Entrevista: Lusitanian Ghosts

 


É um projeto único! É um projeto irrepetível! Tocar rock’n’roll com cordofones tradicionais protugueses. Quem os faz são os Lusitanian Ghosts idealizados por Nuno Leitão, aka Neil Leyton, um nativo da Mouraria, mas muito tempo fora do seu país e que surge acompanhado por músicos um pouco de todo o lado. III, como o título deixa antever é já o terceiro trabalho e sobre ele há muito para descobrir nesta entrevista com o mentor desta inovadora ideia. Ah! E a prenda Natal referida no fim desta entrevista já está disponível. Oiçam aqui.


Olá, Nuno, tudo bem? Antes de mais deixa-me dar-te os parabéns pelo trabalho que os Lusitanian Ghosts têm vindo a desenvolver. Quando te surgiu esta ideia de utilizar instrumentos tradicionais nas tuas composições?

Boa noite! Muito obrigado, é um trabalho que desenvolvemos todos a part-time, labour of love, é um verdadeiro prazer para mim cantar a acompanhar estes instrumentos, os cordofones. A ideia surgiu há uns anos, quanto herdei alguns instrumentos do meu avô, o Mestre Adelino Leitão. Eu não sabia que ele tinha sido músico nos anos 50 ou 60… Os Fatalistas. E também não conhecia o universo dos instrumentos folk regionais, foi incrível descobrir tudo isso depois do meu regresso a Portugal. Lá fora toda a gente conhece o Cavaquinho, que se transformou no Ukulele, mas os cordofones folk regionais, as violas Amarantina, Beiroa, Campaniça, Terceira, Toeira, são quase completamente desconhecidas. Muitas quase se desapareceram na segunda metade do século XX, são estes instrumentos os Ghosts. Quando os descobri, também por intermédio do Abel Beja dos Primitive Reason, comprei uma Amarantina e levei-a para Estocolmo, como prenda para o meu antigo guitarrista Micke Ghost. Ele adorou e aprendeu a tocar. Enviou-me um vídeo a tocar You Can’t Always Get What You Want dos Rolling Stones, na Amarantina, no Youtube… ainda deve lá estar algures (risos).  E depois pensei, porque não voltar a compor e a tocar, mas sendo em Portugal, em vez do rock’n’roll que eu tocava em Toronto, Londres ou Estocolmo, porque não lhe dar um som mais local, mais diferente… depois mais ao menos ao mesmo tempo fui ao SXSW e vi uma banda fantástica, XIXA, a misturar rock’n’roll com Cumbia e aí percebi que podia ser feito - misturar cordofones lusitanos quase desaparecidos com rock’n’roll só poderia correr bem! E assim foi…

 

E de que forma se junta tanta gente de sítios tão diferentes?

Bem, depois da oferenda da Amarantina ao Micke Ghost, começamos a trabalhar o primeiro disco, com o Ricardo Ferreira a produzir. Ele sugeriu gravarmos no Canoa e convidei o Abel Beja dos Primitive, na viola Terceira, o Vasco Ribeiro Casais (OMIRI) na Braguesa, e o nosso baterista Johnny Dinamite (João Sousa, ex-Murdering Tripping Blues) recomendou O Gajo. E assim foi… eu toquei baixo e arranhei a Viola Beiroa também, no primeiro disco, e juntou-se um coletivo luso-sueco! Já para o segundo disco, Exotic Quixotic, que gravamos no Clouds Hill, O Gajo não tinha agenda para ir, portanto levamos uma das suas Campaniças e convidamos o nosso antigo baixista sueco Janne Olson a tocar baixo e Campaniça. Tanto o Micke e o Janne tinham tocado comigo um pouco por toda a Europa, entre 2004-2008, na minha banda a solo, como Neil Leyton. Gravamos na Suécia o disco The Betrayal Of The Self em 2006, e sempre gostei da abordagem do Janne no baixo. Ele juntou-se ao coletivo nessa altura. Entretanto para o terceiro álbum, o Vasco também não tinha agenda e, entretanto, tinha entrado o ToZé Bexiga na Campaniça, que conhecemos quando tocamos em Évora em 2020 ou 21… e então é isso… os Ghosts é assim, O Gajo continua a fazer as capas dos discos, o Vasco marca concertos… é um verdadeiro coletivo e nunca se sabe quem vai aparecer em palco. Ah, e outra coisa… como podem imaginar: nunca ensaiamos. Só mesmo antes de cada concerto. É música verdadeiramente ao vivo, à beira do desastre… Live Ghosts!

 

O novo álbum dos Lusitanian Ghosts é já o terceiro, por isso, simplesmente intitulado de III. Porque a escolha deste título tão simples e direto?

Pois… nem sei se foi bem uma escolha ou se simplesmente não surgiu outro título tão óbvio como Exotic Quixotic, o nosso segundo. O primeiro também não teve título…  acho que simplesmente aconteceu, por defeito. O que é verdade é que também conta, principalmente, só com 3 cordofones: a Amarantina, a Campaniça e a Terceira. Mas não foi por desenho, aconteceu assim…

 

Voltando aos instrumentos que diferenciam este projeto, os cordofones tradicionais portugueses. De que forma é feito o trabalho de arranjos para esses diferentes instrumentos?

