.

 

Entre diversos convidados, voltaram a trabalhar com a Budapest Scoring Symphonic Orchestra, que teve uma atuação extraordinária. Que instruções lhes deste?

A minha relação com a Budapest Scoring Symphonic Orchestra passa sempre pelo grande trabalho de revisão de partituras feito pelo Maestro Francesco Zago. Depois de escrever toda a partitura eu mando para ele e depois encontramo-nos várias vezes para consertar tudo que diz respeito à técnica de tocar as cordas, as articulações, quaisquer erros de "enarmonia", aferir os sinais de dinâmica e coisas assim. O Maestro Zago é um maestro inspirado e sabe muito bem que tipo de som ou interpretação quero da Orquestra em cada momento. Por exemplo, se depois de um take eu lhe disser "mais rock'n roll", ele sabe que precisa pressionar a orquestra para tocar tudo com mais energia; além disso, a Orquestra de Budapeste é tão unida que só precisa ser bem conduzida por um grande maestro como Francesco que o seu som será impressionante. No Kama há uma orgânica de 40 arcos que estão tão unidos na execução que parecem um único instrumento.

 

Em algum momento vocês e os convidados (inclusive a Orquestra) trabalharam juntos em estúdio?

Devido à pandemia, cada convidado trabalhou sozinho no seu estúdio: David Jackson gravou no seu próprio estúdio na Inglaterra, Annie Barbazza no Elfo Studio perto de Piacenza assim como todos os outros músicos que participaram neste álbum. Quanto à orquestra, porém, estávamos todos em Budapeste para assistir a toda a sessão de gravação na sala de direção juntamente com o engenheiro de som: foi fantástico!

 

Mesmo com todas as incertezas, estão a planear fazer alguma tournée?

A gente tenta, mas é difícil! Antes da pandemia estava programado Quebec, Japão, Suécia, França, Itália, tudo organizado pelo nosso management em festivais e clubes. Todos esses espetáculos foram cancelados rapidamente devido ao Covid e ainda estão a ser. Kama ainda está sem um “calendário real de promoção ao vivo” e isso é muito triste para mim. Eu sei que há muitas pessoas que gostariam de ver e ouvir Syndone ao vivo, mas acho que ainda existe um longo caminho até se tocar novamente ao vivo em palco em todo o mundo.

 

Obrigado, mais uma vez, Nik. Queres acrescentar mais alguma coisa ou enviar uma mensagem para os vossos fãs?

Sim, claro. Para os nossos fãs, quero dizer que em breve poderemos tocar novamente ao vivo e será um prazer finalmente conhecer-vos e levar a nossa música até vós. É triste esta pandemia, mas temos que olhar mais longe com um pouco de esperança. A música nunca vai morrer!


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