Entrevista: 5.ª Punkada

 


27 anos depois o sonho concretiza-se. Os 5ª Punkada, coletivo composto por utentes da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, lança o seu primeiro álbum, Somos Punks ou Não?. Um sonho tornado realidade e pelo qual Fausto Sousa, em cadeira de rodas e com paralisia cerebral, sempre lutou. Com ele estão outros músicos que encontram na música a sua total e plena realização. Paulo Jacob, musicoterapeuta da associação, e também membro da banda, acedeu a responder a algumas das nossas questões.

 

Olá, Paulo! Obrigado pela disponibilidade! Antes de mais, deixa-me dar os parabéns por esta iniciativa de verdadeira integração e superação... Depois, podes apresentar este fantástico projeto? Quando começaram e quais foram os objetivos na altura?

O grupo 5ª Punkada é uma banda formada em finais de 1993, a partir das sessões de musicoterapia com o terapeuta Francisco Sousa. O grupo é constituído por utentes da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra. O Fausto (vocalista) sempre teve o sonho de cantar (inspirado pelo Jon Bon Jovi) e com o terapeuta Francisco teve todo o suporte e apoio para o começar a fazer. O principal objetivo do grupo sempre foi (e continua a ser!) o de usufruir dos prazeres da música, através da sua execução. 

 

E uma aventura já com bastantes apresentações ao vivo. De que forma é preparado cada espetáculo, atendendo à especificidade deste conjunto de músicos?

Os espetáculos são preparados através dos consecutivos ensaios (necessários para uma boa prestação ao vivo!). Preparamo-nos sempre para dar o melhor de nós, com garra e qualidade! As únicas especificidades relativas aos espetáculos têm que ver diretamente com as condições de acessibilidade (ao palco e a todos os locais por onde os elementos do grupo tenham que passar) pois dois dos elementos são utilizadores de cadeiras de rodas.

 

Quanto tempo despenderam a preparar este álbum?

Devido à pandemia, não houve muito tempo para preparar o álbum... pois estivemos quase um ano e meio sem ensaiar. O processo foi um pouco complicado, tendo tido apenas 3 dias (!!!) para preparar o álbum.

 

Paulo, além de músico na banda, és musicoterapeuta. Qual é o teu trabalho específico com estes músicos?

O meu trabalho com o grupo insere-se numa matriz um pouco diferente da musicoterapia...  como grupo, interessa-nos a procura da excelência musical (quer ao nível da composição quer relativamente à performance). Claro que, na qualidade de terapeuta (e não fazendo musicoterapia com os 5ª Punkada!) poderei afirmar que há toda uma série de ganhos relativos à execução e fruição musicais. O meu papel, acima de tudo é o de suporte e coordenação de todas as potencialidades e idiossincrasias dos elementos que integram o colectivo.

 

De que forma se proporcionou esta ligação com a Omnichord Records?

Neste processo, a ligação com a Omnichord adveio no decorrer de uma candidatura a um programa de co-financiamento do Instituto Nacional de Reabilitação, tendo sido a entidade que apresentou as melhores condições de realização deste sonho.

 

Conta-me  lá como foi essa experiência de ter o estúdio montado na vossa quinta?

Para dizer a verdade, a experiência não foi nova... em 2005 já tínhamos montado um estúdio na nossa sala e gravámos um disco que... nunca chegou a ser editado! Mas esta experiência foi diferente, pelo facto de termos tido um produtor profissional e convidados especiais no disco.

 


E foi fácil gerir os nervos para as gravações? Houve assim algum momento mais engraçado?

Nervos? Quais nervos?? Houve, de facto, momento hilariantes: o baterista que não queria usar auscultadores para gravar; o guitarrista que estava sempre a tecer elogios de admiração ao Vítor Torpedo, entre outros momentos.

 

Blues da Quinta foi o tema escolhido para amostra. Porque essa escolha?

Porque era uma forma de voltar ao início dos 5ª Punkada e de prestar a devida homenagem a todos os que passaram pelo grupo. O Blues da Quinta foi o primeiro tema a ser composto pelo grupo.

 

Bom, o resto do álbum até é diferente do single de apresentação, com temas bastante longos. Em termos de composição, de que forma funcionam as coisas nos 5ª Punkada?

No que respeita à composição, as coisas podem surgir porque alguém já tem uma ideia para apresentar ao grupo ou então fazemos sessões de improvisação sonoro-musical (expressão da musicoterapia), as quais gravamos e analisamos posteriormente. Muitas vezes, nessas gravações, aparecem pequenos momentos que nos inspiram e determinam o início ou uma parte de uma futura canção/música. 

 

Em termos de instrumentos, existe a adaptação de alguns às especificidades de cada músico, não é verdade? De que forma é isso feito?

Dependendo do movimento funcional de cada um, são criadas todas as condições que permitem a qualquer indivíduo aceder ao instrumento que quer. No caso do grupo, o guitarrista usa uma alteração minor no seu instrumento (usa 3 cordas em vez das 6), a teclista que usa um ponteiro para poder pressionar as teclas e o vocalista que faz os solos nas músicas recorrendo ao Soundbeam (interface com sistema multimodal que permite transformar o movimento em som).

 

E agora, o que já estão a planear para a estrada?

Bem, o plano é o seguinte: pôr toda a gente a dançar e iniciar uma revolução!

 

Muito obrigado, Paulo! As maiores felicidades! Queres acrescentar alguma coisa que não tenha sido abordada?

Muito obrigado pelo vosso apoio! Um grande abraço da malta 5ª Punkada.

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