A celebrar 20 anos de história, os
Forgotten Winter, formação constituída por Trobador (Omitir) e Eremita (Efémero)
renasce das cinzas para uma intrigante narrativa chamada Lucífugo. 9 anos
após o aplaudido Vinda, lançado em 2015, o duo apresenta um registo mais
agressivo que o habitual, mas, ainda assim, sem nunca esquecer as suas raízes
épicas e atmosféricas. Estivemos à conversa com o duo para perceber a evolução
do projeto ao longo deste tempo e para sabermos mais sobre todo o conceito em
torno de Lucífugo.
Olá, pessoal, obrigado pela disponibilidade. Antes de mais, parabéns pelos 20
anos de história! Como se sentem ao alcançar este marco importante na carreira
da banda?
FORGOTTEN WINTER: Olá, Pedro. Obrigado, nós.
EREMITA: Surpreendido,
quando formamos Forgotten Winter não pensávamos que fosse um projeto tão
duradouro.
TROBADOR: Também
acredito que por não sermos uma banda ‘tradicional’ de estrada e de vivermos um
em cada ponta do país sejam uns dos motivos de termos atingido este percurso.
Por vezes não é a regra, claro... Há muitas bandas que fazem muita estrada e
continuam juntas décadas, mas o nosso foco está essencialmente na criação.
O vosso novo álbum, Lucífugo,
está prestes a ser lançado. Podem falar-nos um pouco sobre o conceito por trás
deste trabalho?
EREMITA: Musicalmente Lucífugo é uma
progressão do Vinda, mantemos a atmosfera e melodia do mesmo, mas com um
pouco mais de agressividade e mais direto.
TROBADOR: Embora tenha sido uma progressão do Vinda,
achamos que este álbum nos estava a conduzir para a nossa identidade como banda
que construímos ao longo destes anos todos e isso foi transmitido nessa
agressividade, agressividade de outros tempos que se sobressaiu neste álbum com
ritmos mais acelerados e de ataque. Na verdade, isto é uma característica da
banda PRÉ Vinda.
EREMITA: A nível lírico, continua a narrativa que
começou no Vinda, desta feita apresentamos o povo Ertzakwy, um
povo que vive no subterrâneo, no estilo Hollow Earth, os seus costumes e
crenças. Apresentamos então Ikrwtxe, uma pequena vila nesse mundo onde
devido às condições de vida, os habitantes são extremamente devotos a dois
deuses, o deus da alma, conhecimento e sonhos, e a deusa da morte. Esse devotismo
iniciou um ritual no qual a cada nascimento é marcada a data da morte da pessoa
nascida, ou seja, a data em que a pessoa terá de tirar a própria vida, tudo
isto para evitar que o conhecimento adquirido em vida se perca, pois há uma
deusa, Adamaele, da luz e fogo, que queima as almas dos devotos a ela a
fim de imbuir vida no planeta. Ao entregar a alma à deusa da morte, através do
suicídio, evitam então a perda do conhecimento. Na
segunda parte do álbum visitamos Ascralt a torre dos Velmaer, uns
indivíduos misteriosos que já havíamos dado a conhecer na faixa Vinda,
são referidos como os mais sábios do planeta. No local onde ocorreu a batalha
de Uldene (primeira faixa do álbum anterior) erguem essa gigantesca
torre feita com os cadáveres dessa batalha.
Pelo menos a atender
pelos títulos das canções, parece haver uma mudança temática de algo orientado
para o cosmos e o existencialismo para algo mais orientado para a natureza.
Acontece isso, de facto? Foi premeditado?
EREMITA: Sim, depois do álbum Origem da Inexistência, quando decidimos
compor algo mais épico e melódico, deixou de fazer sentido a temática
cosmológica visto não encaixar na música, assim sendo criamos uma história de
fantasia que servisse de metáfora para a metafísica que exploramos desde os
primeiros tempos. A título ilustrativo, o povo de que falamos neste álbum
venera apenas dois dos deuses do mundo que habitam, Satxwm, deus do
conhecimento, alma e sonhos e a sua consorte Harwlya, deusa da morte.
