Entrevista: JPCavadas


 

O autor nacional JPCavadas regressa com Dois Mil e Vinte e Dois, um novo disco onde explora diferentes sonoridades. Um claro sinal de maturidade, demonstrando que soube viver com a pandemia e com as críticas recebidas a Relaxe e, a partir desses momentos marcantes, traçar o seu próprio caminho. Para já este trabalho apenas está disponível em formato digital, mas prevê-se, para breve, a sua edição física (e parece que fomos nós os responsáveis, por isso!) onde a componente gráfica será, mais uma vez, de forte elaboração. Mas enquanto tal não acontece, estivemos à conversa com o guitarrista de Cantanhede.

 

Olá, João Paulo, como estás? Obrigado por mais uma vez acederes ao nosso convite. Dois Mil e Vinte e Dois é a tua resposta aos tempos de pandemia e confinamento?

Olá, Pedro, o teu Blog sempre atento à boa música intemporal e à música que surge, por isso, estou sempre bem contigo, pois sabes abrir as tuas portas à criatividade dos independentes seja feita cá ou lá fora. Sim, o Dois Mil e Vinte e Dois é a minha resposta aos tempos de pandemia e pós confinamento, cronologicamente passam dois anos. Nesse entretanto, algumas canções ficaram de fora e outras surgiram. O álbum não fala do passado nem da pandemia, fala do presente de cada um de nós. A paixão está presente na sonoridade que apresento e as letras falam de momentos felizes e outros nem tanto, como em tudo na nossa vida. Associaste a pandemia e o confinamento ao original Já Não Posso Mais e, em certo sentido é verdade, mas esta canção liga com os momentos mais atuais como a guerra na Ucrânia e outras que vão surgindo, mas menos faladas, liga com a emergência climática de defesa da nossa existência, do nosso planeta, a capacidade de renovar, de reerguer  e viver bem  rodeado de boas amizades. E o Dois Mil e Vinte e Dois ganhou este título porque finalmente surgiu após dois longos anos de persistência.

 

Quanto tempo passaste a trabalhar nestes temas?

Quando crio um tema ele é o resultado de um processo de maturação que se vai transformando, aprimorando. No entanto a linha melódica e harmónica básica surge quase imediatamente. O arranjo musical é que vai mudando, surgem novas opções, novos timbres, os contextos podem ser outros e um trabalho que dura dois anos a concluir sofre mudanças, algumas bem radicais. E quando parece que tudo não avança e fazem-se opções alternativas surgem novas oportunidades. O Beija teve tantas versões e acabou banhado em sonoridades algo mais eletrónicas. Do mais convencional mergulhou num ambiente mais alternativo. Eu procurei provocar a diferença entre os próprios temas, uma vez que do meu anterior trabalho, o 2º álbum Relaxe recebi críticas bem diversas, positivas e outras menos agradáveis, mas que tive a capacidade de as ouvir e refletir. Mas a que mexeu mais comigo foi a ideia da homogeneidade das várias faixas que não oferecia novidade e surpresas. E nesta nova sonoridade do Dois Mil e Vinte e Dois os temas têm sempre algo novo a oferecer. Há uma sequência que começa pelo lado feliz e caminha para alguma indefinição, terminando com Deserto, faixa 8, um instrumental que representa este caminhar pelo deserto à procura do oásis. À procura que esta música independente seja devidamente entendida e apreciada como um produto de valor.

 

E, pelos menos musicalmente, continuas sempre sozinho?

