Entrevista: Melodraw

 


Juntar os anos 70 aos 90 não era um objetivo. Mas é essa a principal imagem de Erratic Wave, segundo disco dos mafrenses Melodraw, a tal banda que já foi chamada de rock bipolar. Na realidade é apenas rock. Musculado, com toques de subtileza e… muito bom. Tão bom que quisemos conhecer melhor este coletivo empreendedor. Filipe Batalha (vocais, guitarras e percussões), Miguel Simões (guitarras, percussões e vocais) e Artur Sousa (hammond, piano e sintetizadores) foram os três membros que responderam à nossa chamada.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Erratic Wave é o vosso novo trabalho. De que forma se aproxima ou se afasta do trabalho anterior, Whiskey & Bananas?

MELODRAW (MD): Olá, Pedro! Tudo bem, obrigado.

FILIPE BATALHA (FB): Erratic Wave foi o primeiro álbum gravado no nosso estúdio, Understage Studio, enquanto o Whiskey & Bananas foi gravado nos estúdios Namouche, em Lisboa. Quando tens um estúdio ao teu dispor tens tempo para experimentar mais sonoridades e a forma como afetam cada tema, portanto facilita todo o processo de criação e gravação. Isto resulta bastante bem para nós, sendo que a produção foi feita pela banda, liderada pelo nosso guitarrista Miguel Simões. O W&B foi uma ótima experiência, mas em condições diferentes: fizemos a pré-produção antes de entrar em estúdio e em 4 dias gravámos o álbum. Não podes experimentar muito quando estás a pagar à hora! Temos orgulho nos dois álbuns, mas neste último tivemos melhores condições e, com 7 anos de diferença entre eles, também temos mais cultura e maturidade musical, que é sempre uma boa bagagem.

 

O que esteve na origem de um intervalo de tempo tão longo entre os dois lançamentos?

FB: Foram vários os fatores desse intervalo: a pandemia foi um deles, porque efetivamente não nos juntámos todos, mas foi onde começou a pré-produção do álbum. Entretanto construímos o estúdio e acabámos a pré-produção. A isto acresceu trocas de membros da banda, que é sempre complicado no seio da criação. Prometemos que, se tudo correr bem, não vamos demorar tanto a gravar o próximo!

 

Inicialmente foram chamados de uma banda de rock bipolar. Porquê? Sentem que essa definição ainda vos assenta?

FB: Rock bipolar surge do ecletismo da banda e achámos piada na altura a essa referência. Este álbum continua eclético, mais ainda que o anterior, na minha opinião, mas não me quero colar a esse rótulo. Somos uma banda de Rock, há muito para navegar dentro dele.

 

A vossa sonoridade é bastante diversa, notando-se diversos pontos de influência. Nesse sentido, de que forma essas mesmas influências se fundem no vosso processo de composição?

FB: Penso que a composição deve ser a mais orgânica possível. Partes dum riff ou duma ideia, e tentas desenvolver a música por instinto, não por fórmulas ou pensamentos demasiado analíticos. Claro que quantas mais influências tiveres, maior é a tua paleta de escolhas dentro desses instintos. Posso fazer a analogia com a cozinha: gostamos de cozinhar sem receita, tempero a olho e com bons ingredientes.

 

Nesse particular, há alguns aspetos que gostaria de abordar convosco. A começar por essa mistura estranha de grunge e 70s psyche rock. Como é que isso surge?

FB: É engraçado referires essa mistura porque vai ao encontro do que foi falado entre nós durante e depois das gravações: este álbum parece que funde as décadas de 70 e 90. Surgiu naturalmente porque de facto são duas décadas que tiveram muita influência na banda.

 

Depois, e em sequência do aspeto anterior, pelo uso do Hammond e dos seus sons analógicos e espaciais. Foi a primeira vez que o usaram? Como olham para o resultado obtido?

MIGUEL SIMÕES (MS): O uso desses elementos já fazia parte da ideia da sonoridade da banda. Com a entrada do Artur entrou também o uso do hammond nas performances ao vivo e as músicas gravadas antes da entrada do Artur (EP – Whip e Single Pardon Me) começaram a ter esta roupagem nos nossos concertos. Seria ideia o Whiskey & Bananas já ter esta sonoridade com o hammond e sintetizadores, mas penso que na altura a inserção do mesmo não teve tanto sucesso como agora, tendo esses elementos ficado mais enterrados na mistura geral. Para este disco houve uma maior preocupação nos arranjos de forma a dar espaço ao hammond e moog de forma a conviver na mistura com as guitarras.