Bem, aí é mesmo uma articulação entre o Micke, que compõe os temas na Amarantina, e toca principalmente ritmo, e depois o ToZé na Campaniça que tanto toca ritmos, melodias, e também efeitos, tratamentos ao som natural do instrumento, complementando tudo com a Terceira do Abel que também toca solos e por vezes reforça os ritmos. Não é fácil tocar ritmo na Terceira de 15 cordas! Mas na verdade os arranjos têm algo de mágico para mim, uma vez que já tocamos em formatos de 2, 3, 4 ou 5 cordofones em palco, e de facto ouvi-los todos a tocar juntos é incrível. A resposta mais verdadeira à tua pergunta? Na verdade, nem sei. É alma, é magia. São tocadores incríveis todos eles e eu sou um frontman de sorte!

 

E é fácil conjugar as suas afinações, timbres, sonoridades, etc, de modo que a conjugação de todas soe como soe, isto é, com coesão e cumplicidade?

Pensei que fosse difícil, com tantas cordas em palco a afinar, mas na verdade são músicos incríveis que dominam completamente os seus instrumentos. They make it look easy! 100% de coesão, 200% de cumplicidade e 300% rock’n’roll.

 

Musicalmente, também apresentam alguma diversidade criativa. Nas tuas palavras, como descreverias III?

III é um álbum vivo, orgânico, gravado ao vivo em estúdio, em fita, sem qualquer interferência digital. Misturado depois também para fita - não houve qualquer processo digital do som antes da masterização para a edição digital. LPs em vinil em Stereo e Mono. É um disco daqueles que já não se fazem frequentemente… para ouvir do princípio ao fim, com calma, com vagar…  é música à antiga, estilo anos 60 ou 70, não sei. Não é mero entretenimento. Requer atenção.

 

Sendo a base do projeto cordofones portugueses, já pensaste em utiliza a língua portuguesa nas composições?

Sim, quer dizer, o Hélder Moutinho já me tinha convidado para ir cantar uns Fados à Maria da Mouraria. Mas não é a minha praia, passei metade da minha vida, mais talvez, a pensar e a falar e a cantar em inglês e na verdade não domino o Português ao nível do cantar. Não ia correr bem. E repara, o intuito com os Ghosts é também a internacionalização dos cordofones, dar a conhecer os instrumentos fora de portas… fica um exercício muito mais original assim, em inglês, não achas? Cada um deve cantar na língua que mais sente, na língua em que pensa, na língua em que escreve. E eu nasci na Mouraria…!

 

Sendo certo que neste álbum, por exemplo, também utilizam o adufe, está previsto alguma abertura a outro tipo de instrumentos tradicionais que não apenas os cordofones?

Havia mais Adufe no prévio, o Exotic Quixotic, mas sim, sempre que houver abertura e faça sentido, podemos continuar a experimentar. Por outro lado, não procuramos experimentar mais nada só por experimentar. Se houver uma determinada ocasião que faça sentido, como fez agora O Gajo com o Ricardo Vignini, juntando a Campaniça à Viola Caipira no seu novo disco Terra Livre, assim faz sentido. De forma natural, orgânica. Mas não temos, para já, nenhum plano desse tipo.

 

No vosso site pode ser visto um documentário sobre os Lusitanian Ghosts. O que pretendem mostrar fundamentalmente?

Existe um making of sobre a experiência do primeiro disco, onde pretendemos mostrar o processo de criação do primeiro álbum. O making of está no nosso site. Mas existe também um documentário mais longo, um feature doc de cerca de uma hora, que de momento não está disponível. A ver se o licenciamos ao Filmin ou assim… esse aprofunda a história dos cordofones, com várias entrevistas aos Ghosts, outros tocadores, o etnomusicólogo Dr. Domingos Morais… foi um documentário realizado pelo jovem André Miranda.

 

E como é que surgiu essa oportunidade de expor instrumentos folk portugueses no Museu Sibelius, na Finlândia? Ainda estão em exposição? É a primeira vez que tal acontece, não é?

Foi a primeira vez, sim - uma exposição de concertos e ciclo de concertos planeado por mim e pelo jornalista Matti Komulainen, foi a convite dele e com o apoio da DGartes que conseguimos levar a cabo essa grande missão. Foi uma exposição temporária de cerca de um mês no Museu Sibelius, com um ciclo de concertos com Lusitanian Ghosts, O Gajo, RAIA, A Cantadeira, Bicho Carpinteiro e Marco Vieira. Uma experiência incrível, verdadeiramente única. O Marco até deu uma aula de Campaniça aos Finlandeses, uns 15 deles a tocar… no final oferecemos uma Campaniça ao Rami Helin, grande artista do rock’n’roll finlandês… e acabei a viagem a cantar backing vocals no disco do Michael Monroe, ex-Hanoi Rocks. Não podia ter corrido melhor!

 

Têm tido a oportunidade de apresentar este projeto pelos palcos de Portugal e do mundo? Como tem sido a reação?

É um pouco estranho dizer isto, mas tanto em Portugal como no estrangeiro por onde já passamos, Suécia, Finlândia, Alemanha, têm sido sempre concertos fantásticos muito apreciados pelos diferentes públicos. Os instrumentos chamam a atenção, as pessoas ficam maravilhadas pela imagem e som dos cordofones. É uma experiência diferente, penso. Já tocamos muitas vezes na Suécia, salas com gente a dançar, teatros com gente sentada, uma vez até numa igreja, aí foi difícil, mas também acabaram por dançar! É uma experiência que tanto encaixa bem e se transmite bem em grandes palcos, festivais etc. como em pequenas salas mais intimistas. Reação sempre positiva.

 

Muito obrigado, Nuno! Queres acrescentar mais alguma coisa?

Mmmm, sim talvez… vem aí um “single de Natal”… ficou fora do álbum porque achamos que tínhamos duas músicas perfeitas para acabar o disco; mas não se podia acabar duas vezes. Então ficou como prenda… (risos)

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