António Gedeão, ou Rómulo de Carvalho, é um dos
maiores escritores e cientistas nacionais. No campo da escrita, alguns dos seus
poemas tornaram-se imortais quando musicados. António Norton é neto do escritor
e do homem da ciência e herdou o dom da escrita. Por isso, este álbum Reencontro marca precisamente
o reencontro de dois escritores. Agora com os seus textos musicados de forma
magnífica. Fomos falar com António Norton sobre este seu projeto.
Olá, António, tudo bem?
Antes de mais, obrigado pela tua disponibilidade para nos falares deste teu
novo projeto. Quando achaste que seria uma boa ideia pegar nos poemas do teu
avô?
Tudo bem! Obrigado eu pelo vosso interesse em querer
saber mais sobre este álbum, que é tão especial para mim! Ora bem, respondendo
à tua pergunta, estive a fazer algumas pesquisas e diria que houve dois anos
determinantes para esta ideia de pegar nos poemas do meu avô: 2014 - ano em que
apresento a minha primeira versão da canção A Fala do Homem Nascido no
programa Os Dias Cantados da Antena 1 da autoria do João
Callixto. Tive a honra de ter sido convidado pelo João Callixto para
participar num programa, onde a ideia era pegar em canções dos tempos da
revolução de Abril e dar-lhes outra roupagem. Juntamente, com vários outros
músicos da atualidade, aceitei este desafio. Fui para casa e encontrei a famosa
versão da canção cantada pelo Adriano Correia de Oliveira. Já conhecia a
versão e sempre gostei dela. Depois peguei neste tema e fiz o meu arranjo,
inicialmente ao piano, com outro balanço rítmico, respeitando a harmonia do
tema, composto pelo José Niza. Depois juntei o saxofone do Tiago
Cordeiro, o baixo do Jackson Azarias, o cajon do Pedro Guerne
e a guitarra ritmo do Tiago Cordeiro e fui para o estúdio gravar esta
versão, comigo ao piano e na voz. Curiosamente, este episódio ainda está
disponível no RTP play. Depois desta apresentação, começou a nascer esta
vontade de musicar outros poemas do meu avô. Novembro de 2016 - sou convidado a
participar num encontro na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,
onde apresento pelo menos 4 canções ao piano de poemas do meu avô Forma de
Inocência, Dez Réis de Esperança, Escopro de Vidro, Amostra
sem Valor. Ainda faço uma versão da Pedra Filosofal. Estas versões
seriam posteriormente apresentadas ao Tiago Cordeiro e levariam os
maravilhosos arranjos que aparecem no álbum Reencontro. Portanto eu
diria que esta ideia terá ganho raízes entre 2014 e 2016, sendo que no final do
ano de 2016 já tinha os 5 poemas do meu avô musicados.
E, a partir daí, quais
foram as diretrizes que traçaste para ti próprio, primeiramente, em termos da
seleção dos textos a musicar, a partir de um repertório tão vasto e tão rico?
Ora bem, a Fala do Homem Nascido foi o primeiro
poema musicado em 2014 para o programa Dias Cantados. Depois os restantes 4
poemas: o poema Dez Réis de Esperança foi escolhido intencionalmente,
porque sempre teve um forte impacto emocional em mim. É um poema forte, cheio
de intensidade e claramente com um climax final, tal como a música que compus o
ilustra. O poema Amostra sem Valor novamente obedeceu a uma escolha
intencional, dado a forma como ressoou em mim sempre que o li. Toda a canção é
envolta em tensão e apenas a última estrofe traz descanso, paz e alguma
redenção, tal como sinto o poema. Os restantes dois poemas Escopro de Vidro
e Forma de Inocência obedeceram a um curioso processo aleatório em que
abri o livro Obra Completa de António Gedeão ao acaso e li os poemas e,
simples e naturalmente comecei a musicá-los. Este curioso método aprendi
através do escultor Francisco Simões, que partilhou com a minha mãe e padrasto
que, antes de esculpir alguém conhecido, procura mergulhar na sua obra. Para
tal abre o livro ao acaso e lê a poesia, prosa, vê os quadros, ou outras
manifestações artísticas. Eu achei graça a este método e resolvi fazer o mesmo.
Portanto a escolha não obedeceu a nenhum critério muito pensado e definido. Foi
sim uma mistura de intencionalidade e “aleatoriedade”, diria eu.
Mas, para além das
letras do teu avô, também tens criações tuas. De que forma olhas para este
Reencontro que, no fundo, acaba por ser o título do álbum e também por lhe dar
todo o sentido?
Olho para este Reencontro como algo me enche de
um imenso orgulho, de uma saudável vaidade, diria eu. Fico sinceramente feliz
por esta obra, pelos músicos que nela participam, pelos maravilhosos arranjos
que tem, pela minha interpretação vocal, pelas canções como um todo, pela escolha
dos poemas. Sinto que é um momento feliz do meu percurso musical. Este é o Reencontro
que eu queria ter com o meu avô. Gostava mesmo que ele pudesse ouvir este
disco. Adorava conhecer a sua opinião cheia de sinceridade. Também me parece
que os meus poemas musicados encontram um certo diálogo com os poemas do meu
avô. Essa misteriosa sinergia é interessante.
Depois, em termos de
arranjos, quais foram as tuas principais preocupações? Isto é,como é que se
consegue esse equilíbrio entre musicar as canções, respeitando as matrizes de
tempo e ritmos musicais?
