Entrevista: Soundscapism Inc.

 

Afterglow Of Ashes é o mais recente disco do projeto Soundscapism Inc. de Bruno A., um trabalho que reflete a evolução marcante em termos de composição do músico nacional sediado em Berlim. Uma evolução que o levou de paisagens quase despidas e muito intimistas até este conjunto de temas cada vez mais complexos e onde já se vão notando guitarras elétricas e até distorções. Aproveitando a passagem do músico nacional pelo nosso país, a gozar um merecido período de férias, abordamo-lo para nos falar deste disco, por muitos apontado como seu melhor registo.

 

Olá, Bruno! Obrigado pela disponibilidade! Como vai isso por aí por Berlim?

Boas Pedro, como vais por estes dias? Por acaso encontro-me de momento de férias em Lisboa, pelo Natal e Fim de Ano. Mas Berlim está bem - restrições à parte. Tem nevado algumas vezes e está por estes dias um Sol invernal e temperaturas bem negativas, que conferem um ar muito puro para se passear na floresta, etc. E vivo há um ano numa antiga cervejeira remodelada, ao lado de um lago onde nado bastante (por enquanto só no Verão, embora de Inverno esteja sempre malta lá dentro, corajosamente em pelota). Nos últimos meses, tenho estado calmamente no estúdio a reinventar a minha pedaleira de guitarra, dando-lhe potencialidades sonoras incríveis e inspirando-me sempre a novas criações. Houve um fogacho de normalidade no Outono, onde pude estar numa ou outra festa e bar sem estar mascarado, tudo cheio como “antigamente”, mas infelizmente isso passou e agora é atravessar com a sanidade possível mais um longo Inverno de escuridão, semi-confinamento e overload mediático de variantes, vagas, casos, vacinas, números, profecias apocalípticas e afins.

 

Toda a gente tem comentado que Afterglow Of Ashes é, provavelmente, o teu melhor registo enquanto Soundscapism Inc. Sentes o mesmo?

Sim, concordo. Penso que no cômputo geral é a obra mais coesa e com melhor som que lancei até ao momento. Os lançamentos anteriores tinham momentos muito fortes, e o Desolate Angels é um álbum semi-conceptual bem conseguido (que se peca nalguma coisa é pela produção algo “caseira”), mas este acaba por ser o mais forte, direto e cristalino, com todos os arranjos e sons, dinâmicas e panorâmicas a caírem no sítio certo. Até no artwork quis marcar essa diferença. Tem melodias mesmo muito apelativas e uma forte base rítmica que acaba por tornar os temas mais diretos e viciantes, até os mais descontraídos.

 

E, na tua opinião, isso ficar-se-á a dever a quê? Trabalhaste de forma diferente desta vez?

Creio que sim, de certa forma. Foi um processo mais solitário, introspetivo e experimental, no qual tive mais tempo para fazer o que queria e tirar proveito das condições do estúdio. Já tinha ideias de começar um novo álbum de raiz, que representasse uma espécie de statement ou, se quiseres, um apanhado de 2 décadas de carreira; mas quando a pandemia e confinamentos aterraram em força, isso deu-me o élan e tempo que precisava para dar início ao processo. Parte relevante das ideias do álbum surgiram como melodias acústicas, que tocava em casa (que nem sequer era a minha, por estar a ser renovada), ao acordar. Reparei que as melodias estavam super-inspiradas e então a certa altura comecei a gravar e desde aí o comboio não mais parou. Arrastou-se quase até final de 2020, entre composição, gravação, arranjos, préprodução e produção efetiva. E desta vez acabei por fazer praticamente tudo sozinho, por isso foi um processo intenso e bastante imersivo. Soube sempre estar perante algo especial e senti essa responsabilidade-extra ao querer tudo “perfeito”, sem nunca perder a organicidade offthe-grid que me é querida. A edição digital acabou por sair em junho e a belíssima edição física limitada, em formato digipak, saiu agora em novembro, também pela Ethereal Sound Works. Além disso, criei também música que queria ouvir, já que nos últimos, largos anos, tem saído muito pouco que me desperte o interesse e mesmo com as minhas bandas favoritas, acabo a ouvir os álbuns que lançaram nos 00s ou 90s.

 

A mim parece-me que estás a voltar para sonoridades mais rockeiras. Concordas? Até tens guitarras com bastante distorção…

Boa questão! Sendo que vim de e ainda sou conhecido pelo rock/metal (black metal, metal melancólico, rock progressivo, etc.), a música pesada nunca saiu do meu espetro. A juntar ao post-rock cinemático, há apontamentos de guitarra distorcida espalhada pelos outros álbuns, mas relativamente escassos e dispersos. Desta vez e como este álbum é mais direto, rítmico e dinâmico - também como resposta ao último que navegava águas mais atmosféricas e minimalistas - deixei rédea solta na composição. O que quer dizer que assim como usei eletrónica e beats de forma ainda mais transparente, também não me coibi de introduzir alguns momentos mais rock “pesado”. Foi o caso do Neon Smile, mais uma vez um tema que se foi escrevendo a si próprio e no qual, a seguir àquela jam em orgia de batida 80s e synths 70s… de repente tive uma visão de que a 2.ª parte seria pesada, groovy e in your fucking face. E assim ficou! O outro tema foi o último que escrevi e o mais pesado e nefasto de sempre de SInc.: The Bad Batch. Resultou também dessa redescoberta abertura musical, não-filtrada e um dia decidi que se tantas vezes tocava riffs pesadões, stoner, com a Les Paul que mantenho afinada em Drop C, isso devia ter a sua parte neste álbum variado e ligeiramente esquizofrénico. Gosto desse inesperado e se há coisa porque também sou conhecido ao longo da minha carreira é a mescla de estilos: fi-lo com Arcane Wisdom, Vertigo Steps e naturalmente com Sinc. (se reparares por exemplo num tema de 8mins no álbum de estreia chamado Planetary Dirt, com dubstep, guitarrões e orquestra…)

