Bruno
A. Continua a sua aventura pela Alemanha e pela construção de paisagens sónicas
de belo efeito. E, paulatinamente, de álbum para álbum, vai afinando a sua
técnica e a sua metodologia, tornando-se, por isso, cada vez mais evidente que
cada álbum do seu projeto Soundscapism Inc. é menos individual e, ao mesmo
tempo, mais arrojado e interessante. Assim havia acontecido com Afterglow
Of Ashes, assim volta a acontecer com Staring Down On Incandescent
Cities. Depois de umas merecidas férias, o multi-instrumentista
português regressou a Berlim e foi, precisamente, a bordo da aeronave que nos
respondeu.
Olá, Bruno, tudo bem?
Mais uma vez, obrigado pela disponibilidade. Ainda andas pela Alemanha?
Boas, Pedro. O prazer é meu e espero que tenhas entrado bem no novo ano.
Para não variar muito, estou a responder-te a bordo dum avião; neste caso, no
regresso a Berlim das férias sazonais de 3 semanas que passei em Lisboa. Ou
seja: sim, ainda ando pela Alemanha. Ainda que Berlim seja um oásis pouco
representativo do que normalmente se entende por Alemanha ou se associa com o
país. O sol nascente entra vermelho torrado pelas janelas da aeronave e lá em
baixo, quando aterrar, estará uma dezena de graus negativos.
O
teu novo álbum já roda por aí. Como têm sido as reações a Staring
Down On Incandescent Cities?
Bastante boas!
Como sempre, é algo difícil chegar aos ouvintes no meio de tanto ruído e
lançamento, mas quem ouviu/comprou - ou viu os videoclipes dos singles
de avanço - no geral gostou e muito. Acho que é um álbum que tem muito de gostável,
imenso por onde agarrar e prender o ouvinte. É bastante variado e original,
dinâmico e impactante. Acho que continua a não ter muitos termos de comparação
(musical) direta. E soa mesmo muito bem, estou muito contente com a produção e
masterização.
Já
agora, podemos começar pelo título. Como é que ele surgiu? Pretende transmitir
alguma mensagem?
Não sei exatamente explicar como estes títulos me aparecem em mente, mas
costumam ser muito imagéticos. Acho que tem a ver com o facto de ler muito e
gostar de palavras. Neste caso, foi um pouco para ilustrar o poder e peso
reencontrados que o álbum destila. Enquanto o Afterglow Of Ashes
espelhava um pouco a resistência e resiliência diante do caos pandémico - e
todas as suas restrições contra-natura que ainda afetam muitos - este mostra
uma visão poderosa, cá de cima, quase triunfante sobre o mundo a implodir aos
nossos pés. Creio que a nossa espécie se encontra numa espiral muito
auto-destrutiva, quando numa altura em que deveríamos investir em conter os
danos económicos e sociais da pandemia e, ainda mais premente que isso, em
tentar salvar o planeta das destruição que se anuncia… preferimos guerrear e
investir na indústria de armamento, reativar o carvão e o nuclear, regredir
completamente. Um absurdo absoluto. Este impulso auto-destrutivo que muitos
homens e muitos políticos têm, parece difícil de conter - e assim lá
caminharemos alegremente para o precipício. E nem é de mãos dadas. Além disso,
temos religiões e culturas cada vez mais fechadas e radicalizadas, menos
tolerantes em relação ao outro e às liberdades individuais, que em nada ajudam
ao desenvolvimento e evolução. Vejo-me por isso metaforicamente a olhar para
baixo, enquanto as cidades ardem. De forma não arrogante mas pragmática,
se quiseres, a ver esta porra toda afundar-se enquanto o abismo sorri e pisca o
olho.
Curiosamente,
toda a gente dizia que Afterglow Of Ashes era o teu melhor
disco. E agora? A coisa fica complicada, não fica?
Sem dúvida! Creio que era o melhor disco até à data; agora já não sei. São
ambos discos marcantes e especiais. Mas o novo, no qual investi boa parte de um
ano, tem uma produção ainda superior, muito fresca e prístina, e conta
finalmente com bateria real (uma estreia em Sinc.). Acho que isso lhe dá um
impacto e frescura adicionais, além de ser ainda mais catchy. Isso
nota-se também no lançamento especial e recente do remake do Desolate
Angels, tema antigo agora regravado que espelha bem a evolução sónica do projeto.
Como
foi o teu trabalho para este disco? Trabalhaste sozinho e só depois chamaste os
restantes músicos ou já foi um trabalho em coletivo?
A maior parte do trabalho foi feito sozinho, sim. Mas ia tendo algum
acompanhamento regular do Manuel Costa (baixista e amigo de longa data),
que se ia deslocando ao estúdio para ver o que eu estava a fazer e contribuiu
com dicas, motivação e com as suas linhas de baixo, claro. Mas o grosso, como é
hábito, foi criado na solidão das 4 paredes do meu estúdio.
Ainda
assim, neste disco tens aquilo que mais se aproxima de uma banda desde que
começaste Soundscapism Inc., não é verdade?
Penso que se poderá dizer isso, até certo ponto. Pelo envolvimento do
Manuel (que foi ainda maior que no álbum anterior), que me deu motivação extra
e, já numa fase mais final, pela bateria do Daniel Cardoso, com quem já
não colaborava desde o terminus de Vertigo Steps e que veio
trazer mais peso e impacto ao som, pegando nas minhas elaboradas programações
de bateria e emprestando-lhes a vida e o talento que lhe é sobejamente
reconhecido. E as contribuições e input do Amado também acabaram também
por ter algum relevo.