As minhas preocupações foram e são sempre servir a
música. Ouvir o que a música pede. Quando componho algo, todas as notas sejam
as da melodia da minha voz ou do canto do piano vêm sempre imbuídas de emoção.
Depois, para os arranjos é importante “ouvir essa emoção” e procurar os
instrumentos que servem melhor a mensagem da canção. Essa procura e esse
encontro foram brilhantemente conseguidos pelo principal arranjador e produtor
musical do álbum, o Tiago Cordeiro. Eu compus as canções ao piano - rncontrei
as harmonias de base, as linhas melódicas da melodia, a cadência rítmica dos
temas. E o Tiago leu a emoção da canção e vestiu-a com requinte, delicadeza e
nobreza. A ideia da base do álbum ser um quinteto de cordas foi da autoria do Tiago
Cordeiro e eu fiquei logo rendido. Fez-me todo o sentido do mundo. Ambos
fomos assistir a um concerto memorável no CCB da Silvia Perez Cruz, em
que ela se apresentou em palco, justamente com um quinteto de cordas e, a
partir daí, nasceu a ideia de fazer algo próximo neste álbum. Quisemos sempre
respeitar o texto poético e dar-lhe um ambiente íntimo, emotivo e intenso, tal
como a nobreza desta poesia o pedia secretamente. Quanto às matrizes de tempo e
ritmos musicais, eu ouço o poema e começo a sentir um balanço rítmico no meu
corpo. Geralmente essa cadência, esse fluir está relacionado com a mensagem do
poema e com o seu carácter emocional. Se é íntimo, lírico, irónico, gozão,
denso, turbulento, apaixonado e por aí adiante. Tanto assim é com o tempo, como
com o ritmo, propriamente dito.
Esse foi um trabalho em
solitário teu ou contaste com ajudas de outros criativos?
Inicialmente, foi um trabalho solitário. A composição
das 10 canções foi um trabalho totalmente solitário. Depois procurei apresentar
as canções a alguns músicos e cheguei a fazer algumas experiências com o
contrabaixista Pedro Barbosa. Também cheguei a pensar numa guitarra de
fado. Mas finalmente segui com o Tiago Cordeiro que tomou o leme das
canções. A partir do momento em que o Tiago pegou nestas canções todo o
trabalho foi feito em conjunto, comigo a ouvir as propostas do Tiago e a dar as
minhas opiniões, na escolha dos instrumentos, nas frases musicais escolhidas
e.t.c.
Instrumentalmente,
Reencontro é um álbum extremamente rico até pela diversidade de instrumentação
usada. Sentes que este foi o teu trabalho mais complexo e ambicioso até agora?
Eu tenho esta mania de, nas minhas canções, fazer uso
e abuso de vários instrumentos. Se olhar para o meu álbum de estreia em 2013 Happiness,
Love And Despair tenho saxofone, flauta transversal, piano, violoncelo, voz,
contrabaixo, bateria e teclados. Em termos de sonoridade, já era algo
ambicioso. Sempre tive esta tendência de procurar instrumentos que sirvam a
música. E assim também foi com o Reencontro. Agora o Reencontro,
de facto, ainda apresenta maior riqueza instrumental. É uma verdade! Para
servir a música, sempre! Diria então que sim, foi o mais complexo e ambicioso.
E, simultaneamente,
olhando para trás, sentes que foi uma missão cumprida? Que a poesia do teu avô
(e a tua!) foi respeitada e projetada?
Sim, absolutamente! Daí o meu orgulho e convicção
intíma.
Para além dos nomes já
citados queres referir quem mais te acompanhou em todo este processo?
Com certeza! Tiago Cordeiro - arranjador e produtor
musical - saxofone, guitarra e sintetizador, quarteto de cordas Naked Lunch:
Francisco Ramos - 1º violino, Fernando Sá - 2º violino, João
Paulo Gaspar - viola de arco, Tiago Rosa – violoncelo, Samuel
Pedro – contrabaixo, Miguel Menezes – contrabaixo, João Diogo
Roque - guitarra rléctrica e acústica, David Silva - oboé e corne inglês,
Inês Vaz – acordeão, Amândio Filipe - percussão e bateria, Adélio
Carneiro – tuba, Rodrigo Lage – trombone, Jorge Barroso – trompete,
Vasco Teodoro – captação, Nuno Fernandes – mistura, Gwyn
Mathias – masterização, Paula Cabeçadas e Cristina Pereira - assessoria
e promoção, Sarah Bennert – design, Eduardo Jordão - editor
e manager
Há projetos para levar
este conceito para a estrada? O que nos podes adiantar desde já?
Este álbum tem a riqueza de se poder apresentar em
vários formatos: solo, dueto, trio, quarteto, sexteto, septeto e com a formação
completa, consoante a disponibilidade da sala e a viabilidade económica. Dado o
seu caráter versátil estou convicto que será possível levar estas canções a
muitos lados e esse é o meu maior desejo. Ter pessoas interessadas e atentas a
esta música e ter a possibilidade de partilhar algo tão íntimo com elas. Ainda
não tenho qualquer concerto agendado, mas acredito que seja uma questão de
conjugar datas, disponibilidades e agendas e tudo vai acontecer.
Obrigado, António!
Queres acrescentar mais alguma coisa para os nossos leitores?
Quero essencialmente agradecer e convidar todos a
ouvirem este álbum com a atenção e o tempo que ele merece. E gostaria muito de
ver a todos nos próximos concertos. Um forte abraço e obrigado.
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