 

Mas, por outro lado, tens o uso muito interessante do ukulele. Quando é que ele surge no teu trajeto musical? Tens ideia poder abrir o leque a outro tipo de instrumentos, digamos, menos usuais?

Olha, há uns anos experimentei banjo e andava com ideias de arranjar um. Depois acabei por me afeiçoar mais ao ukulele e optei por ele. Com ambos os instrumentos, interessava-me tocar as minhas sonoridades nostálgicas e melancólicas - não exatamente o uso que ouves mais dar a esses instrumentos. Há 3 anos e também pelo Natal arrastei o uku no avião até Lisboa e saiu-me essa melodia, que também vocalizei: Earthshine. É um tema especial, mais acústico e indie/folk e que também resultou muito bem. Sou sempre a favor de usar qualquer som e instrumento que possa fazer sentido e enriquecer a música, também trabalhei imenso com samples vocais, além dos beats e do trabalho todo a nível de diferentes de sons de pedais de guitarra e synths vintage. É um trabalho pormenorizado, excelente para se ouvir com headphones.

 

Embora tu próprio tivesses adiantado que este seria o teu álbum mais ambicioso. Porquê?

Porque foi assim que o senti e fui desenvolvendo, por ser o que melhor soa e que conta com alguns temas mais longos e complexos da história de Sinc., como o Revolutions Per Minute ou Between Wild Flowers & Garages. A nível de estrutura, assinaturas rítmicas, samples e arranjos, uso de efeitos, execução, estética, etc. A ambição está lá nos diversos aspetos, é notória ao longo da experiência do álbum.

 

Quais são os convidados que colaboram contigo neste disco?

Manuel Costa no baixo e Tobias Umbach no piano e orgão.

 

Quando se trata de convidados, o que procuras que eles tragam ao teu projeto?

Qualidade musical, criatividade, inspiração e, como no caso desses 2, amizade de longa data. Tenho a sorte de ter amigos que também são bons músicos e que podem acrescentar algo à sonoridade. No caso do baixo, também toco o instrumento e já tinha feito a maioria das linhas, mas o Manuel traz o toque, groove e dedos mais experimentados e fiz questão de convidá-lo, após temos colaborado em Architects of Rain. Vive tal como eu há muitos anos em Berlim, embora nos conheçamos de Portugal, ainda adolescentes. Já o Tobias é o meu principal amigo de Berlim e sendo que toca e trabalha com pianos, participou em 3 temas. Temas que também editei a gosto próprio, mas a base dele está lá. Eu ainda gravei um solo de orgão (Walking Out of the Flames) e diversas partes de piano, mas falta-me a técnica para fazer coisas que um pianista faz. O Tobias tem agora um teclado gigante estacionado no meu estúdio e temos feito algumas jams ultimamente, que vão de coisas ao estilo de Pink Floyd até carnivalismos Kurt Weill, música eletrónica ambiental, neoclássico ou bizarria pura.

 

Neon Smile foi o vídeo de apresentação. Porque escolheste este tema?

Acho que ouvindo, percebe-se logo. Destaca-se e não deixa ninguém indiferente. Ainda que longe de representar tudo o que o álbum oferece - o que praticamente nenhum tema faz por completo - é um tema misterioso, obscuro e direto, sensual e balanceado, quase trágico na reta final. Como referi, junta 70s e 80s na primeira parte, e explode em rock pesado alternativo 90s/00s na segunda parte… O meu pai ouviu hoje e lembrou-lhe de Jethro Tull (risos)! E o vídeo… que vídeo e que experiência insana filmar aquilo ao longo de 3 dias na neve, gelo e casas e fábricas abandonadas… a não perder!

 

Após dez anos de Berlim, este é o álbum mais ou menos Berlinense?

Hm não sei ao certo… não será o mais berlinense, por essa faceta estar já tão entranhada em mim e não haver referências diretas à cidade como havia nos outros. Mas a cidade é o meu dia-a-dia, portanto há-de sempre estar presente de alguma forma, mesmo que inconsciente… foi composto quase na íntegra e inteiramente gravado lá. É sempre bom fazê-lo numa cidade com uma atmosfera tão criativa e com a história musical que tem.

 

Muito obrigado, Bruno! As maiores felicidades! Queres acrescentar alguma coisa que não tenha sido abordada?

Obrigado, eu, tudo do melhor para ti e para a Via e seus leitores! E que 2022 possa ser um ano mais livre para todos que os últimos dois. Entretanto não se esqueçam de ouvir o álbum no Bandcamp (e se gostarem, adquirir), mostrar aos amigos e espreitar o vídeo. A melhor prenda para mim seria ter o maior número de novos ouvintes possível, porque toda a gente que tem ouvido me tem dado o melhor feedback! Peace.

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