Aqui roçamos de novo a metafísica de Platão, o corpo como um veneno da
alma, a morte como veículo para o mundo inteligível.
Ainda neste aspeto, que
língua utilizam em Nenúfar
e parcialmente em Baile dos Cadáveres?
EREMITA: Na verdade são duas línguas distintas, na Baile dos Cadáveres é Velmaer, a
linguagem que também usamos no álbum anterior e na Nenúfar é Ertzakwy, a língua falada pelo povo de mesmo nome. Criar
linguagens diferentes permite maior imersão no mundo que criamos e serve para
ter sons que de outra forma não seriam possíveis em português. No caso da nova
língua, a influência a nível sonoro, que creio ser percetível, é Euskara.
TROBADOR: Sim, acaba por
ter uma forte influência da língua basca por ser uma língua bastante carregada
e expressionista, dá uma sonoridade mais contrastada que outros idiomas,
que por acaso, quando a ouvimos pelos nativos, leva-nos a experienciar de certa
forma algo místico e tribal.
Já agora a que se
referem com termos como Lugkhur e Eblon?
EREMITA: Eblon é o nome do planeta onde a narrativa se desenrola. Lugkhur
é o nome do deus da noite, silêncio e medo, isto para os habitantes da
superfície. Para os do subterrâneo é Lwkga, uma manifestação ou aspecto
de Harwlya (Arhule para os habitantes da superfície), deusa da
morte.
Aliás, nessa música têm
a Andreia Figueiredo a colaborar com o duo. Qual foi o vosso objetivo?
EREMITA: A Nenúfar por ter uma progressão mais lenta, atmosférica e doom
estava um pouco enfadonha, para trazer alguma variação optamos por pedir à
Andreia, com quem já tínhamos trabalhado no Vinda para gravar um excerto,
alteramos a letra que descrevia a personagem principal deste álbum da terceira
para a primeira pessoa e entregamos o texto à Andreia.
TROBADOR: A Andreia tem uma voz que se encaixa
perfeitamente na personagem. Para além de ser alguém que me é muito próximo e
que acaba por tornar a comunicação muito mais fluída, ela tem uma capacidade de
dicção muito boa pela experiência que teve no passado como atriz e por fazer
parte de alguns projetos musicais comigo.
Do lado musical, nota-se que Lucífugo tem uma abordagem mais agressiva comparada com o
vosso trabalho anterior. O que motivou esta mudança?
EREMITA: A verdade é
que tentamos afastarmo-nos do rótulo Summoning worship (não que haja algo de
errado com isso, é somente o facto de aquando do lançamento do Vinda
havia muito menos bandas neste estilo), como tal fomos beber influência aos
nossos primeiros dois álbuns para misturar com a parte épica/atmosférica.
TROBADOR: E seria muito
redutor mergulhar-nos sempre nesse tipo de sonoridade e repetirmo-nos só porque
correu bem o anterior. O processo criativo tem de ser livre sem nos colar tanto
a banda X ou Y. No Vinda sentimo-nos realmente colados a Summoning
(que adoramos) e decidimos percorrer outros caminhos sem afastar essa
influência. Este álbum vai mais ao encontro da nossa identidade como banda que
é de fazer uma misturada de influências.
Em Baile dos Cadáveres ouvem-se
sopros (metais a abrir e flautas no meio). Têm outos convidados a tocar esses
instrumentos ou têm outras origens?
EREMITA: São gravados por teclado e sintetizadores. Metais e sopros são algo
que está enraizado em Forgotten Winter desde o álbum anterior. Procuramos os melhores sons para as nossas necessidades e gravamos.
TROBADOR: Usamos a
tecnologia a nosso favor nas partes orquestrais. Por vezes até conseguimos
encontrar sons mais adequados às nossas ideias do que usar alguém a tocar o
instrumento real, dá aquele sentimento que adoramos meio medieval ou
sintetizadores num género Dungeons Synth, nós gostamos muito desse
conceito. Tudo o resto na banda, é tocado com instrumentos tradicionais.
Como foi o processo de gravação deste álbum, especialmente
considerando que passaram nove anos desde o vosso último lançamento?
EREMITA: Foi rápido e natural, gravamos em cerca de um mês, o que tendo em conta
a vida pessoal foi em si um feito.