A palavra “sempre” não existe no meu dicionário. Inicialmente encontrei um grupo de amigos músicos que se identificaram com o projeto, mas veio a pandemia, as máscaras, as gravações em casa que cada um fazia e que enviava para os outros pelas redes ou por mail. Funcionou assim com o Vasco Faim, inicialmente seria o produtor e baterista, com o Paulo Carvalho no baixo e com os Toscanos na guitarra elétrica e teclados. Era a formação perfeita com uma sonoridade muito orgânica. A terceira faixa Menina é um pedaço da história deste álbum e que representa esse momento. Tudo o resto que se fez, com o desmembramento da banda em tempo de confinamento, foi deitado ao caixote de lixo, pois tudo mudou e voltei à estaca zero. Resolvi, como disse no início, reerguer-me e levar até ao fim o que tinha começado, mas desta vez, como dizes, musicalmente quase sozinho. Tive um grande contributo do músico Pedro Janela que coproduziu comigo três das oito faixas Só um Pouco, Já Não Posso Mais e Ilha. Ele é profissionalmente excelente e a fase final do álbum, a edição e a masterização, foi concluída no seu Estúdio em Tentúgal Mastermix.

 

No entanto, para as letras tens aqui algumas parcerias. Podemos chamar-lhe assim? Como se proporcionaram?

Essas parcerias são fruto do acaso, dos momentos inesperados do quotidiano, das conversas sobre canções e do tipo “Eu também faço poemas… ok, então oferece-me para eu musicar”. Há muitos poetas e poetisas que têm profissões tão diferentes, mas que têm algo em comum: a capacidade de se emocionarem com o que captam à sua volta, possuindo uma capacidade de usar a palavra escrita para expressarem os seus sentimentos. Foi assim com a Isabel Curado (Beija), Vítor Sá (Só Um Pouco), Anabela França Pais (Menina), Giacomo Fabrizio Lombardo (Ilha), eu próprio (Já Não Posso Mais), Renato Cavadas (Eu Não Sabia Que Era Feliz) e com a Susana Galveia (Esse Bicho de 7 Cabeças). Felizmente que me orgulho dos meus álbuns, da música que produzo e dos poemas que canto. Para mim tudo é especial e forte. Dou muito valor ao ato de concretizar o que se começa e com a melhor qualidade que se consegue atingir.

 

Seja como for, este novo trabalho é ligeiramente diferente do anterior. Ainda tem o teu trovadorismo, mas arriscas entrar noutros campos. Sentiste-te confortável para arriscar? E vais continuar?

Não sei se é trovadorismo ou outra forma qualquer, mas o que quer que seja é já uma caraterística que me identifica. Gosto muito dos sons acústicos porque os domino melhor, passei por eles ao longo do meu processo musical. Parece-me que a música não deve ter fronteiras e vivemos num tempo em que experiências musicais são bem acolhidas.  O álbum Relaxe viveu dos ambientes mais literários de encontros de poetas com quem eu confraternizava e que me levaram a ter essa imagem de “trovador”. Com o Dois Mil e Vinte e Dois foi diferente. E parece caricato, mas tudo surgiu porque a minha filha, Inês Cavadas, entregou-me o seu macbook pro avariado, piscava por todo o lado e ia vendê-lo. Eu disse não vendas, dá-me. E foi desta forma que surgiu esta sonoridade que acho que tem muito pouco a haver com o anterior álbum. Tem muito mais instrumentação, nova tímbrica, é mais indie… acho que é diferente. Talvez a forma de cantar em alguns dos originais possa dar-te essa ideia e acho que é positiva. Agora se me senti confortável? Eu fiquei maravilhado com a possibilidade de expandir a minha criatividade. Comprei um teclado controlador MIDI, com o interface Focusrite, explorei inicialmente o Garage Band e finalmente avancei para o Logic Pro e isso ofereceu-me um mundo para descobrir. Este trabalho é uma orgia entre os sons acústicos das guitarras e da voz, com os sons fantásticos que o MIDI hoje em dia tem, para além da facilidade de manipulação na fase da edição que este formato sonoro oferece. Depois desta experiência fico mais enriquecido e com vontade de me aventurar novamente um dia qualquer num próximo projeto.

 

Curiosamente, foram precisamente esses os vídeos lançados. Porque tomaste essa decisão?

