Segundo o modelo
proposto por Elizabeth Kübler-Ross uma pessoa passa por cinco estados quando
confrontada por uma grande perda ou dor: Negação, Raiva, Negociação, Depressão
que podem revelar-se de várias formas e alternadamente até chegar, por fim, à
Aceitação (ou pelo menos assim é idealizado). Em Viagem, novo
trabalho de Alkimista, sente-se a aplicação inconsciente destes princípios após
a Perda ocorrida no álbum anterior Cinzas, desta vez sob o elemento
volátil da Água. O mentor do projeto, Pedro Serpa, explica-nos pormenorizadamente
a sua visão musical, artística e psicológica.
Olá, Pedro, tudo bem?
Obrigado pela disponibilidade! Para começar podes apresentar este Alkimista?
Olá, Pedro, obrigado pela entrevista, é uma
oportunidade de dar a conhecer um pouco este projeto. O Alkimista é um projeto onde tento expressar a ideias,
conceitos e emoções em poemas e música de forma coerente, mas visceral.
Quanto a este novo
álbum, Viagem, Pedro, podes nos falar sobre o conceito por trás do
mesmo e de que forma como ele se liga ao modelo dos cinco estágios do luto de
Elizabeth Kübler-Ross?
Há bastante tempo que queria pegar no modelo Kübler-Ross
para contar uma história, inicialmente em banda desenhada, onde estava mais ativo,
mas acabou por fazer sentido no Alkimista após o álbum Cinzas, marcado pela tristeza
da separação, como tentativa de catarse, de ultrapassar a mágoa e transformá-la
em algo positivo para o presente e futuro.
O álbum anterior Cinzas lidou com o
tema da Perda. Como foi a transição emocional e criativa para Viagem,
que explora os estágios subsequentes do luto?
Em continuação da resposta anterior, foi uma
exploração, disparar em várias direções. São as várias facetas do indivíduo,
das camadas e complexidades que nos compõem. Assim deram origem a diferentes
momentos líricos e musicais, unidos por uma estética, uma identidade musical
que estou a definir. Pelo menos é o que gosto de acreditar.
Todas as músicas de Viagem foram
gravadas em casa. Como foi essa experiência de produção caseira em comparação
com álbuns anteriores?
Foi igual. Gravei todos os álbuns em casa. Só no Cinzas
é que gravei a voz numa sala de ensaio. Trabalho as músicas ao meu ritmo,
conforme posso. Normalmente em tiradas muito produtivas seguidas de pausas
longas, para me esquecer e voltar a ouvir de forma mais analítica e
desapaixonada. O que está bom fica, senão vai fora.
Como surgiu a
colaboração com Rita Correia, Francisca Ribeiro de Carvalho, David Soares,
Samuel Trindade e Rogério Esteves neste álbum?
Quis logo de início da composição expandir a
sonoridade. E, trazer outras pessoas para colaborar fez todo o sentido para
isso acontecer. A maioria já conheço há muito tempo e nutro admiração pelos
seus talentos. A Rita que enriqueceu as melodias com a sua voz. O David que
escreveu o poema e recitou, elevando o conceito muito além do que seria capaz.
O Roger que abordou um dos temas mais difíceis, sem cair no banal. O Samuel,
que me ensinou o essencial dos DAW para gravar em casa. Sem a sua ajuda
as músicas que fazia em casa nunca seriam acabadas nem editadas. Por fim, a
Francisca, que escreveu aquele poema há muitos anos e finalmente encontrou a
sua música.
A água é um elemento
central em Viagem. Como é que este elemento volátil influência a
sonoridade e a temática das músicas?
Cada álbum tem um tema ou motivo. Nesta Viagem
a água é o elemento sempre presente, mutável, que tanto embala suavemente o
navio como o fustiga em ondas dolorosas. É a metáfora perfeita.
Em Viagem, há uma
combinação de diferentes formas de arte, como a música e a poesia. Podes contar-nos
mais sobre a inclusão do poema O Estranho em Mim de David Soares?
Tinha o refrão gravado para a música, tinha o tema e
o que queria abordar, mas não sabia como cantar em cima daquele ritmo lento a
lembrar Pink Floyd. Às tantas lembrei-me de propor ao David se fazia
sentido ele escrever um poema e recitá-lo para aqueles momentos e rapidamente
ele agarrou o desafio e superou as minhas expetativas. As suas palavras são
como um soco no estômago e encaixaram na perfeição no tema da música.