Há
uma coisa curiosa neste álbum que te quero perguntar. The
Mourning After Pt. III surge como bonus track e… foi a escolha para o
segundo vídeo/single. Não é uma situação muito vulgar, pois não? Como é
que isso sucedeu?
Entendo o que dizes! A explicação até é bem simples: foi tudo muito
espontâneo. Eu gosto de seguir o meu instinto a nível musical e se por um lado
demorei 1 ano a aperfeiçoar este mamute de álbum, por outro algumas coisas são
primeiras decisões, primeiros takes, respeito pela energia e impulso
inicial. Usei o rótulo bonus track acima de tudo por se tratar de uma
espécie de remake, da 3ª encarnação de um tema que já tinha conhecido 2
versões. Mas nunca foi um tema menos importante por isso, pelo contrário. E
quando chegou a altura de se fazer o 2º vídeo, que surgiu de uma forma muito
orgânica e rápida, quando o meu colaborador habitual Toni Mijač visitou Berlim no Verão passado, tivemos de escolher um tema um pouco mais
despido, onde só podia aparecer eu, pelos condicionalismo de tempo e
disponibilidade (e preferencialmente um dos que eu vocalizo). E a escolha
recaiu, pois, nesse. E penso que bem. Não só gosto muito do tema, como marca
uma narrativa recorrente a vários álbuns de SInc. e o vídeo está muito bem
conseguido e adequado ao som: intimista, moody e emotivo.
Já
agora, o outro vídeo foi Tell Me A Story. Porque a escolha destas
duas canções em particular?
Tell Me A Story é o tema de abertura do álbum e
uma das escolhas óbvias para single de avanço. Foi também dos primeiros
a estarem prontos e o que usei para enviar em primeiro lugar ao Daniel e ao
Amado. Tem uma construção algo serpenteante e progressiva, mas é muito catchy,
dinâmico e variado, com diferentes melodias/escalas, estados de espírito e
tempos, espelhando algumas das facetas que se depois se vão encontrar ao longo
do álbum.
E
tens outra canção com o curioso título de Azul
Deveras. Como é que surgiu? Tem algum significado?
Esse advém da
minha faceta pessoana. Como lisboeta que sou - e que já vive fora há mais de
uma década - a poesia e prosa de Pessoa são âncoras na minha vida, ligação à
cidade que me viu nascer e crescer. E, claro, à pátria que é a língua
portuguesa. Ainda recentemente, li uma biografia de mil páginas de Pessoa, que
recomendo vivamente. O título do tema remete pois para o autor e também um
artigo que sobre ele li. Fascinou-me a ideia de um azul do céu ser tão…
simplesmente deveras. Sem mais palavras necessárias. E é um tema
consequentemente sonhador, dinâmico, com muito céu e magia nele. E que vai do
maravilhar da primeira parte até ao concretizar, confiante, da 2ª metade, em
orgia de delays dotted 8th, com seção rítmica brutal a suportar: somente
das minhas seções favoritas de todo o álbum!
Deste
álbum também foi feita uma edição especial em vinil que tinha data de
lançamento para dezembro. Foi ideia tua ou da editora? E com que objetivo?
A ideia foi minha, aliás já o quis fazer com o Afterglow Of Ashes. O
problema são os orçamentos elevadíssimos que tal edição requer. Mas estou
contente que o Gonçalo e a ESW tenham feito esse esforço. E as cópias saíram
belíssimas. Tive apenas de retirar dois temas do Lado B, para tornar a edição
viável, devido às limitações físicas do formato em questão.
E
chegou a concretizar-se? Quem estiver interessado, o que deve fazer?
Sim, sim, saiu em novembro. Quem quiser encomendar uma das limitadíssimas
cópias, pode simplesmente enviar um email diretamente com o pedido (soundscapisminc@gmail.com).
Sei
que palco nunca foi uma prioridade com este projeto. Mas já tiveste essa
oportunidade de apresentar o teu trabalho ao vivo?
Até à data, não foi possível, sobretudo logisticamente. Mas oportunidade já
tive, até concertos agendados.
E,
especificamente, para este álbum há alguma coisa que já tenha sido feita ou
esteja programada?
De momento, não.
Não
sei se já alguma vez te perguntei isso (talvez já tenha acontecido), mas lá
vai: já te passou pela cabeça reativares os Vertigo Steps ou qualquer outra das
tuas bandas do passado?
Bem, isso seria um pouco como largares a tua namorada de longa data, com a
qual tens uma belíssima relação, para de repente reativares uma relação passada!
Não faria grande sentido. Orgulho-me do que fiz nesses projetos, mas tiveram o
seu tempo e razão. Já estou com SInc. desde 2016 e é nisso que invisto a minha
energia e criatividade musicais. Além disso, com esta abordagem atual cada vez
mais rock (e a participação do Daniel), não tenho dúvidas que 95% dos
fãs de Vertigo Steps se deliciem com o novo álbum de SInc. O nível de
detalhe e requinte que coloquei na produção do novo álbum, assim como a
versatilidade e maturidade ao nível da composição e arranjos, foi algo que
jamais tive em Vertigo Steps (até por em SInc. ser eu o produtor e ter
todo o tempo para experiências e detalhes) e é uma evolução que me apraz.
Obrigado,
Bruno! Queres acrescentar mais alguma coisa ou deixar alguma mensagem?
Muito obrigado mais vez por todo apoio e divulgacão que
tens dado à minha música, Pedro. E um bom 2024 para a Via!
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