Os vídeos que vês no meu canal youtube são muito simples e quis com eles dar destaque ao trabalho gráfico do álbum digital da autoria da Inês Cavadas. A conceção gráfica e as imagens são criações dela e os vídeo poemas são ótimos para quem quer cantar as minhas canções. O único videoclip realizado fora deste contexto resultou da insistência de um amigo, Joaquim Santos, com experiência nesta área, que se ofereceu para o realizar. Tive o apoio do proprietário do espaço Padaria Coimbra que me cedeu as instalações e nós os dois, o Joaquim Santos e eu, concretizamos mais uma ideia que ajuda na divulgação deste álbum, tal como esta entrevista que me estás a fazer, as publicações, os elementos fotográficos. Este projeto é uma produção independente de autor com recursos próprios muito modestos, mas tudo feito com muito orgulho e muito prazer.

 

E como foi o processo de gravação?

Do videoclip Beija não existiu propositadamente uma grande planificação. O conceito centrava-se em mim como artista, tendo como cenário uma casa tradicional, sem qualquer história que representasse o poema. O foco foi a emoção, a naturalidade, a verdade da expressão do intérprete e um destaque à música. Não existiu tempo para algo mais elaborado porque tudo tinha de ser feito em muito pouco tempo. Só foi usada uma camara e por isso foram repetidos vários takes e planos. Mas gostei bastante do resultado final atendendo aos poucos recursos disponibilizados.

 

Para já esta é uma edição apenas em digital, mas parece que estás a preparar uma edição física. O que se pode esperar? Mais uma mistura entre música, poesia e artes plásticas?

Posso dizer que no digital o álbum está a ser mais ouvido lá fora, pelo mundo inteiro e muito menos por cá. Estou quase a chegar aos mil seguidores no Spotify e streamings perto dos 30000. É uma insignificância para a dimensão do Universo, mas é muito para mim. E espero crescer muito mais no digital e ser cada vez mais apreciado em todo o lado no meio digital. Isto do digital permite fazer análises aos gostos dos ouvintes e a canção Esse Bicho de 7 Cabeças está a ter algum destaque no spotify em número de streamings. Mas, influenciado por algumas solicitações para fazer uma edição física, nomeadamente tu próprio pediste-me um CD que eu não tinha, resolvi tomar mais essa iniciativa e muito brevemente o álbum estará disponível para os amantes do CD e um será para ti. Com a edição física existe o que o digital não oferece: a possibilidade de contemplar o lado gráfico deste trabalho, a beleza do trabalho da Inês com a qualidade ímpar que a identifica. Podem comprovar o que eu afirmo se o adquirirem. É mesmo aquela mistura entre música, poesia e artes plásticas. O CD será encartonado, duas abas e com um livro graficamente construído de uma forma muito apelativa onde podem ler as letras e destaco a Ilha (Isola) com a qual podem treinar o vosso melhor italiano.

 

Chegaste a avançar com aquele projeto que falavas dedicado à música infantil?

Não, ainda está na gaveta. Esse é um projeto resultado das minhas aulas de música com crianças de 4 e 5 anos que desenvolvi e canções com as quais elaborei o projeto da minha pós-graduação em Gestão nas Indústrias da Música do ISCAC em parceria com a AMAEI. Agora a minha motivação é o Dois Mil e Vinte e Dois, mas é verdade, as crianças merecem que eu faça algo por elas, talvez um dia.

 

Obrigado, João Paulo. Queres acrescentar mais alguma coisa?

Eu é que agradeço à Via Nocturna toda esta divulgação e aproveito para dizer a todos que acompanham regularmente o teu importante blog para que ouçam a música independente, a minha e a de muitos. Mas, podem, conhecer mais no meu site, visitar o canal youtube e o instagram e ouçam, adicionem e partilhem a minha música nas plataformas digitais e nas redes sociais. Um grande abraço para todos!

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