TROBADOR: As gravações
realmente foram rápidas, a bateria gravamos numa semana, sendo que foi o
primeiro instrumento. Depois tudo o resto foi em poucos dias. Claro que durante
o processo de edição e de mistura, íamos corrigindo/alterando por novas ideias
que fossem surgindo e acabamos por indo mexendo ali e acolá, embora a base da
composição em papel se mantivesse intacta. O que se tornou mais complexo no
processo foi a mistura, isso levou-nos uns meses a trabalhar. Tendo em conta
que queríamos encontrar um som mais orgânico e dinâmico, tornou-se desafiante
por causa da complexidade orquestral e das vozes em coro misturados com um som
ali a roçar os setentistas ou 80’s. Pelo menos essa era a ideia. Mas gostamos
muito como ficou no final.
Já que falamos deste hiato, quais foram as razões para que tal tivesse
acontecido?
EREMITA: Musicalmente estivemos ocupados com outros projetos. Pessoalmente
também houve várias mudanças nas nossas vidas, tudo isso contribuiu para esse
hiato.
TROBADOR: Faz parte.
Claro que nós adoraríamos gravar mais álbuns, fazer mais coisas na banda...e
esperemos que isso venha com mais frequência. Mas depois depende muito da vida
como o Eremita fala. E depois, também todo o processo está nas nossas
mãos porque a editora também é nossa. Embora haja muita liberdade nisso, em ter
o controlo sobre tudo, o trabalho acaba também por ser o triplo. É uma questão
gestão de tempo de vida e capacidade económica também.
Mas, durante este período o projeto esteve ativo ou não?
EREMITA: Sim, ativo no sentido que sabíamos que iríamos voltar a gravar algo.
Por exemplo a primeira parte da Ascralt já está composta há três ou
quatro anos.
Quais foram as principais influências musicais durante a criação
de Lucífugo?
EREMITA: Há aquele cliché do "tudo o que ouvimos nos influencia",
fora isso, desde algumas bandas à Summoning a Tulus passando por doom à Angellore, Draconian e afins.
TROBADOR: Da minha parte
influenciei-me por mais bandas tradicionalistas no metal, desde Bathory, Celtic Frost e até
mesmo Iron Maiden. Depois senti pequenos toques de Dissection, Windir
e da parte sinfónica dos primórdios de Dimmu Borgir.
Para o artwork foram
recuperar uma pintura de Salvator Rosa. Sentem que o seu estilo combina na
perfeição com a temática do álbum?
EREMITA: Sim, foi um achado. Não exprime só o contraste entre a superfície –
subterrâneo que mencionamos no álbum como também da parte filosófica, mundo
sensível – mundo inteligível.
TROBADOR: Estas
descobertas são fantásticas, porque há muitos pintores com quem nos
identificamos...e realmente Salvator Rosa foi impactante para este
álbum. Aliás, todas as pinturas que vão no artwork das edições físicas e dos singles são dele. Há
uma ligação entre elas muito fortes na temática do álbum.
Têm planos para uma tour
ou concertos ao vivo após o lançamento do álbum?
EREMITA: Não, isso está fora de questão. Teríamos de, ou levar
tudo gravado ou contratar membros visto sermos um duo, além de que vivemos em
zonas distintas do país.
TROBADOR: Não nos faz
sentido os concertos para esta banda. A banda surgiu na verdade como um projeto
de composição, criação e expressar unicamente em discos. Nunca tocamos nestes
20 anos e nunca pensamos em fazê-lo. E será um bocado contranatura da banda,
como disse o Eremita, em convidar pessoas e ir para palcos que é coisa
que nos é completamente desinteressante.
Para finalizar, que mensagem gostariam de deixar aos vossos fãs
que vos têm acompanhado ao longo destes 20 anos?
EREMITA: Obrigado pelo apoio, em breve teremos algumas novidades.
TROBADOR: Obrigado Pedro, à Via Nocturna e a todos que nos seguem durante esta longa jornada e que nos continuam a apoiar. Principalmente aqueles que adquiriram este novo álbum sem sequer o terem ouvido por completo. Isso marca-nos muito.
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