Há uma forte componente
emocional e introspetiva nas letras de Viagem. Como é o teu
processo de escrita e composição para transmitir essas emoções?
Desde o início que decidi abordar este projeto de
forma íntima e pessoal. É uma forma de me distinguir de tantos outros e também
porque fez e continua a fazer sentido no momento em que comecei. Escrever sobre
algo pessoal, não necessariamente sobre mim, em português, aproxima o ouvinte.
Vivemos tempos muito acelerados, é difícil tirar tempo para nos sentarmos,
ouvir algo e prestar atenção ao todo. Queria que valesse a pena esse tempo.
Criar algo não é uma escolha, é algo que faz parte das pessoas, seja qual for a
sua manifestação, é algo que tem de sair de nós. Dá muito trabalho e raramente
tem o reconhecimento devido, seja em que medida for. Esse tempo ninguém o vê,
nem mede, mas está impresso, embebido na arte.
E, mantendo sempre a
escolha do uso da língua portuguesa. Sentes-te mais confortável assim?
Sim. Não vejo como cantar noutra língua seria
melhor. Todos nos habituámos a ouvir rock e metal em inglês, é
como uma língua universal, soa bem. Mas é fator distintivo que me agrada e a
língua e expressão portuguesa é muito boa, é algo que faz sentido no contexto
do Alkimista.
A faixa Um Quarto Sem Vista
conta com um solo de guitarra de Samuel Trindade. Como foi trabalhar com ele e
o que ele trouxe de único para a música?
O Samuel é um excelente guitarrista e conseguiu dar
uma ferocidade técnica à música que eu não conseguia. É como usar a ferramenta
certa para o trabalho. Foi o que fiz com todas as colaborações, trazer o melhor
de cada um para o sítio certo. Enviei uma mensagem, “O que achas de pôr um solo
nesta música?”. Ele trabalhou durante algum tempo, gravou uns takes e o
resultado final está no álbum.
O design e a
ilustração do álbum também foram feitos por ti. Como é que o visual do álbum
complementa a sua música e mensagem?
Tudo tem de fazer sentido. É um conceito do
princípio ao fim. No Cinzas usei fotografias da Gisela Monteiro. No seu percurso académico dedicado ao estudo de
cemitérios e como investigadora, palestrante, fotografa, contextualiza a flora
e a arquitetura. Tem um vasto portfolio
no qual facilmente encontrei as imagens que traduziam os momentos daquele
álbum. No Viagem, a ideia do Kraken aconteceu mais tarde, com as músicas
acabadas e foi ao encontro de tema, da turbulência da viagem. Também de como os
antigos navegadores viam os perigos do mar, do desconhecido, cheio de monstros
fantásticos e imaginários. Por vezes são os mais difíceis de vencer...
Quais são as tuas
expetativas em relação à receção de Viagem pelos fãs e crítica?
Confesso que tenho uma abordagem muito desligada em
relação a isso. Sinto-me muito realizado com a conclusão de cada álbum. É para
mim um grande triunfo em si. É uma conquista pessoal. Editá-los é uma partilha
e pouco mais. O metal é um nicho musical e o doom, no qual o Alkimista se enquadra, é um nicho ainda mais pequeno. Tenho
um público muito, muito reduzido. É a realidade e vivo bem com ela.
Podes-nos dar uma ideia
sobre possíveis planos futuros para Alkimista, seja em termos de novos projetos
ou apresentações ao vivo?
Desde que comecei com este projeto e também a razão
pela qual ele se concretizou é o facto da minha vida estar em profunda mudança.
Estes últimos oito anos têm sido... complicados e preciso estabelecer algumas
bases firmes para poder continuar. O futuro do Alkimista é
desconhecido. Não faço ideia se vai acabar aqui ou se haverá mais. Depende de
tantos fatores e nem todos dependem de mim.
Este formato será para
continuar? Ou seja, com o projeto centrado apenas em ti? Vislumbras um dia
poder passar a formato banda?
Duvido que alguma vez se concretize como banda.
Gostava de registar alguns temas “ao vivo” numa sala de ensaio. Mas é algo que
exige bastante trabalho a outras pessoas para além de mim.
Muito obrigado, Pedro! Dou-te a oportunidade de acrescentar mais alguma coisa…
Volto a agradecer-te por esta oportunidade. Há muitos projetos, cheios de ideias e qualidade que ninguém conhece a precisar de divulgação. O metal português está vivo e de boa saúde! Procurem nas várias plataformas, escutem, passem a palavra, ajudem como puderem as bandas.
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