Entrevista: Peste & Sida

 


Há onze anos não havia crise. Agora não há pão! Mas, pelo menos, há rock ‘n’ roll! E do bom! É esse o mote para o regresso aos discos dos Peste & Sida. Liderados por João San Payo, o único membro resistente do lendário quarteto que iniciou esta aventura, mas com uma formação estável (de tal forma que já tem mais anos que a primeira!) os Peste & Sida de hoje são exatamente aquilo que se espera deles. Seguiram o seu caminho, cresceram, evoluíram, mas continua fiéis aos seus princípios e aos seus seguidores. Aliás, tudo temáticas que João San Payo trouxe para a conversa que teve connosco.

 

Olá, João, antes de mais, parabéns pelo vosso regresso com um disco ao vosso estilo. E o que melhor se pode dizer de Não Há Pão! é que, passados todos estes anos, continua a representar fielmente os Peste & Sida, não concordas?

Em 2003 tivemos desde logo consciência de que só faria sentido reativar os Peste & Sida enquanto nos continuássemos a identificar com as premissas criativas das origens da banda. Esse compromisso é a garantia de não defraudar os seguidores mais fiéis de Peste & Sida, os que acompanharam sempre a banda quer nos momentos mais altos como nos momentos mais conturbados. Foram eles que ao longo dos tempos se identificaram com as letras e músicas da banda e nós propusemo-nos a dar continuidade aos Peste sabendo que tínhamos de conciliar essas premissas com a nossa evolução ao longo dos tempos. Passados 30 anos os tempos mudaram e nós também. Temos outra idade e naturalmente outra maturidade e também outras capacidades técnicas para os interpretar. Mas neste grupo de trabalho levamos sempre em conta que os nossos interlocutores privilegiados serão sempre os fãs mais fiéis de Peste & Sida, eles são a verdadeira razão da continuidade e da existência dos Peste & Sida e felizmente estes novos trabalhos que temos apresentado têm tido a sua aprovação o que nos enche de orgulho e nos guia no rumo certo.

 

O vosso último álbum de originais já foi há muito tempo. O que passou com a banda para este intervalo tão longo?

Entre o Não Há Crise de 2011 e o Não Há Pão! de 2022 passaram 11 anos em que andamos na estrada, em 2012 saiu uma Biografia da banda com um CD com muitas versões de Peste & Sida tocadas por bandas amigas, em 2015 foram finalmente reeditados os três primeiros álbuns que só tinham saído em vinil no século passado e lançamos o Ao Vivo no RCA em 2016 que nós consideramos o nosso melhor Best of, um álbum com a participação de 13 amigos que já tinham passado pela banda no decorrer destes 30 e tal anos. A par disso todos nós continuámos a desenvolver outros projetos musicais, a dar aulas, a acompanhar as nossas famílias e em 2020 ainda nos caiu uma pandemia em cima… Isto tudo para dizer que quando apostamos numa banda como Peste & Sida sabemos de antemão não será daí que teremos um ganha-pão exclusivo e garantido para sustentar as nossas famílias. Mas nestes anos não estivemos parados, somos músicos profissionais e felizmente ainda nos podemos dar ao luxo de fazer as nossas escolhas. Claro que tudo isto condiciona o ritmo de produção dos Peste & Sida. Por outras palavras: aantes passávamos os dias todos sempre juntos, saímos de casa dos nossos pais para estar com a banda. Hoje em dia estamos com a banda quando conseguimos conciliar com os trabalhos paralelos e com as famílias que entretanto cada um de nós formou. Digamos que é como uma “terapia de grupo”.

 

Já que falas disso, é verdade que, ao longo destes anos, têm surgido diversos lançamentos vossos, como reedições, compilações e álbuns ao vivo. A banda tem tido parte ativa nesses lançamentos?

Sim, penso ter respondido na pergunta anterior. Quando reativámos os Peste em 2003 havia a sensação que tinham ficado algumas pontas soltas e ainda havia muita coisa por dizer e por fazer.

 

Uma vez que és o único membro dos primórdios dos Peste, quem é esta nova geração de músicos da banda?

É bom perceber que esta segunda fase de Peste & Sida já dura mais tempo que duraram os primeiros 8/9 anos do princípio da banda. O João Alves que é o meu cúmplice na reativação dos Peste em 2003 já era fã de Peste desde os primórdios e atualmente já conta com 20 anos de banda, quatro álbuns de inéditos e um ao vivo. O Sandro Oliveira já está nos Peste desde 2011, este é o segundo álbum de inéditos e também esteve no ao vivo, assim como o Ricardo Barriga. Este grupo de trabalho integra músicos de gerações diferentes, mas todos nós remamos para o mesmo lado para levar o barco a bom porto.

 

Entrando agora em Não Há Pão!, de que forma olhas para este álbum, principalmente em comparação com os vossos clássicos?

Penso continuar a haver um fio condutor que identifica os temas deste novo álbum com aquilo a que os Peste sempre se propuseram: rock, festa, letras sarcásticas e divertidas pontuadas com ambiguidades irónicas em que continuamos a expor a critica social. E musicalmente o ecletismo e diversidade rítmica que sempre caraterizou as nossas músicas passando pelo rock, ska, reggae, funk… o que nos apetecer tocar sem ter de dar justificações a quem quer que seja

 

Uma abordagem recorrente nos vossos álbuns é uma versão de Zeca Afonso. Isso volta a acontecer com Só Ouve o Brado da Terra. Porque escolheram este tema que até nem será dos mais conhecidos do Zeca?