ARTUR SOUSA (AS): Também não queria deixar de referir que, para o Erratic Wave, tivemos a sorte de ter um Hammond dos anos 70 no estúdio, o que também contribuiu grandemente para o som mais analógico e 70’s do álbum. As recriações digitais atuais são boas, mas ainda não estão ao nível do instrumento “a sério”.

 

Depois, a inclusão do trompete. De que forma é que o Maestro João Massano surge neste contexto e qual foi a vossa intenção quando o convidaram?

MS: A ideia do trompete surgiu do Filipe. Na realidade quando ele mostrou pela primeira vez a música Messy Attic, ele falou logo que gostava de ter um trompete naquela parte instrumental da música. Tinha na realidade a ver com o contexto em que escreveu a canção e sempre foi algo que ele mostrou vontade. A colaboração com o Maestro João Massano foi muito orgânica, na verdade. É uma pessoa que eu conheço já há alguns anos e com a qual já colaborei noutro projeto de estúdio e, ainda para mais, ele vive na Achada, mesmo ao lado do nosso estúdio. Fizemos o convite e passados poucos dias estávamos a gravar o trompete.

 

Finalmente, o frequente recurso à guitarra acústica. Serve como contraponto para alguns riffs bem musculados de alguns temas?

MS: O uso da acústica é algo que gosto de colocar de vez em quando mesmo a nível de arranjos. Músicas como a Into The Sky e Air Born, em que, apesar de a elétrica ser predominante, têm sempre uma acústica a dobrá-la. É algo que gosto a nível de sonoridade para um disco. Ao vivo, no caso destas canções, não usamos a acústica e assumimos a elétrica tocando as músicas um pouco mais rock que na versão de álbum. Acho que é uma questão estética e, sim, no álbum acho que acaba por servir como contraponto aos riffs mais musculados e para o álbum ter momentos diferentes sem destoar na sonoridade geral.

 

Em termos de singles, o primeiro foi Into The Sky, ainda em 2022. Nessa altura já havia a previsão para este álbum ou ainda não?

MS: Este álbum teve um processo atípico no geral. Em 2019 já tínhamos um conjunto de canções que sabíamos que deveriam entrar no álbum e chegámos mesmo a começar o processo de gravação de algumas, nomeadamente Into The Sky e Air Born. Na altura, ainda sem termos estúdio próprio, montámos no espaço onde ensaiávamos antes, na garagem do Filipe (onde gravámos o EP Whip e o single Pardon Me), os microfones, o PC, a placa de som, e fizemos uma série de gravações de baterias. Entretanto, veio a pandemia, passámos muito tempo em casa, novas canções surgiram e criámos o Understage Studio. Com as dificuldades em nos juntarmos durante este período, inicialmente, decidimos acabar pelo menos a Into The Sky e Air Born e talvez lançar um EP ou singles, de modo a colocar música cá para fora. Entretanto, já com toda a situação mais estável, acabámos de compor outras canções e tomámos a decisão de gravar um álbum. Nesta altura já tínhamos lançado a Into The Sky.

 

Depois disso já lançaram outros singles. Querem falar-nos deles e justificar a sua escolha?

MS: Os singles lançados depois da Into The Sky já fizeram parte de um plano traçado para o lançamento do disco. A Air Born, no entanto, foi lançada ainda antes de termos o disco finalizado e a decisão do seu lançamento foi para não existir um intervalo muito grande entre lançamentos. O lançamento da Messy Attic já foi decidido com o disco pronto e na altura, depois de várias conversas e ajuda externa, ficou assim escolhida.

 

Em termos de presenças em palco tiveram a apresentação em Mafra. Como correu? E o que ainda têm planeado para este novo ano?

MS: A apresentação em Mafra correu melhor que o esperado. Tivemos uma ótima casa com familiares, amigos e curiosos e a receção ao disco e ao espetáculo foi muito positiva. Quanto a planos para este ano: tocar muito. Estamos já a trabalhar numa série de concertos e a falar com alguns sítios de forma a organizar “pequenas tours” pelo país. Estamos abertos a idas a pequenos, médios e grandes festivais que queiram ter uma banda de Rock a divertir-se em palco e a criar bons momentos com o público. Somos uma banda fora das grandes cidades, o que dificulta este processo, mas queremos acreditar que isso não será uma limitação e que, se as pessoas gostarem da música, oportunidades surgirão. Continuamos também a criar música sempre que podemos e lançar discos é também um objetivo, seja neste ano, seja no próximo.

 

Obrigado, pessoal! Deixo-vos a oportunidade de acrescentar mais alguma coisa que achem pertinente…

MD: Muito obrigado nós pela oportunidade de divulgar o nosso trabalho!

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