É um tema que pela letra se mantém atualíssimo e que por isso já tínhamos tocado ao vivo aquando da queda do BES do Ricardo Salgado. Atentem na letra e fica bem claro que o Zeca era um visionário e que passadas três décadas ainda continuamos a viver e a sofrer como bichos numa selva, subjugados com as desigualdades provocadas pela desregulamentação dos mercados de trabalho e com a voracidade predadora dos banqueiros e dos grandes grupos económicos.

 

Já que falamos em versões, também foram buscar um tema dos lendários Rock & Varius, Mandem Mais Rock ‘n’ Roll. Com um título como este é alguma direta, por exemplo, às rádios e televisões nacionais?

Não, sobre isso já não temos qualquer expetativa. É um tema que não nos assiste porque apesar de sermos considerados uma banda histórica e de culto do pop-rock nacional não passamos praticamente em rádio nenhuma. Mesmo as estatais Antena 1 e Antena 3 voltaram a ignorar este oitavo álbum de originais (como fizeram ao sétimo e ao sexto e a todos para trás para não variar… e eu ralado!)

 

Neste e nas outras versões, qual foi o vosso critério na escolha desses temas?

Liberdade total. Na nossa opinião eram temas que se enquadravam no que estamos a viver e no que tínhamos vontade de expressar

 

No que diz respeito às vossas composições gostava que falasses de Abaixo de Zero, um tema ligeiramente diferente, mais sujo e experimental. Como foi o seu processo de criação?

Não foi diferente dos demais. Os riffs ou surgem espontaneamente na sala ou são desenvolvidos em grupo, na sala de ensaio sempre que um de nós traz uma proposta previamente concebida. Neste caso particular, o riff de base foi uma sugestão que dei a partir de um exercício que tinha trazido de casa e a partir daí começamos a montar o puzzle em conjunto. Esta liberdade criativa de parte de todos nós contribuirmos para compor músicas e letras acaba por refletir um ecletismo mais abrangente em relação ao que tocamos.

 

Liricamente, a crítica política e social está sempre presente, naturalmente. Com tantos acontecimentos, não deve ser difícil arranjar temas para abordar…

Pois, infelizmente muitos dos temas que abordamos falam de problemas que se arrastam ao longo dos anos sem resolução. E alguns até se agravam como a corrupção ou a degradação sistemática dos sistemas de ensino e de saúde pública.

 

Em termos de gravação, como correram as coisas com o Emanuel Ramalho? É uma ligação de longa data e sempre com sucesso, não é verdade?

O Ramalho conhece-nos desde que começou a trabalhar com os Peste & Sida em 1987/88, produziu o Portem-se Bem e o Reggaesida em 1989, coproduziu o Eles Andam Aí em 1994, o Não Há Crise em 2011, o Ao Vivo no RCA em 2015. Ele sabe como é que queremos soar porque entende o que é Peste & Sida e aquilo a que nos propomos musicalmente e enquanto banda. É um aliado que nos ajudar a atingir os objetivos a que nos propomos quando gravamos as nossas músicas.

 

Finalmente, gostaria de abordar a questão dos convidados. Para já, podes apresentá-los?

Todos os convidados são amigos pessoais. Para os reggaes, skas e funks surgiram imensas ideias para metais porque em 2019 decidi trocar o vicio do tabaco por um trompete. Apesar de não ter capacidade técnica para gravar, só o contacto mais próximo com o instrumento me pôs a criar linhas de metais e então recorri ao Ricardo Pinto, trompetista e amigo e ao Gonçalo Prazeres, saxofonista e amigo para porem em prática as minhas ideias. Eles acabaram por fazer muito mais do que isso, desenvolvendo verdadeiras secções de metais. O Freddy Locks, grande amigo e especialista de reggae também foi convidado para marcar o seu cunho no Equilibrista e o Johny dos Simbiose está presente nos nossos discos desde que em 2010 assumiu o cargo de road manager dos Peste & Sida.

 

Quando sentiram que esses elementos seriam fatores de engrandecimento do álbum?

Quando sentimos que as faixas chamavam por eles.

 

Já tiveram a oportunidade de apresentar este disco ao vivo? E o que têm planeado para este ano?

Estamos a subir a palco com um reforço de metais (Gonçalo Prazeres no saxofone barítono e André Lourenço no saxofone tenor) porque queríamos ter este espectro harmónico ao vivo uma vez que também está no álbum. E as coisas estão a soar muito bem, muitos dos clássicos também já começam a ter arranjos novos com metais e nem por isso ficaram descaraterizados. Tem sido sempre a somar!

 

E agora, vamos ter os Peste & Sida com mais regularidade com lançamentos discográficos?

Quem sabe… Só o futuro o dirá…

 

Obrigado, João. Queres acrescentar mais alguma coisa ou enviar alguma mensagem?

Apenas agradeço o apoio e KEEP ON ROCKIN’!!!

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